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JURISPRUDÊNCIA FISCAL EM DEBATE NA CATÓLICA

JURISPRUDÊNCIA FISCAL EM DEBATE NA CATÓLICA

A Faculdade de Direito da Universidade Católica organiza amanhã as suas Jornadas de Jurisprudência Fiscal 2020, iniciativa cuja coordenação está a cargo de Sérgio Vasques, professor (laqueia escola de Dire…

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PBBR DEU APOIO A AÇAO JUDICIAL DE MAGISTRADOS

PBBR DEU APOIO A AÇAO JUDICIAL DE MAGISTRADOS

A sociedade de advogados pbbr assessorou juridicamente o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP), na impugnação judicial ao último movimento de magistrados realizado pelo Conselho Superior…

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PBBR DEU APOIO A AÇAO JUDICIAL DE MAGISTRADOS

PBBR DEU APOIO A AÇAO JUDICIAL DE MAGISTRADOS

A sociedade de advogados pbbr assessorou juridicamente o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP), na impugnação judicial ao último movimento de magistrados realizado pelo Conselho Superior…

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Anatomia de um “leak”

Anatomia de um "leak"

Rui Pinto sabia há muito que o escândalo ia rebentar.

Só não sabia quando nem que ia chamar-se Luanda Leaks

PLÁCIDO JÚNIOR E PEDRO RAÍNHO

Enquanto esperava que a bomba rebentasse, Rui Pinto passava os dias na…

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Os bons dos senadores e os outros

EDITORIAL

Os nomes já conhecidos no Luanda Leaks nunca teriam a importância que acabaram por ter se a sua ação não fosse precedida pela influência política de muitos "senadores" portugueses que permanecem na sombra

Eduardo Dâmaso

Os …

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O ataque de Angola aos bancos portugueses

O ataque de Angola aos bancos portugueses

“Sr. Eng° Manuel Vicente, permita-me que lhe tome dois minutos para lhe transmitir nos seguintes quatro parágrafos alguns aspetos que muito gostaria fossem do seu conhecimento, num momento da maior relevância na minha vida profissional e pessoal, e para o qual, tenho bem presente, a confiança e intervenção do Sr. Engº foi absolutamente determinante.”

No início deste email de 1 de março de 2012, Miguel Maya, que dois dias antes tomara posse como vice-presidente do BCP, destacava o “privilégio” que tivera em “poder privar com o Sr. Engs e beneficiar dos seus ensinamentos ao longo dos últimos quatro anos”, tanto no Conselho Geral, como na supervisão do banco. Entre os agradecimentos, Maya revelou-se “devedor da confiança e respeito” que nele “depositaram”.

A missiva do homem que hoje é presidente executivo do maior banco privado em Portugal ilustra o grau de influência e respeito que Manuel Vicente comanda não só no BCP, mas na generalidade da banca no País. Vicente, presidente da poderosa petrolífera estatal Sonangol, é a figura mais influente na tomada de poder do capital angolano na banca em Portugal, numa lista a que se soma Isabel dos Santos, filha do ex-Presidente de Angola agora sob cerco judicial e mediático, e um cortejo de gestores, políticos e generais angolanos. À primeira entrada em força em Portugal – da Sonangol como acionista do BCP em 2007 – seguiram-se várias aquisições de partes de bancos relevantes e pedidos de autorização para a criação de bancos angolanos de raiz em Portugal. No seu auge, o capital angolano chegou a ter influência, direta ou indireta, sobre o equivalente a quase um terço dos ativos sob gestão na banca em Portugal.

O casamento permitiu estabilizar a banca durante a crise e, em casos como o BPI, partilhar milhões em lucros. Mas abriu a porta à utilização do sistema financeiro português para esquemas de branqueamento de capitais e de desvio de fundos por figuras influentes do regime dominado pelo MPLA em Angola, sobretudo nos bancos mais pequenos, como o EuroBic, o Atlântico e o BNI.

Esta é a história do domínio conquistado por Angola – já foi maior, mas ainda está bem vivo.

O BCP

O banco onde Manuel Vicente foi Deus

Quando leu o email de Miguel Maya, Manuel Vicente, o homem que dirigira a Sonangol entre 1999 e 2012 não era apenas mais um gestor angolano e ainda não tinha sido acusado de corromper o procurador português Orlando Figueira, que o investigara num negócio imobiliário no Estoril. Vicente cujopoder real e a reputação como gestor eram ampliados pelo difícil acesso à sua pessoa – tinha há muito fortes ligações às elites políticas e financeiras portuguesas. Representava os interesses da Sonangol no maior banco privado português e no conselho de administração da Galp Energia. Em Angola, pertencia ao bureau político do MPLA, o partido do poder, integrara a Fundação José Eduardo dos Santos, presidira à Unitel – a operadora de telecomunicações controlada por Isabel dos Santos e pelo general Leopoldino do Nascimento – e fora vice-presidente do Banco Angolano de Investimento (BAI).

No início de 2012, quando Vicente assumiu o cargo de vice-presidente do governo de José Eduardo dos Santos e era visto publicamente como o putativo sucessor do histórico líder angolano, Miguel Maya tinha 47 anos, e era há muito um homem de confiança dos interesses angolanos no BCP. Acabara de ser escolhido para ne 2 do banco agora liderado por Nuno Amado (ex-presidente do Santander Totta). Tivera um percurso sempre em ascensão até ser escolhido em 2009 para vogal da administração presidida por Carlos Santos Ferreira, de quem foi chefe de gabinete. Substituiu Armando Vara, quando este foi constituído arguido no processo Face Oculta.

Três anos depois, os poderosos sócios angolanos do banco fizeram- -no subir mais alto – além de ser um gestor competente, era alguém que já conheciam, da sua confiança.

