A reforma da organização judiciária, concordando-se ou não com ela, envolve e responsabiliza todos os actores judiciários.
Porém, como sempre alertámos, os problemas que resultem da sua filosofia, princípios e normativos próprios, bem como os que sejam provocados pelo processo material de implementação, são da responsabilidade exclusiva do Governo.
Os alertas quanto aos problemas que poderiam ocorrer com o processo de implementação, até pela experiência resultante da instalação, em 2009, das três comarcas experimentais da reforma de 2008 foram muitos e constantes.
É hoje indiscutível que a 1 de Setembro não estavam reunidas as condições legais e práticas para a implementação desta reforma.
Não estavam as legais, pois faltavam as alterações aos estatutos das magistraturas. Estas deveriam ter sido feitas simultaneamente com a Lei de Organização do Sistema Judiciário. Não o foram, o que deixou o Ministério Público numa situação delicada de adaptação da sua organização, definida no seu Estatuto, a uma nova organização dos tribunais. Os problemas criados foram muitos. Continuam a ser muitos, nem sempre superados da melhor forma.
Não estavam reunidas as condições práticas, nomeadamente ao nível dos edifícios e do sistema informático.
Algumas obras estavam feitas e as instalações ficaram adequadas às necessidades; outras estavam feitas e as instalações continuaram desadequadas das necessidades, pois, numa atitude incompreensível, muitas das obras foram feitas sem qualquer audição dos órgãos de gestão das futuras comarcas ou dos magistrados que exercem funções nesses tribunais. Foram feitas sem atender às reais necessidades que as motivavam. O resultado não podia ser bom.
Outras obras só agora começaram, quando isso poderia ter acontecido antes, em momento de férias judiciais. Obras que, em alguns casos, impedem completamente o funcionamento dos serviços e dos magistrados.
Por maior boa vontade que se tenha, as “instalações modulares” são efectivamente contentores sem a menor dignidade para acolher tribunais. Com gabinetes para magistrados que parecem celas, com o espaço das secretarias insuficiente para todos os processos, sem instalações sanitárias adequadas. E veremos se não irão permanecer durante vários anos. Num dos casos parece evidente.
Se o progresso (ou falta dele) das obras era visível a qualquer um, as adaptações ao sistema informático não. Essa era a grande incógnita do processo de implementação. Estaria o Citius preparado? A aplicação que, ao longo dos anos, sempre se mostrara lenta e instável, com bloqueios diários e indisponibilidades constantes, estaria preparada para migrar e tratar todos os processos dos tribunais comuns e do Ministério Público? Sempre nos foi dito que tudo estava preparado, que tudo estava testado, que no dia 1 de Setembro bastaria carregar num botão. É hoje evidente que não estava preparado, que não estava testado e que o botão a carregar era, afinal, o da implosão.
As primeiras semanas da reforma permitiram também confirmar o que temíamos: algumas opções legislativas profundamente erradas iriam gerar conflitos entre as magistraturas e o Ministério Público iria ser prejudicado. A LOSJ ignorou que o Ministério Público já tinha uma organização própria ao nível da comarca, com um órgão e um titular, e que, sendo o Ministério Público uma magistratura independente da magistratura judicial, deveria ser este o único titular dos poderes relativos ao orçamento, aos funcionários judiciais e aos equipamentos afectos ao Ministério Público. Onde há bom senso e respeito pelos princípios constitucionais, tem sido possível suprir a irrazoabilidade da lei; onde não há, os conflitos já surgiram e vão perdurar.
Como também temíamos, a reforma evidenciou a carência de magistrados do Ministério Público. São cerca de 100 e há que procurar com urgência suprir essa necessidade, através de um curso especial só para o Ministério Público.
É certo que a reforma, com seus méritos e deméritos, não se pode confundir com o seu processo de implementação. Porém, os problemas que este trouxe são tantos e tão sérios que o risco é de que a mesma se perca nesta confusão. Há que terminá-la.
Não é tempo de arrogância, mas de humildade; não de dramas, mas de trabalho; não de demissões, mas de assumir responsabilidades.
Assumir responsabilidades é assumir o erro e os problemas existentes. É resolvê-los de forma competente.
Assumir responsabilidades é falar verdade. Toda a verdade. Sem demagogias. Sem esconder o que se passa, sem comunicados equívocos. Sem promessas que não se cumprem.
Exige-se transparência. Total transparência. O que está em causa são dados do sistema judicial que, nos termos da lei (Lei n.o 34/2009, de 14.VII), deveriam ser geridos pelo Conselho Superior da Magistratura, pelo Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais, pela Procuradoria-Geral da República e pelo Conselho de Acompanhamento dos Julgados de Paz, consoante o tipo de processos. Há mais de dois anos que terminou o prazo previsto nessa lei para as adaptações necessárias ao cumprimento dos requisitos técnicos aí previstos. Não obstante, continuam a ser geridos pelo Governo. Mal geridos, como se vê.
Exige-se segurança e certeza. Previsões realistas para a reposição plena das condições de trabalho. Trabalho que magistrados, advogados e funcionários judiciais querem fazer bem.
Concordando ou não com esta reforma, em maior ou menor medida, os magistrados do Ministério Público nunca lhe negaram empenho e colaboração, conscientes de que poderia ser uma oportunidade para estruturar, fortalecer e modernizar um Ministério Público democrático, independente e defensor da legalidade democrática e do interesse público.
O seu espírito e vontade não mudaram.
16.09.2014
A Direcção do SMMP