A propósito do processo e discussão e aprovação da Reforma do Mapa Judiciário
1. Uma apreciação de fundo
Aquando da apresentação do pré-projecto de reforma do mapa judiciário o SMMP pronunciou-se, em síntese, no seguinte sentido.
«O Governo assentou a sua proposta numa premissa correcta: a necessidade da gestão racional do sistema judicial.
O pressuposto desta proposta radica na ideia de que o actual figurino existente desde há largo tempo, e que se baseia na coincidência (quase em absoluto) da comarca sobre a divisão territorial e administrativa do concelho (sem prejuízo de existirem concelhos que não têm comarca…) é um obstáculo “no domínio da gestão de recursos e de uma resposta de qualidade”.
O Governo pretendeu, assim, alicerçar o mapa judiciário num novo conceito e em nova divisão geográfico-territorial.
A proposta remete para momentos posteriores a definição de uma mais concreta organização judiciária, designadamente o conhecimento da rede de juízos de competência genérica e ou especializada que vão existir em cada uma das comarcas ora definidas, bem como a sua localização e o seu quadro de magistrados e funcionários.
Tal proposta denota, por outro lado, uma evidente omissão quanto a uma ponderada reflexão sobre a conexa organização Judiciária, demonstrando uma falta de visão estratégica do sistema e do seu funcionamento articulado.
Com efeito, a reforma apenas toca e perfunctoriamente o mundo dos tribunais judiciais. Ora, o “Sistema Judiciário” não se reconduz (não pode reconduzir-se…), de forma redutora, apenas a estes.
O projecto não só não incorpora uma visão integrada das várias espécies de Justiça clássica, como, igualmente, deixa de fora, as contemporâneas “modalidades” da Justiça dita retributiva ou de proximidade que o Governo tanto tem propagandeado.
O novo mapa, não revela, de facto, qualquer conexão coerente com o mapa relativo à Justiça Administrativa, para que se ganhem economias de escala.
Aliás, nada diz quanto a esta!
O projecto não toma, ainda, em consideração os Julgados de Paz nem a sua necessária articulação com o sistema de Justiça Clássico.
Além disso, nem uma palavra se diz, no projecto relativamente ao Sistema de Mediação Penal.
Não se sabe, por isso, como é que este Sistema se vai articular com o novo mapa Judiciário.
Continuaremos; assim, a ter vários sistemas de Justiça a remar em direcções diversas.
A Administração da Justiça permanecerá, assim, assente numa miríade de mapas, sistemas e orgânicas, a funcionar desligadamente, numa desarticulação propiciadora de ineficiência e de custos agravados.» (ver documentos aqui e aqui)
2. A aprovação na generalidade da proposta governamental
A Assembleia da República, no entanto, aprovou, na generalidade, a proposta do Governo, proposta que o Parlamento, já na especialidade, vem tentando melhorar.
3. A intervenção do SMMP na Assembleia da República
O SMMP, quando ouvido na Assembleia da República sobre aquela proposta, reafirmou as críticas que fez quanto à coerência da mesma, mas, desde logo, se manifestou disponível para contribuir com sugestões e propostas capazes de ajudar a melhorar o sentido da reforma, tanto do ponto de vista técnico, como até no sentido de serem introduzidas alterações que a aprofundassem e optimizassem.
Tal disposição do SMMP foi de imediato saudada pelo Presidente da Comissão Parlamentar, pelo Governo e pelos deputados da maioria.
4. A resposta e uma iniciativa positiva do Governo
Nesta sequência o Governo solicitou ao SMMP que lhe endereçasse sugestões concretas sobre as alterações à orgânica judiciária e ao Estatuto do Ministério Público que não só se adequassem aos objectivos da reforma, como, também, permitissem minorar as situações que estão na origem do abandono do Ministério Público por muitos e bons quadros de primeira instância e muitos dos melhores quadros do escalão superior.
5. O conjunto de sugestões formuladas pelo SMMP
O SMMP formalizou então um conjunto de sugestões que apontava para uma melhoria efectiva da proposta governamental e acrescentou outras que visavam alcançar aquele segundo objectivo. (ver documento)
5.1 No que respeita à proposta governamental o SMMP centrou-se nos seguintes pontos:
– A necessidade de prever que o Gabinete de Apoio ao Tribunal, na proposta sob a égide do Cons. Superior da Magistratura servisse também o Ministério Público e as partes, não podendo, nesse caso, ser colocado na alçada exclusiva daquele órgão, potenciando as sinergias daquele Gabinete numa prestação de serviços a Juízes, Ministério Público e, inclusive, às partes!