Em 2011, fora Maya a tratar de vários encontros de negócios em Angola, como aquele que aconteceu entre 15 e 20 de novembro, em Luanda. O programa da viagem, a que a SÁBADO acedeu, faz referência a reuniões na sede do Banco Privado Atlântico (BPA) liderado pelo banqueiro Carlos José da Silva e encontros com o general Kundi Paihama no Ministério dos Antigos Combatentes (ex-ministro da Defesa, entre 1999/2010, e ao mesmo tempo sócio do Banco Angolano de Negócios e Comércio, hoje falido) e o influente Manuel Nunes Júnior, na sede do MPLA (Nunes Júnior é desde 2017 ministro do atual executivo de João Lourenço).

Quando estava a preparar esta viagem de negócios a Angola, Miguel Maya informou Santos Ferreira que ainda aguardava a confirmação de encontros com outras figuras poderosas como o general Manuel Vieira Dias “Kopelipa”, o advogado Carlos Feijó (um dos mais importantes conselheiros de Eduardo dos Santos), o general Dino Matrosse e Baptista Sumbe, o antigo presidente da Sonangol USA que pedira empréstimos (alegadameme nunca pagos) à empresa estatal para comprar uma moradia de luxo em Houston. Santos Ferreira lembrou- -lhe que tinham de pressionar ao máximo para conseguirem também reuniões com o Presidente angolano e com Manuel Vicente.

Pouco mais de um ano depois da viagem foi a Vicente que Maya agradeceu por escrito o apoio pessoal. Mas também o fez – no mesmo email – a outro angolano: Carlos José da Silva, que viria a assumir ainda em 2012 a vice-presidência do Conselho de Administração do BCP. Este gestor conseguira a fusão em Luanda do BCP com o BPA (Millennium Atlântico), lançara em Portugal o BPA Europa e o grupo Inter- Oceânico (seria nesse ano o 4º maior acionista do BCP com 2,60%), fazia a ponte com o Millennium em negócios bancários cruzados como o investimento de 250 milhões de dólares na Baía de Luanda. Dava-se bem com o poder político português – e tratava Armando Vara por tu ao telefone.

Tudo começou em Luanda

Nessa altura de crise em Portugal, o BCP somava avultados prejuízos, estava descapitalizado e esperava o apoio financeiro do Estado português. Mas na nova administração notava-se cada vez mais o peso da Sonangol e de Angola: ainda em 2012 a posição acionista da petrolífera subiria de 11,03% para 19,45%, com os seus representantes a entrarem na comissão executiva, no conselho de administração e noutros órgãos do banco. Dos gestores, três tinham também relações muito estreitas com o BPA (Iglésias Soares, Maria da Conceição Lucas e o próprio Miguel Maya) liderado por Carlos da Silva, considerado à época pela imprensa como o “arquiteto da mudança”. Tal como Vicente, era uma referência para Maya.

“A sua pesada agenda, decorrente das elevadas responsabilidades que assume, nunca constituíram impedimento para nos receber e aconselhar. Enfatizei o ‘nos’ porque só a sua elevação, a par da confiança do Sr. Dr. Carlos Silva, permitiu que eu também beneficiasse do acesso ao Sr. Eng3 Manuel Vicente”, salientou Maya no já citado email de 2012, passando de seguida a lembrar que tudo tinha começado quando fora pela primeira vez a Luanda, no início de 2008, para negociar a entrada da Sonangol e do Banco Privado Atlântico no capital do então Banco Millennium Angola. O gestor lembrou que as reuniões tinham sido “complexas e árduas”, mas que as melhores soluções acabaram por ser encontradas porque tinha tido como “interlocutores pessoas de inteligência superior e estruturalmente sérias” como Carlos José Silva.

O património de Carlos Silva já estava a ser investigado pelo Ministério Público português, juntamente com a denúncia de que o BPA estava envolvido no branqueamento de capitais de angolanos – o processo-crime foi arquivado em 2014, mas depois o Banco de Portugal encontrou importantes falhas no banco ao nível dos controlos internos sobre a lavagem de dinheiro de figuras angolanas com o general Leopoldino dos Santos e familiares de Vicente. Na missiva de Miguel Maya, Carlos da Silva chegou a ser classificado como a “mais exigente e determinada pessoa” com que Maya disse já se ter relacionado profissionalmente. No fim, o gestor português do BCP voltou a dirigir-se diretamente a Manuel Vicente:”(…) com Angola, com os angolanos com que tive a oportunidade de colaborar, muito me foi dado a conhecer, muito me foi ensinado, muito, mas muito mais do que fui capaz de aprender”.

Sonangol entra no BCP pela porta do cavalo

Apesar das palavras de Miguel Maya, a relação histórica dos portugueses no BCP com o poder angolano nem sempre foi pacífica.

Seria aliás a entrada da Sonangol no capital do banco a provocar a rutura entre a administração liderada por Paulo Teixeira Pinto em 2007. Filipe Pinhal, na altura administrador do BCP, ainda hoje sabe de cor o dia e a hora em que percebeu que o banco de que era vice- -presidente tinha um novo acionista. A 1 de junho de 2007, por volta das 5h da tarde, com quase toda a administração do banco fechada no hotel Cascais Miragem em reuniões com investidores, viu a notícia no seu Blackberry: um comunicado oficial da Comissão de Mercados de Valores Mobiliários (CMVM) anunciava que a Sonangol tinha acabado de comprar uma participação de 2% no BCP.

Ninguém tinha sido oficialmente informado. “A Bolsa fecha às 16h30 e por volta das 17h vejo a notícia. Começámos a telefonar uns para os outros e todos os administradores manifestavam surpresa”, conta à SÁBA- DO. Nenhum dos cinco gestores mais próximos do histórico líder do BCP, Jardim Gonçalves, fora avisado do movimento da petrolífera angolana. Do lado do então presidente, Paulo Teixeira Pinto, alegava-se o mesmo: até António Castro Henriques, que tinha o pelouro internacional desconheceria a compra. Diretamente envolvido nas negociações, Castro Henriques saíra mais cedo do investors day do banco, para uma pequena intervenção cirúrgica – só terá sabido depois de acordar.

