Agradeço a presença de todos neste ato solene de tomada de posse dos novos órgãos sociais do SMMP para o triénio de 2021/2024 e que representa um reconhecimento do papel desenvolvido pelo SMMP ao longo dos seus mais de 40 anos de existência e do seu contributo essencial na defesa do Estado de Direito.

Um agradecimento especial ao Centro de Estudos Judiciários e ao seu Diretor aqui presente por, mais uma vez, ter disponibilizado estas instalações para a realização desta cerimónia, sendo intenção da Direção que hoje tomou posse manter estreita colaboração com esta que é a escola de formação dos magistrados e que a mesma seja um espaço de aprofundamento dos conhecimentos jurídicos teórico-práticos, mas também de reflexão e interiorização de competências essenciais aos magistrados como o bom senso, a razoabilidade, a humildade, sentido de serviço público e respeito por todos os intervenientes no sistema judiciário.

Quero ainda agradecer em nome de todos os associados do SMMP ao presidente do SMMP que hoje cessa funções pelo trabalho desenvolvido ao longo dos últimos seis anos, pela sua entrega, dedicação, empenho e coragem na defesa da dignidade do Ministério Público e dos direitos de todos os magistrados do MP e, na pessoa dele, todos quanto fizeram parte das duas direções que liderou.

O direito ao associativismo judiciário configura, mais do que um direito ou para além de um direito – de cada um dos magistrados, individualmente considerados, ou do respetivo coletivo como grupo ou classe – uma irrenunciável instituição do Estado de Direito e da sociedade democrática.

A atividade do SMMP está também estreitamente associada à procura de caminhos de recuperação do prestígio da justiça e da confiança, individual e coletiva, na realização da justiça, colaborando interna e externamente na procura das melhores soluções para o efeito.

Acresce o inestimável serviço na defesa da legalidade e os esforços porfiados de vigilância contra as formas, mais expostas ou mais subliminares, de condicionar e, pior do que isso, orientar a atuação do Ministério Público.

São vários os sinais, internos e externos, que nos devem preocupar, não só aos magistrados, mas à sociedade em geral, e que põe em causa o princípio da separação de poderes e o próprio Estado de direito democrático.

O uso de instrumentos de regulamentação interna que contrariado a Constituição, o Estatuto do MP e as leis vigentes pretendem transformar o Ministério Público  num corpo de funcionários que cumpre e obedece a ordens da hierarquia, que pode condicionar livremente as investigações em curso, comporta um elevado risco de instrumentalização por parte do poder político, aproximando o modelo português tido ao nível europeu como moderno e menos permeável à influência política, dotado de autonomia e independência próprios de uma verdadeira magistratura, num modelo mais funcionalizado e permeável a interferências externas.

Isto só acontece porque o Ministério Público está a exercer as funções que lhe foram constitucionalmente atribuídas, orientado unicamente por critérios de estrita legalidade e objetividade e, incomodando, interesses instalados que nutrem uma especial vontade de conformar o Ministério Público dentro de uma esfera de controlo.

O SMMP tudo fará para defender a autonomia do Ministério Público, garantia de um Estado de direito democrático e de uma justiça igual para todos.

Vemos com preocupação o autismo evidenciado pela Procuradora-Geral da República, o seu distanciamento e desinteresse pelos magistrados do Ministério Público e pelas suas principais preocupações, de que parece sinal evidente o facto de não ter comparecido, nem se ter feito representar na cerimónia de tomada de posse do único organismo representativo dos magistrados do Ministério Público.

Mas não é esse, porventura, o sinal mais preocupante. 

Não é compreensível que se quede no silêncio, num momento em que o Ministério Público é alvo de críticas à sua atuação, e não cumpra o dever estatutário de informação que sobre a mesma impende, esclarecendo a opinião pública no sentido de que o Ministério Público é uma magistratura, dotada de autonomia, não instrumentalizável, e cuja atuação assenta unicamente em critérios de estrita legalidade e objetividade, e que quando acusa o faz sustentadamente e não de forma leviana ou fantasiosa, sobretudo quando está em causa a confiança num departamento integrado na própria estrutura orgânica da PGR.

Em vários domínios assistimos ao assomar do populismo, ao recurso a “clichés” e lugares comuns, ao recurso à manipulação intencional de informação e à propalação de afirmações inverídicas que colocam em crise as instituições democráticas e o próprio Estado de direito.

As organizações representativas do judiciário devem ter um comportamento responsável, não caírem no populismo fácil, no ataque imponderado às instituições da justiça, antes pelo contrário, contribuírem de forma positiva para o esclarecimento dos cidadãos quanto ao modo de funcionamento do sistema judiciário.

Existe hoje um assentimento quase unívoco sobre a ideia de que só com um judiciário independente, responsável e mais transparente, a par de uma imprensa independente e de uma sociedade civil informada, se conseguirão realizar os pressupostos de um verdadeiro Estado de direito. 

Incumbe ao Estado, enquanto correspetivo do direito de cidadania constitucionalmente consagrado, o dever de definir uma política pública de justiça assente num conceito que potencie a Justiça como um valor, feita com mais qualidade e feita com mais rapidez. Para que tal seja conseguido impõe-se que se simplifiquem as estruturas judiciárias e que se torne o sistema judiciário entendível pelas pessoas.

A direção que hoje toma posse está fortemente motivada e empenhada em colaborar, com a Procuradoria-Geral da República, o Conselho Superior do Ministério Público, o Ministério da Justiça e todos os representantes dos diversos operadores judiciários, na melhoria do sistema de justiça, no encontro das melhores soluções para garantir um efetivo acesso à justiça e a uma justiça de qualidade e em tempo razoável.  