– A necessidade da criação de uma Comissão Permanente no seio do proposto Conselho de Comarca, constituído pelo Procurador Coordenador, o representante da OA e o Juiz Presidente, tendo por função a intervenção imediata na resolução de problemas inter judiciários e nas matérias do interesse de todas e cada uma das profissões judiciárias, indo ao encontro de soluções inclusivas capazes de potenciar soluções consensuais para problemas comuns
– A necessidade de alterar parte dos poderes do Juiz Presidente que contendessem com as funções do Ministério Público e com a utilização de espaços próprios a esta magistratura e os espaços comuns a todos os operadores judiciários e, simultaneamente, diminuíssem as tarefas de cariz essencialmente administrativa e logística, que deveriam ficar a cargo do Administrador;
– A necessidade de alterar a forma de designação do Administrador do Tribunal – a cargo do CSM ou do Juiz Presidente – na medida em que para este estavam previstos poderes que contendiam com o funcionamento do Ministério Público, o que atenta contra a Autonomia desta magistratura;
– A necessidade de clarificar as regras de aprovação da proposta de orçamento do Tribunal na medida em que este respeita a todas as magistraturas e utilizadores, devendo, além disso, prover-se, sob pena de estar em crise a autonomia do Ministério Público, a total autonomização do orçamento desta magistratura e dos seus serviços;
– A necessidade de repensar a proposta do hipertrofiado mapa do Distrito de Lisboa, que esvaziava de sentido o Distrito de Évora, que perdia Setúbal e o Algarve.
5.2 No que respeita à adequação estatutária do Ministério Público o SMMP centrou-se nos seguintes pontos:
– A necessidade de que o lugar de coordenação do Ministério Público nas novas circunscrições fosse ocupado por um Procurador-Geral Adjunto, privilegiando-se a experiência, a exclusividade de funções e o restabelecimento da hierarquia nas novas circunscrições, dado a sua dimensão e maior complexidade de gestão funcional e administrativa;
– A consequente e imprescindível introdução de critérios claros e objectivos que privilegiem o mérito e a ética profissional nas nomeações de tais cargos e de todos os cargos de hierarquia e representação que, nos termos da proposta, viessem a implicar de algum modo, o exercício de funções qualificadas e que pudessem, por isso também, vir a determinar diferenças remuneratórias entre magistrados da mesma categoria hierárquica;
– A necessidade de consagrar e repor, tanto quanto possível, os critérios de paralelismo entre magistrados do Ministério Público e judiciais, em dignidade, termos remuneratórios e prerrogativas estatutárias, quando desempenhem funções nos mesmos tribunais e exerçam cargos de idêntica responsabilidade e representação;
– A necessidade de consagrar o efectivo direito e dever de formação permanente para os magistrados do Ministério Público, de forma a reforçar a necessidade de especialização e actualização, que é de todos sentida; formação que também se considera pressuposto fundamental a uma verdadeira reforma da Justiça;
– A necessidade de – nos termos do programa do Governo quanto à carreira plana das magistraturas e das linhas directrizes para reforma das carreiras públicas – privilegiar o mérito e os concursos como instrumentos de progressão remuneratória distinta e mais célere para os magistrados que se evidenciem no exercício da sua função, criando estímulos e premiando o esforço e a qualidade do serviço, sem com isso procurar contrariar o esforço de saneamento das finanças públicas e mantendo o quadro e as tabelas remuneratórias das carreiras existentes.
6. A resposta do Governo e da maioria
O Governo que suscitara o SMMP a apresentar sugestões e formular as referidas propostas, aceitou, desde logo, os princípios enunciados e muitas das propostas concretas formuladas.
O Governo sugeriu, seguidamente, o alargamento da negociação ao grupo parlamentar da maioria e a consulta dos grupos parlamentares da oposição.
O SMMP aceitou o repto, formulou as suas propostas, delas dando conhecimento prévio e atempado ao Procurador-Geral da República.
Já no âmbito desse processo aberto, dialogante e frutífero veio o SMMP a receber um primeiro conjunto de sugestões do Grupo Parlamentar do PS, que no essencial, consagravam um número significativo de proposições formuladas pelo SMMP.