Na segunda-feira seguinte, durante a reunião de conselho de administração, Filipe Pinhal fez uma pergunta: quis saber se a compra daquela participação tinha sido combinada. “Paulo Teixeira Pinto disse que ninguém falou com ele e eu respondi: ‘Então temos de considerar esta compra como um ato hostil.’ E sendo um ato hostil todas as negociações com a Sonangol, que já duravam há mais de um ano, deviam parar”, defendeu o administrador. Do lado de Paulo Teixeira Pinto, duas fontes que não quiseram ser identificadas dizem à SÁ- BADO não saber se o então presidente do banco foi ou não avisado da entrada da Sonangol. Mas, acrescentam, mesmo que não tenha sido, nunca a considerou hostil.

Nas semanas anteriores tinha havido vários contactos e trocas de textos sobre o acordo estratégico entre BCP e Sonangol. “Houve meia dúzia de rascunhos de memorandos de entendimento, mas não se chegou a nenhum documento final”, conta outra fonte. Numa coisa todos concordam: quando a Sonangol entra no BCP, não havia ainda nenhum acordo escrito sobre as condições que definiram o seu papel no banco.

E havia três problemas a resolver.

Primeiro, a Sonangol queria ter uma posição superior a 10%, o que não era bem visto num banco que tinha apenas pequenos acionistas – Jardim Gonçalves nunca quisera estar dependente de um único acionista.

Por outro lado, o BCP procurava exclusividade e a Sonangol já era acionista de outros bancos em Angola.

Por fim, era preciso definir qual seria o papel do novo acionista nos órgãos sociais do banco. “Essas dificuldades nunca foram ultrapassadas e a Sonangol tomou a primeira posição em mercado sem acordo prévio com o BCP,” disse uma fonte próxima de Teixeira Pinto.

A 22 de junho, por volta das 18h30, todos os administradores receberam um SMS de Miguel Namorado Rosa, então chefe de gabinete de Paulo Teixeira Pinto “Conforme conversado, junta-se o documento”, descreve Filipe Pinhal, que não conseguiu abrir o anexo no telemóvel. “É o Alexandre Bastos Gomes [também administrador] quem, às l0h da noite, me informa que o anexo é o draft do acordo a celebrar com a Sonangol, que previa a venda de 49,9% do Millennium Angola à Sonangol e, surpreendentemente, a uma entidade nunca antes mencionada, o BPA de Carlos José da Silva. Estava previsto que o acordo fosse assinado na terça-feira seguinte por Paulo Teixeira Pinto, Castro Henriques e Francisco Lacerda. Era um ato ilegal, porque não tinha tido a aprovação prévia do Conselho Geral e de Supervisão, como determinavam a lei e os estatutos do banco”, defende Pinhal.

Por isso, no dia seguinte, um sábado, os cinco administradores que consideravam terem sido mantidos à margem das últimas negociações, encontram-se na sede do banco, na Rua Augusta – Jardim Gonçalves e o advogado Miguel Galvão Teles são mantidos a par de tudo, por telefone. A reação foi preparada durante todo o sábado e, já no domingo, enviam um email a Teixeira Pinto. “No email dizíamos que cinco membros do conselho de administração tinham reunido e intimavam o presidente executivo a não ir a Angola no dia seguinte e a abster- -se de assinar qualquer acordo sem prévia aprovação do conselho superior. Se não interviéssemos éramos corresponsáveis por um ato ilegal.” As relações entre a administração entram definitivamente em rutura. Na segunda-feira seguinte, dia 24, o acionista Luís Champalimaud exigiu a demissão – por insubordinação – desses cinco administradores. “Não havia reuniões entre administradores, havia reuniões de conselho. Foi uma deslealdade”, diz uma fonte próxima de Teixeira Pinto, que acabou mesmo por não ir a Angola. “Em vez dele deslocou-se a Angola o administrador António Castro Henriques, invocando poder beneficiar de uma boleia do acionista Hipólito Pires, dono do avião habitualmente usado pelo BCP, para explicar ao Presidente da República e à Sonangol as razões de Paulo Teixeira Pinto não estar ali.

Apresentaram a posição dos cinco administradores como hostilidade à República de Angola”, diz Pinhal.

É por isso que, já em setembro de 2007, quando Filipe Pinhal assume a presidência do BCP, Jardim Gonçalves o convida para um jantar na sua casa, em Sintra. À mesa sentam-se também Alípio Dias, Manuel Vicente e Carlos da Silva. “Nesse jantar explicámos que não havia nenhuma hostilidade em relação a Angola. E Manuel Vicente e Carlos da Silva disseram que tinham reunido com Vítor Constâncio no Banco de Portugal, às 17h, e com Paulo Teixeira Pinto às 18h, na sede do BCP, para oficializarem o comunicado ao mercado.” O acordo que oficializou a venda de 49,9% do Millennium Angola seria assinado em dezembro, já por Pinhal.

A Sonangol não terá sido o primeiro parceiro previsto por Angola para o BCP. “Começaram a avançar com a Endiama [empresa que explora os diamantes em Angola], mas as autoridades angolanas invocaram a falta de capital da empresa e fizeram saber que seria a Sonangol. Ficámos satisfeitos com a troca, mas já havia reservas de vários membros do Conselho quanto à velocidade com que se processava a expansão dos negócios de Angola em Portugal”, explica Filipe Pinhal.

Se a compra de 5% a 10% do capital do BCP prevista já era uma percentagem incómoda para alguns administradores, o que se passou depois seria ainda mais: em 2008, a Sonangol tornou-se o maior acionista do BCP e, em 2013, quando chegaram aos 19,44%, foi também o ano em que, pela primeira vez, os investimentos angolanos em Portugal (130,7 milhões de euros no primeiro semestre) ultrapassaram os investimentos portugueses em Angola (118,5 milhões).

