Impõe-se ao SMMP tomar posição sobre questões que envolvem o exercício do poder de direção/hierárquico na magistratura do Ministério Público.
O diálogo, lealdade institucional mútua, solidariedade e respeito pelo estatuto do Ministério Público devem sempre presidir a essa relação hierárquica.
Acontece que:
1) O exercício dos poderes hierárquicos no Ministério Público, que cumpre recordar tem apenas natureza funcional, deve obedecer a uma lógica que ligue magistrado hierarca e magistrado dependente funcional numa relação de lealdade institucional recíproca.
A via do diálogo e da consensualização de soluções para os problemas tem vindo a ser progressivamente desvalorizada por parte de alguns dos magistrados que exercem funções de direção.
Os magistrados que exercem poder hierárquico, que são apenas aqueles que o próprio Estado através do Estatuto dos Magistrados do Ministério Público prevê como tal, devem ouvir os magistrados que estão na sua dependência hierárquica. Mas, tal não pode ocorrer apenas formalmente, os magistrados devem saber que podem contar da parte da sua hierarquia com um interlocutor leal, que seja capaz de escutar e aconselhar e que não se limite a utilizar os instrumentos de conformação hierárquica, por exemplo a proferir ordens ou a dar instruções, sem cuidar de ouvir os visados/afetados. A lealdade institucional, em especial numa hierarquia que assume uma natureza muito especial porque tem sempre que ser conjugada com a autonomia interna dos magistrados (sim porque é de magistrados que se trata e não de funcionários administrativos inseridos numa cadeia hierárquica), é uma via de dois sentidos, que impõe cuidado e sensibilidade.
O modelo de organização do sistema judiciário vigente deveria estar a ser hierarquicamente interpretado no sentido de potenciar a resolução de problemas em proximidade.
Um superior hierárquico no Ministério Público, atenta a natureza especial da relação em causa e a autonomia do exercício das funções próprias de uma magistratura, não pode ser alguém distante que não ouve os magistrados que dele dependem, ou apenas escuta alguns que lhe são mais próximos e se limita a emitir ordens e instruções, correndo o risco de serem desajustadas da realidade e de não obterem a esperada e necessária adesão dos visados, a sua compreensão e mobilização.
2) O Estatuto do Ministério Público define claramente os poderes de cada um dos hierarcas em função das necessidades existentes no exercício do poder hierárquico funcional.
A Procuradoria da República da Comarca é o órgão ao qual compete especialmente dirigir, coordenar e fiscalizar a atividade do Ministério Público da comarca e nos departamentos e procuradorias que a integram (artigos 73.o /1 e 74.o EMP).
Não é admissível a criação de estruturas formais ou informais de hierarquia não legalmente revistas. Seria uma forma de desvirtuar o estatuto e de conferir poderes hierárquicos a quem não os tem nas suas competências, nem os pode ter (até porque esses poderes não são delegáveis, só o seriam se o estatuto previsse essa possibilidade e apenas perante quem já exercesse poderes hierárquicos).
Verifica-se em algumas comarcas a existência de equívocos em que se aplica o estatuto antigo a situações ao abrigo das quais ele não pode ser aplicado.
Assim acontece com alguns coordenadores sectoriais, cujos poderes são claramente definidos no artigo 84.o do atual estatuto. Estes coordenadores não são hierarcas e não podem, como tal, exercer poderes que são exclusivos de quem é magistrado superior hierárquico (funcional) de outro magistrado.
Não é possível atribuir a coordenadores sectoriais poderes hierárquicos que só podem ser exercidos pelos dirigentes nomeados pelo Conselho Superior do Ministério Público ou pelos próprios procuradores coordenadores das comarcas.
Acresce que o regime anterior, no qual os coordenadores sectoriais exerciam poder hierárquico, tinha como pressuposto todo um quadro legal diferente e que não subsiste no novo estatuto.
Mas, os equívocos hierárquicos que vão ocorrendo não se ficam por aqui.
3) Existe da parte de alguns procuradores coordenadores das comarcas uma compreensão da extensão dos seus poderes hierárquicos que vai além daquilo que o estatuto do Ministério Público permite.
Senão vejamos, os instrumentos de conformação hierárquica são aqueles e apenas aqueles que se encontram previstos no estatuto e devem ser usados na medida certa em que se adequem ao efeito pretendido, sempre dentro do conteúdo funcional do respetivo dirigente.
Aos magistrados do Ministério Público que exerçam funções em regime de acumulação é devida remuneração nos termos do artigo 136.o do Estatuto do Ministério Público.
Estabelece o respetivo regulamento que o coordenador da comarca, elabora proposta fundamentada de acumulação quando “se verifique a necessidade de algum magistrado do Ministério Público exercer funções em mais de um tribunal, procuradoria, juízo, unidade orgânica, departamento, secção ou unidade de departamento da mesma comarca, desde que tenha de assegurar serviço que acresça àquele que integra o seu conteúdo funcional originariamente estabelecido pelo superior hierárquico” ou “que resultaria de uma distribuição equitativa de serviço se tivesse sido preenchido o quadro legal, que não diste mais de 60 kms do local em que o magistrado visado se encontre colocado”.
As situações de acumulação de serviço (que têm muitas vezes subjacente um grande sacrifício pessoal e familiar dos magistrados, em especial neste contexto de grande carência de recursos humanos), que ao abrigo do Estatuto do Ministério Público dão lugar a pagamento ao magistrado (após fixação do montante), devem ser comunicadas pelos coordenadores da comarca ao Conselho Superior do Ministério Público com a maior brevidade, evitando o arrastar de situações de acumulação de facto não aprovadas pelo Conselho. Por outro lado, existem também situações que não são formalmente enquadradas na figura da acumulação de serviço, mas que substancialmente não deixam de o ser e que como tal devem ser tratadas.
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Em face do que ficou exposto relativo ao modo como têm sido exercidos alguns poderes de direção e hierárquicos, o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público interpela o Conselho Superior do Ministério Público e a Sr.a Conselheira Procuradora Geral da República para que procedam, no exercício das respetivas funções, a uma avaliação das situações em que se verifica o exercício de poderes hierárquicos em violação do Estatuto do Ministério Público ou fora do respetivo quadro legal e pugnem pelas correções necessárias de modo a que não subsistam ordens de serviço ou instruções em violação do Estatuto do Ministério Público.
A Direção do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público – 17/05/2022