Entre outras da sua autoria, foram desde logo consideradas e formalizadas pelo Grupo Parlamentar do PS algumas propostas antes aventadas pelo SMMP que, designadamente, se dirigiam:
– À criação da Comissão Permanente e à formulação dos seus poderes funcionais;
– À melhor definição das funções do Administrador;
– À definição dos poderes do Juiz Presidente;
– À gestão dos espaços comuns dos Tribunais;
– Ao reforço do paralelismo estatutário e remuneratório entre magistrados;
– À previsão do lugar de coordenador das novas Comarcas por um PGA;
– À definição de regras claras e objectivas para as nomeações por concurso das chefias do Ministério Público e dos lugres de representação que possam comportar diferenças remuneratórias e distintas prerrogativas estatutárias;
– À revisão das normas do Estatuto que davam consagração progressiva ao Programa do Governo no que respeita à carreira plana e à promoção do mérito na velocidade da progressão remuneratória dos magistrados.
7. Riscos de adiamento e na concretização do acordo
A Direcção do SMMP congratulou-se com o teor de tais propostas do Grupo Parlamentar do PS que correspondem a anseios colectivos e antigos da grande maioria dos magistrados do Ministério Público.
Esperava-se, por isso, que nos seus exactos termos, elas pudessem ser aprovadas pela Assembleia da República, numa maioria que se pretendia o mais ampla possível, sinal evidente da importância institucional da matéria em apreço.
Na sua formulação última, porém, o Governo e o PS deixaram cair as propostas dirigidas à consagração progressiva do Programa do Governo no que respeita à carreira plana e à promoção do mérito na velocidade da progressão remuneratória dos magistrados. (ver documento)
A explicação política para tal facto não nos foi transmitida, sendo certo que tal procedimento nos parece totalmente estranho, na medida em que o processo se iniciou por iniciativa do Governo, contou com a sua aceitação imediata no que se refere aos princípios consagrados e foi formalmente consagrada em textos que nos foram remetidos e postos à discussão.
O SMMP considera, por isso, que tais princípios se encontram estabelecidos por acordo entre as partes e que – agora ou o mais tardar mas até ao fim do ano – têm de ser desenvolvidos todos os esforços para os concretizar nos seus exactos termos.
Esta não pode ser mais uma oportunidade perdida para consolidar um diálogo construtivo e desejado por todos os intervenientes na área da Administração da Justiça.
A ruptura deste acordo conduziria, naturalmente, à maior desestabilização no seio do Ministério Público, a uma desmoralização acentuada dos seus magistrados e à desqualificação desta magistratura com consequências graves no recrutamento, no empenhamento e na qualidade do serviço.
O SMMP aceita que possam existir razões momentâneas para adiar a concretização do acordo que se vinha desenhando, mas, até por uma questão de boa-fé política e negocial, não aceita a hipótese da sua rejeição definitiva ou do seu adiamento indefinido, o que seria igual.
Face, no entanto, a este e outros inexplicáveis incidentes, o SMMP não pode deixar, agora, de temer, também, que outros dos pontos já aceites por acordo e formalmente apresentados na Assembleia da República como proposta da maioria, possam, vir a cair ou venham a ser de tal maneira deformados, que, com o acordo obtido, já em nada se identifiquem.
8. Processos leais e princípios firmados
O SMMP continua, empenhado em ver concretizados os princípios deste acordo e as propostas formalmente formuladas pelo Grupo Parlamentar do PS.
O SMMP considera também que as propostas da sua autoria e que foram assumidas pelo GP PS em nada desestabilizam a situação interna do MP, nem atentam contra os princípios constitucionais e estatutários que regulam a organização e funções do MP; pelo contrário, reforçam e clarificam esses princípios e respondem aos anseios da esmagadora maioria dos magistrados.
O SMMP faz apelo à melhor lealdade e compreensão de todos os intervenientes neste acordo, sendo certo que dele e da sua concretização efectiva resultarão, afinal, soluções úteis, práticas e justas que mobilizarão os magistrados e permitirão um melhor funcionamento da Justiça.
9. Um Congresso oportuno
O SMMP convocou, entretanto, para os dias 12 e 13 de Dezembro um Congresso Extraordinário que, entre outras, irá proceder à apreciação das questões antes enunciadas, tendo em vista uma tomada de posição sobre elas.
Lisboa, 14 de Julho de 2008
A Direcção do
Sindicato dos Magistrados do Ministério Público