O reforço da Sonangol veio com dinheiro de que o banco precisava para fazer os aumentos de capital que foram consequência da destruição de valor durante a crise. No primeiro aumento de capital a Sonangol investiu 450 milhões de euros e no segundo, em 2017, perto de 200 milhões. Quando assumiu funções em 2018, Miguel Maya respondeu ao pedido da Sonangol para que fossem distribuídos dividendos no ano seguinte, em 2019, algo que não acontecia desde 2010.

“Estamos cá também para, beneficiando de todo o trabalho que já foi feito, conseguir entregar mais”, disse citado pelo Jornal de Negócios.

O BPI

Lucros de milhões de Isabel dos Santos

Também na história do BPI com Angola Manuel Vicente volta a surgir, mas não é ele o principal protagonista do lado angolano: é Isabel dos Santos. É com a Unitel – empresa de telecomunicações que controla com o general Leopoldino do Nascimento – que o BPI tem ainda uma parceria lucrativa no BFA em Angola, que, só entre 2008 e 2019, pagou 1,76 mil milhões de dólares em dividendos (mais do que o que foi pago por todos os bancos portugueses). Em Portugal, Isabel dos Santos conseguiu entrar no capital do BPI em 2007, de onde saiu num divórcio tenso, embora lucrativo, 10 anos depois.

Toda a história começa com um acaso. Ao comprar o Banco de Fomento e Exterior (BFE) em 1996, o BPI ficou com as sucursais do BFE em Angola e Moçambique – a pequena operação angolana tinha cerca de três balcões e era dirigida por Fernando Teles, hoje detentor de 40% do EuroBic, o banco envolvido no Luanda Leaks. A guerra civil arrastava-se e o BPI decide em 1999 transformar a sucursal, cuja atividade estava a crescer, num banco de direito angolano – separava o risco de Angola do negócio em Portugal e abria uma porta para a entrada de novos sócios. A licença do Banco Nacional de Angola demorou mais de três anos a ser concedida, algo não raro num mercado em que obter uma licença depende de alguém que abra uma porta lateral. O BPI só conseguiu quando o BAI angolano também quis abrir uma sucursal em Portugal e o Banco de Portugal – liderado por Vítor Constâncio, que vinha da administração do BPI – falou em reciprocidade. O Banco de Fomento Angola, o BFA, nasceu em 2003.

Desde cedo o BFA começou a dar bons resultados – foi a consultora McKinsey que deu apoio à estratégia inicial que focou o banco nos clientes particulares – e desde cedo a administração começou a receber contactos, sobretudo oficiosos, para abrir o capital. Fernando Teles, que ficara como diretor-geral do BFA, era dos que mais pressionava o assunto. Às vezes as propostas vinham de políticos, como um dirigente do comité central do MPLA que um dia comunicou à administração do BFA que o partido tinha decidido ficar com 20% do capital. “Houve muita pressão: as autoridades angolanas fizeram saber que a entrada de capital angolano tinha de acontecer, enviaram propostas, sugestões de nomes”, conta uma fonte portuguesa que acompanhou o processo.

A Sonangol liderada por Manuel Vicente chegou a fechar as contas que tinha no BFA – estas não eram grandes, mas a influência da petrolífera nas empresas angolanas e o afastamento foi um sinal. “A ideia era mostrar que se o BPI não abrisse o capital, eles podiam criar problemas sérios”, diz a mesma fonte.

Perante investidas mais agressivas para ficar com parte do capital, os responsáveis pelo BPI respondiam que Luanda teria de nacionalizar todo o banco – ou então iam comprando tempo ao dizer que só com o arranque da Bolsa angolana, que estava atrasada, faria sentido abrir a porta a novos investidores.

A ordem de Luanda: deixem-nos entrar

Antes da pressão final, e definitiva, de Angola apareceu o maior desafio. À administração do BPI foi chegando por via informal o rumor informado de que Fernando Teles andava a falar com Isabel dos Santos e com o empresário Américo Amorim sobre a abertura de um banco rival. Em abril de 2005, Fernando Teles anunciou a saída do BFA, um processo que se revelou hostil. Teles levou consigo cerca de 90 dos 400 funcionários do BFA – 60 saíram em poucos dias, incluindo a quase totalidade da equipa de informática. O BPI enviou equipas de emergência de Portugal para Angola e vários administradores, incluindo Fernando Ulrich e António Domingues, foram para Luanda assegurar a transição.

O BFA aguentou o choque e, em 2006, o Presidente angolano pôs fim à questão da abertura do capital do banco a interesses angolanos.

Manuel Vicente, presidente da Sonangol, comunicou numa reunião informal com António Domingues que o regime ia ordenar a venda de capital do banco, que o comprador era a Sonangol e que faltava só acertar como se faria a operação.

Agora era mesmo para fazer.

O BPI até não desgostou do investidor – a maior e mais dotada empresa angolana – mas a parte do “como” revelou-se mais difícil. O BPI não cedia o controlo maioritário do banco e não aceitou a proposta inicial de aquisição: os enviados da Sonangol a Portugal propuseram pagar apenas metade do valor do capital social, ignorando o valor de mercado muito superior, o que deixou vários gestores portugueses na sala “de queixo caído”, segundo um gestor que esteve presente.

Até que em junho de 2007 a Sonangol agarra a oportunidade de entrar no capital do rival do BPI, o BCP. 0 interesse do BPI em aliar-se ao mesmo acionista de um rival esmorece, mas Luanda não perde tempo e envia nova mensagem: o comprador da sua parte no BFA já não ia ser a Sonangol, mas a empresa de telecomunicações Unitel, controlada por Isabel dos Santos, filha do Presidente. Do ponto de vista dos administradores e dos acionistas do BPI – os catalães do CaixaBank e os brasileiros do Itaú, etc. -, a Unitel era uma empresa que gerava milhões em dividendos, que tinha a PT como acionista e que já era cliente do BFA. Houve negociação, desta vez foi a sério dolado da Unitel apareceu Mário Leite da Silva, o homem da confiança de Isabel dos Santos, a liderar as conversas, com o apoio do banco Morgan Stanley; o BPI levou o Goldman Sachs.