Para atingirmos tal desiderato torna-se imperativo um quadro de magistrados do Ministério Público adequado ao volume de serviço, especialização e funções que lhe são cometidas.

O quadro de magistrados do Ministério Público, que ao longo dos anos não foi sendo reposto para, pelo menos, permitir a substituição daqueles que foram saindo por motivo de jubilação, aposentação, incapacidade, comissões de serviço em vários organismos e licenças de curta e longa duração, encontra-se hoje numa situação de insuficiência notória. Mesmo com o reforço de vagas para o Ministério Público nos últimos dois cursos de formação, o quadro da nossa magistratura ainda está muito aquém do necessário, até porque se somarmos as vagas para a magistratura judicial nos tribunais comuns e nos TAF´s verificamos que as mesmas continuam a ser em número superior às do Ministério Público, que presta serviço em ambas as categorias de tribunais.

São consequências dessa carência o acréscimo generalizado do volume de trabalho (que em certos casos atinge números incomportáveis e ingeríveis), agregações de funções (a quebra da estabilidade e da confiança de quem vê sucessivamente alterado o conteúdo funcional do local para onde concorreu num movimento de magistrados do Ministério Público e onde veio a ser colocado), o aumento das acumulações de serviço (por vezes sem a necessária autorização do CSMP e sem o seu devido pagamento) e a progressiva desvalorização da especialização que decorre de acumulações de funções de áreas distintas (em clara oposição com a intenção legislativa).

Por outro lado, o número e a complexidade crescentes dos processos e das áreas de intervenção do Ministério Público, designadamente a criminalidade económico-financeira, a corrupção, o cibercrime, a prova digital, os interesses difusos e coletivos, os direitos das crianças, jovens e adultos especialmente vulneráveis, a violência doméstica, bem como a especialização preconizada pela reforma judiciária de 2013, tornam imprescindível e urgente o reforço do quadro de magistrados, numa escala que nunca foi conseguida ou sequer reconhecida como essencial.

A especificidade das funções exercidas pelo Ministério Público exige igualmente um corpo de funcionários próprio desta magistratura e devidamente qualificado para o exercício das mesmas.  

É altura de apostar na qualificação e dignificação das carreiras dos funcionários e oficiais de justiça, delineando um modelo inicial de formação adequado às funções que vão desempenhar, com preocupação pela vertente de contacto com o público, essencial em muitas das áreas de intervenção do Ministério Público. 

O Ministério da Justiça que tem em mãos a revisão do estatuto dos funcionários judiciais não pode deixar de aproveitar este momento para proceder a uma reforma, desde sempre adiada, e que se torna essencial para uma justiça de maior qualidade.

Uma magistratura que se quer autónoma tem de estar ainda dotada dos meios e recursos necessários ao exercício eficiente das suas funções e não estar dependente da boa vontade do poder político para o efeito.

Seis anos volvidos da reforma judiciária cumpre ainda refletir criticamente sobre a sua implementação prática. 

Multiplicaram-se no seio do Ministério Púbico um conjunto de estruturas hierárquicas de gestão, como são exemplos os Procuradores Gerais Regionais, os coordenadores de comarca e os coordenadores setoriais, sendo que muitas vezes a sua atividade se basta e esgota na elaboração de relatórios e mapas estatísticos, sobrecarregando os magistrados constantemente com pedido de números e mais números.

Tal constitui um desvirtuamento do espírito subjacente à reforma que apelava a uma verdadeira cultura organizacional, com modelos de comunicação e gestão de desempenho que exigem o apelo ao conceito de inteligência organizacional, onde são fatores essenciais a proximidade, a entreajuda, a motivação e o conhecimento dos magistrados.

A cultura organizacional que se tem instalado não é de motivação, mas de intimidação.

O que é relevante para estas estruturas de gestão do Ministério Público é apresentar uma diminuição de pendências e não, assegurar uma justiça melhor e mais eficiente.

Importa, por isso, que as estruturas de gestão se reinventem para além da burocracia e contribuam para que os magistrados tenham as condições necessárias ao exercício das suas funções. 

Continuaremos a pugnar pela transparência e rigor nos movimentos de magistrados, no acesso a comissões de serviço, na seleção dos inspetores e coordenadores de comarca, na progressão à categoria de procurador-geral adjunto e no uso de instrumentos de mobilidade.

Cumpre ainda referir que a atividade nobre dos magistrados do Ministério Público é aquela que se desenvolve nas diversas áreas de intervenção desta magistratura, isto é, no trabalho direto nos processos, cumprindo as funções que constitucional e legalmente estão confiadas ao Ministério Público.

Por isso, nenhum magistrado deverá ser preterido na progressão da carreira pelo facto de não ter estado em comissões de serviço, dentro ou fora desta magistratura, sob pena de ao fazê-lo se transmitir uma mensagem aos novos magistrados que o importante é o acessório em detrimento da qualidade e empenho no essencial.

Queremos que os novos magistrados tenham perspetivas de futuro, sejam menos conformistas e mais interventivos, que se revejam na atuação e se vejam representados pelo SMMP e que se sintam motivados e realizados na magistratura que escolheram.

Exigiremos respeito pela dignidade dos magistrados do Ministério Público e que sejam criadas as condições para que o trabalho possa ser conjugado com a possibilidade de uma vida pessoal, familiar e social a que têm direito.

Mais uma vez obrigado a todos pela Vossa presença.

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