Em dezembro de 2007, a Unitel comprou 48,9% do BFA, levou Isabel dos Santos para a vice-presidência e ainda dois administradores não executivos, um deles Mário Silva (que, pressionado pelo BPI, deixou o cargo dias depois das revelações do Luanda Leaks). O BPI continuou a controlar a gestão do BFA, que foi gerando milhões em lucros, em boa parte com aplicações em dívida angolana.

Isabel entra no BPI com crédito do BCP

Um ano depois foi Isabel dos Santos a entrar no capital do BPI.

O BCP decidira vender os 10% que ainda tinha no banco à investidora angolana. Para o BPI, dizer “não” a Isabel dos Santos significava repensar toda a lucrativa operação em Angola, em que eram sócios.

O BPI aceitou e, tal como noutras aquisições, Isabel dos Santos recorreu sobretudo ao crédito: em 2008 comprou a parte do BPI financiada em boa parte com crédito do próprio BCP, liderado por Carlos Santos Ferreira. Mário Leite da Silva entra para administrador não executivo do BPI.

Tal como a Sonangol no BCP, a Santoro de Isabel dos Santos foi reforçando a sua posição acionista, sobretudo em 2012 quando ficou com parte da participação que o CaixaBank tinha comprado aos brasileiros do Itaú – nessa altura de crise em Portugal ficou com cerca de 19% do BPI. Mas em 2014 e 2015, dois acontecimentos, que uma vez mais cruzam o negócio angolano e português do BPI, mudaram tudo.

Primeiro, a Comissão Europeia excluiu Angola de uma lista de países não europeus com regulação bancária equivalente à europeia, um reconhecimento do risco evidente daquele país, presença fixa nos últimos lugares dos rankings sobre corrupção. O BPI, que tinha mais de 50% do capital do banco e retirava cerca de 60% dos seus lucros de Angola, teria de deixar de controlar a maioria do capital do banco (para deixar de consolidar a operação angolana nas suas contas a 100%) ou, em alternativa, fazer um incomportável aumento de capital no BFA para diluir o peso dos ativos dependentes do Estado angolano (como os títulos de dívida que muitos lucros tinham gerado).

A administração do BPI, liderada por Fernando Ulrich, contestou a decisão até à última instância do BCE, mas sem sucesso. A administração do banco sentiu então que do lado do maior acionista, o catalão CaixaBank, o afeto pela operação angolana era pequeno devido ao risco reputacional. A OPA lançada pelo CaixaBank sobre a maioria do capital do BPI foi o segundo acontecimento que, meses depois da decisão de Bruxelas, originou uma batalha negociai com Isabel dos Santos.

Esta tinha do seu lado dois trunfos: a blindagem dos estatutos do BPI, que lhe permitia bloquear a OPA; e a pressão a que o BPI estava sujeito para resolver o problema da sobreposição a Angola. A Santoro matou a primeira OPA do Caixa- Bank e chegou a propor como alternativa uma fusão do BPI com o BCP, que teria criado o maior banco privado em Portugal, detido em 20% por capital angolano (Santoro e Sonangol). O BCP mostrou-se aberto a estudar o assunto, mas o BPI não respondeu e a proposta acabou por cair.

Isabel dos Santos sabia que ia sair: a questão era conseguir um preço de venda mais alto em Portugal e o domínio do BFA em Angola. O impasse sobre o futuro do BPI em Portugal e em Angola arrastou-se para 2016, com o CaixaBank a lançar nova OPA e o BCE a prolongar o prazo para a resolução do problema BFA em Angola. O Governo português, receoso das consequências do impasse e desejoso de estabilizar o problemático setor da banca, entrou na arena. António Costa fez a ponte entre o CaixaBank e a Santoro. Costa recebeu Isabel dos Santos em São Bento e, segundo o Expresso, acenou com uma cenoura: a bênção à entrada da angolana no BCP. Mas mostrou também um pau: a lei para forçar a desblindagem dos estatutos do BPI.

O acordo no BPI acabou por acontecer em cima do prazo dado pelo BCE: o BPI cedeu 2% do BFA à Unitel, que passou a controlar a maioria do capital do banco. Em Portugal, a Santoro aceitou desbloquear os estatutos e vendeu a participação no BPI ao CaixaBank com uma mais-valia de 80 milhões.

Nesse ano, Isabel dos Santos entrou no BCP por outra via: a nomeação direta pelo pai para a liderança da Sonangol, o então maior acionista do banco. Parecia uma vitória total, só que não iria durar – o poder angolano mudou de mãos, afastando- -a da Sonangol.

EuroBic, BPA Europa, BNI e BiG

Os albergues dos angolanos poderosos

O capital angolano não entrou apenas em grandes bancos privados – também criou pequenos bancos em Portugal, tributários de bancos angolanos. Em pelo menos três deles – EuroBic, BPA e BNI – os técnicos do Banco de Portugal encontraram um cenário de descontrolo grave e voluntário em matéria de branqueamento de capitais e até

financiamento de terrorismo.

O caso mais mediático hoje, por más razões, é o EuroBic, que nasceu de uma aliança em Angola entre o empresário Américo Amorim e Isabel dos Santos. Essa aliança não fora pensada de raiz. “A Isabel dos Santos já tinha uma licença para fazer um banco em Angola e o Américo Amorim tinha outra.

Quando deram por isso, ambos queriam o Fernando Teles [o luso- -angolano estava no BFA, controlado em Angola pelo BPI] para presidente. É assim que se juntam os três. Só depois de fazerem o BIC Angola [em 2005] decidiram vir, também juntos, para Portugal”, diz uma fonte próxima do banco.

O BIC, como se chamou inicialmente, foi a primeira instituição de capitais maioritariamente angolanos em Portugal. Começou a ser preparada em 2007, a partir dos escritórios de Américo Amorim em Lisboa, junto ao Parque das Nações, por uma equipa de 30 pessoas.

Abriria oficialmente no ano seguinte. Foi Amorim que convidou pessoalmente o antigo ministro Mira Amaral, num almoço no restaurante lisboeta Gambrinus, para a liderança do banco em Portugal.

O BIC arranca em 2008, mas é em 2012. com a compra da rede de retalho do nacionalizado BPN. que dá o grande salto. “Quando foi comprado o BPN, o BIC quase duplicou a sua dimensão”, diz a mesma fonte. “Na área empresarial havia muitas empresas portuguesas, mas manteve-se o que acontecia no private banking do BIC, onde a maioria dos clientes eram angolanos.” A gestão de fortunas continuou centrada num alvo: Angola. O private é a área que gere as aplicações financeiras dos maiores clientes, que neste caso eram maioritariamente angolanos – era onde trabalhava desde 2009 o gestor Nuno Ribeiro da Cunha, que apareceu recentemente morto em casa (a polícia falou em suicídio).

Isabel dos Santos nunca teve gabinete no banco. “Ia aos conselhos de Administração [três a quatro por ano], mas mesmo assim não esteve em todos, e ia às assembleias-gerais anuais. Tinha um comportamento absolutamente normal, não era quero, posso e mando”, explica a mesma fonte.

Fernando Teles sempre foi o seu braço armado no banco, juntamente com outros administradores, como Jaime Pereira. Isso percebeu- -se bem quando, no processo Monte Branco, Fernando Teles foi colocado sob escuta telefónica a 7 de fevereiro de 2012. Poucos dias depois, o inspetor tributário Paulo Silva escreveu um relatório em que se congratulou com a iniciativa da interceção telefónica porque o BIC estava a finalizar a compra do BPN e também queria incluir no negócio a compra do BPN IFI, de Cabo Verde, onde Francisco Canas (o principal alvo do Ministério Público) tinha aberto uma conta em 2006 que usava num megaesquema da fraude fiscal.

O bom negócio BPN

Durante as escutas telefónicas a Fernando Teles, que se prolongaram até 29 de maio de 2012 – o banqueiro chegou a ser alvo de cinco interceções telefónicas em simultâneo -, os investigadores ouviram muitas conversas de Teles sobre negócios com o sócio Américo Amorim, bem como com o banqueiro que estava à frente do BES Angola, Álvaro Sobrinho, Isabel dos Santos (ela e familiares já usavam o banco para movimentações de milhões, como fez depois com o dinheiro da Sonangol no caso denunciado pelo Luanda Leaks) e a família Belmiro de Azevedo (por causa do negócio de Isabel com a Sonae, que deu origem à NOS).

Mas também acompanharam os bastidores finais das negociações do BIC com o governo PSD-CDS para a compra o BPN. As duas tentativas de venda do banco ainda durante o governo de José Sócrates não tinham gerado interesse do mercado e o problema transitou para a era de Passos Coelho e da troika – que deu um prazo para a venda do banco, sob ameaça de liquidação. As negociações com o BIC chegaram a romper, o que levou o primeiro-ministro a fazer um telefonema para o governo de Angola para tentar desbloquear o impasse, noticiou mais tarde o Jornal de Negócios.

Uma das conversas registadas no caso Monte Branco aconteceu a 30 de março de 2012, quando Maria Luís Albuquerque, então secretária de Estado do Tesouro, e Fernando Teles chegaram de vez a acordo e o banco BIC comprou o BPN, no qual o Estado já tinha injetado mais de 2 mil milhões de euros desde novembro de 2008 (até hoje o BPN custou cerca de 5 mil milhões). Mas dois dias antes do acerto final ainda se discutia com o governo, conforme revelam as escutas, o montante a pagar, com o BIC a insistir em apenas 30 milhões de euros deixando Maria Luís Albuquerque furiosa a ponto de enviar um email à meia- -noite a queixar-se a Jaime Pereira.

Pereira estava apostado em esticar a corda ao máximo com o governo, mas Teles disse-lhe que tinham de suavizar a resposta para não levar a um ponto de rutura, porque realmente estavam interessados no banco. Dias antes, a 8 de março de 2012, os investigadores já tinham gravado outra conversa entre os dois administradores que mostrava que ambos estavam convictos de que iriam fazer sempre um negócio excelente com o BPN. O “Dr. Teles diz que reconhece que dificilmente terão outra oportunidade para comprar por 40 [milhões de euros] uma coisa que tem 300 e tal [milhões de euros] de ativo”, resumiu num relatório a equipa da Autoridade Tributária, especificando que a administração do BIC mandara até fazer um documento (“uma coisa acessível”) para os seus dois principais acionistas, Isabel dos Santos e Américo Amorim, “perceberem o que está em causa”.

O BIC seguiu o seu curso e em setembro de 2014, Isabel dos Santos e Fernando Teles compraram as participações de Américo Amorim em Angola e em Portugal – 25% em cada um dos bancos dos respetivos países. O banco passou, assim, a ser controlado pelos dois angolanos, com mais de 80% do capital, uma concentração que desagradava ao Banco de Portugal, sobretudo depois do que descobriria no ano seguinte.

Em 2015 uma investigação judicial desmonta um esquema de lavagem de dinheiro oriundo de um gangue sérvio de tráfico de droga, que tem uma entidade de pagamentos e câmbios no centro, a Money One, e um banco em Portugal: o BIC. A descoberta leva o Banco de Portugal a entrar no BIC – por onde tinham passado milhões de euros da Money One – para uma inspeção aos mecanismos de controlo contra o branqueamento de capitais e o financiamento do terrorismo. O relatório dos técnicos do Banco de Portugal, citado pela SIC em dezembro do ano passado, revela um total laxismo voluntário no controlo, com colaboração ativa de pelo menos dois administradores. O supervisor identificou “vários casos de pessoas politicamente expostas”, cujas transferências requerem um escrutínio especial devido à natureza dos seus cargos, “que não eram consideradas como tendo essa qualidade perante a instituição”, que “não acionou os mecanismos de diligência reforçada”. Caem nesta categoria a acionista Isabel dos Santos, o marido, Sindika Dokolo, e a mãe, Tatiana Cergueevna Reagan, assim como dirigentes políticos do MPLA, como António Pitra Costa Neto.

Parte destes fluxos financeiros corria sem controlo entre as contas do BIC em Angola e em Portugal – foi assim que Fernando Teles, acionista do banco e hoje também seu administrador, depositou cerca de 27 milhões de dólares em meio ano. O Banco de Portugal emite uma série de contraordenações ao banco e afirma que passa a segui-lo mais de perto.

No ano seguinte, quando Jaime Pereira foi escolhido internamente para exercer a presidência executiva do banco, o supervisor chumba o nome por causa da inspeção de 2015. Para o seu lugar vai Teixeira dos Santos, que hoje gere o dossiê da venda da participação de Isabel dos Santos – uma venda que foi decidida pelo conselho de administração do rebatizado EuroBic à revelia da angolana, que mais tarde não se opôs.

Regabofe total no branqueamento

A questão das movimentações milionárias de dinheiro com pouco ou nenhum controlo efetivo revelou ser um problema grande nos bancos mais pequenos – BNI e Banco Atlântico são outros dois exemplos, como mostram os relatórios das inspeções feitas pelo supervisor em 2016, a que a SÁBADO teve acesso.

No BNI, banco que arrancara em 2014 e não tinha rede de balcões, os técnicos do Banco de Portugal falam em “falta de cultura institucional de prevenção” do branqueamento, falta gritante de recursos do departamento responsável por cumprir estas obrigações (a compliance), falta de acesso de fiscalização às contas dos administradores e dos seus familiares e cobertura de prejuízos com contribuições espontâneas, por vezes em dinheiro (defendidas junto do Banco de Portugal, numa comunicação prévia, quer pelo auditor KPMG, quer pela sociedade de advogados Morais Leitão). A inspeção ao Banco Atlântico Eu

ropa também ofereceu um quadro de terror no controlo do branqueamento de capitais. Um dos casos identificados de clientes foi o do general Dino e da mulher, Amélia.

Outro foi o de uma empresa de Edmilson Martins, enteado de Manuel Vicente. Segundo o relatório da inspeção, o descontrolo no BPAE era tão grande – BdP sugere que podia ser propositado por parte da administração – que era a própria administradora com o pelouro dos clientes ricos, Graça Proença de Carvalho (filha do advogado Daniel Proença de Carvalho), que decidia, sem registo escrito, o que fazer com as suspeitas detetadas sobre esses clientes – também no Atlântico, a compliance não tinha meios suficientes ou sequer a fiscalização era feita por meios informáticos. Era tudo manual.

Nos casos do EuroBic, do BNI (que motivara várias queixas da eurodeputada Ana Gomes, incluindo por suspeita de financiamento de terrorismo) e do Atlântico, o supervisor aplicou multas e orientações, que, à SIC, diz terem sido cumpridas.

Mas tanto esta supervisão como as investigações do MP a vários alvos de Angola destaparam outra realidade preocupante: os angolanos que entraram no sistema bancário de Portugal tinham relações mútuas muito próximas, que geraram esquemas de dissimulação até de acionistas de bancos. No BNI controlado na quase totalidade por capital angolano, antes de ser atribuída a licença bancária o Banco de Portugal descobriu a ocultação de seis acionistas, entre os quais o construtor José Guilherme (os nomes foram retirados da lista de acionistas e a licença concedida em 2014).

Outro esquema foi o que os, à data, amigos Carlos José Silva e Manuel Vicente montaram logo em 2009, quando Silva ajudou Vicente a esconder que era um dos donos de uma participação de quase 5% no banco BiG (Kopelipa tinha outros 9,3%), comprada em 2008 (um banco português usado para comprar e depositar as ações da Sonangol no BCP). A rocambolesca operação financeira de Vicente acabou por ser descoberta quase três anos depois (em 2013, pelo procurador Rosário Teixeira, que também passaria a investigar Manuel Vicente na eventual participação em “nome pessoal” na compra da Escom pela Newbrook, um offshore de Álvaro Sobrinho usado para pagar a primeira e única prestação da compra abortada) e deu origem a um processo-crime que teve origem nos alertas da CMVM.

Na ficha de cliente na sucursal portuguesa do Banque Privée Edmond de Rothschild Europe (BPE- RE), que a 9 de dezembro de 2009 autorizou a um enteado de Vicente um financiamento de quase 8 milhões de euros, é referido que foi o presidente do BPA Europa que teve uma intervenção direta ao apresentar o gestor angolano ao BPERE. E depois que foi também ele a garantir que Edmilson Martins, o enteado, contaria com dois empréstimos do BPA que totalizaram cerca de 15,5 milhões de euros para ajudar a montar o esquema dos financiamentos cruzados que dissimularam a propriedade das ações do BiG. Nos contratos destes créditos com o enteado de Vicente, a que a SÁBADO acedeu, é claro que o BPA tinha um penhor financeiro do montante dos empréstimos em depósitos de Vicente no próprio banco. Anos depois. Vicente voltaria a usar uma empresa titulada pelo seu testa de ferro português, Armindo Pires, para controlar as ações, tal como fez com o apartamento de luxo do Estoril que o levou a ser acusado de corromper um procurador. Orlando Figueira, que o investigara por branqueamento de capitais.

O banco do dr. Silva

O Banco Privado Atlântico (BPA) Europa nasceu com a inevitável ajuda financeira da Sonangol e de Manuel Vicente. A empresa Infogest, que era detida pelo pai e pelos irmãos de Carlos )osé da Silva, foi usada para instalar o banco em Lisboa. No fim de 2009, a empresa aprovou em assembleia-geral que iria pedir um crédito de até 5 milhões de euros para comprar o edifício da Av. da Liberdale, onde está a atual sede do ¦ iPA Europa. Mas depois a Infogest acabou por passar para as mãos de outro angolano, o general Leopoldino do Nascimento, considerado um dos homens mais ricos de Angola. Em abril de 2012, já Leopoldino tinha aumentado a participação de 60% que tinha nesta empresa – passou a deter 99% da Infogest, que entretanto conseguiu vários empréstimos no banco dirigido por André Navarro, um gestor da máxima confiança de Carlos José da Silva.

Pelo menos até 2014. quando Navarro foi obrigado a renunciar à liderança do BPA Europa e, depois de uma baixa prolongada, entrou discretamente no BCP.

A ligação da Infogest ao general Leopoldino Nascimento surge em vários documentos que o MP juntou nos processos em que investigou pessoas, interesses e transferências de muitos milhões para e a partir de Portugal. Por exemplo, para a Infogest, Carlos |osé da Silva enviou uma transferência de 750 mil euros em setembro de 2011. A justificação? “Suprimentos”, uma espécie de empréstimo de um sócio à empresa. Meses antes, em maio desse ano, já tinham seguido também 1,175 milhões para a Ondjyla Capital, outra entidade alegadamente controlada pelo banqueiro e pelo general Dino (a empresa já tinha recebido 500 mil euros em novembro de 2010).

Nos anos anteriores, Leopoldino recebeu outras transferências de Carlos da Silva, também via BCP.

Dois anos antes, em abril de 2009, Silva remeteu 3 milhões de euros para a conta de Leopoldino e, em dezembro desse ano, seguiram mais 500 mil euros de novo com a designação de “suprimentos”. Depois foram mais 90 mil em fevereiro de 2011, outros 1,050 milhões em julho desse ano e ainda 915 mil em março de 2012. Total do dinheiro para Leopoldino Nascimento: cerca de 5 milhões de euros. Saiu todo de uma conta de Carlos da Silva que, em julho de 2007, recebera cerca de 7,5 milhões de euros.

Os problemas graves encontrados na inspeção do Banco de Portugal – inclusive a não comunicação de operações de clientes às autoridades por suspeita de lavagem de dinheiro – foi um problema a somar a outros que Carlos Silva também teve quando as suas próprias contas bancárias estiveram sob forte escrutínio do MP por suspeita de crimes de branqueamento de capitais e fraude fiscal qualificada (nada foi provado). Numa conta do BCP, em janeiro de 2006, entrou um total de mais de 7 milhões de euros, constando 5 milhões numa ordem de pagamentos do estrangeiro com uma referência invulgar para um banqueiro “fornecimento de mercadorias”.

Nesse mês, contraiu mais um empréstimo no BCP, desta vez de 10 milhões de euros. No banco tinha, entre aplicações financeiras, carteiras de títulos e depósitos, cerca de 11,3 milhões de euros. Em 2008, a situação financeira estava praticamente na mesma. Em mais uma conta, em 2005, tinha quase 3 milhões de euros – e parte desse dinheiro estava em títulos da Apple e da Google. No ano seguinte, este valor total aumentou para 5 milhões, mas o montante baixou bastante nos anos seguintes com sucessivas transferências. Em abril de 2009, esta conta de Carlos da Silva recebeu uma transferência de cerca de 11,3 milhões de euros e o montante lá depositado atingiu mais de 12 milhões. O valor desceu ligeiramente nos anos seguintes até a conta ser praticamente esvaziada em 2010.

A vigilância do MP estendeu-se a uma empresa, a interOceânico, controlada pelos detentores do BPA Europa (banco escondeu-lhe uma conta corrente caucionada no valor de 21,5 milhões de euros), por Carlos da Silva e por outros sócios como o empresário israelita Haim Taib, com negócios em Portugal e que preside desde 2016 à Câmara de Comércio Israel-Angola. Segundo os dados bancários então recolhidos pelo MP, a conta bancária da InterOceânico, em agosto de 2010, valia cerca de 11,5 milhões de euros em depósitos à ordem. Um montante que acumulou, em outubro desse ano. com duas transferências de cerca de 655 mil euros. A origem: o advogado Daniel Proença de Carvalho, outro alegado sócio da InterOceânico.

Esta empresa, o pai e a ex-mulher de Carlos da Silva, também estiveram sob vigilância da CMVM que dirigiu ao BPA Europa, a 20 de dezembro de 2013, um pedido de dados sobre estes e outros clientes (luso-) angolanos do banco. Isso colocou o banco em polvorosa, tendo sido nomeada uma equipa de 12 pessoas para tratar daquele assunto no maior sigilo.

Meses antes também o MP pedira ao banco informações sobre as contas de outros poderosos angolanos: precisamente dos generais Leopoldino do Nascimento e Manuel Vieira Dias “Kopelipa”. Na prática, a justiça portuguesa quis os dados de angolanos com relações muito próximas com os donos do BPA e de outros bancos portugueses. Naquele momento, “a questão do sigilo das investigações passou para segundo plano”, diz a SÁBA- DO uma fonte que participou nas investigações. No BPA Europa chegaram a ser preparadas internamente dois tipos de resposta a dar ao MP – as versões A e B. Ou seja, com mais ou menos informações sobre as justificações para as transferências suspeitas detetadas. A SÁBADO acedeu a ambas versões.

Também na Operação Fizz foram muitos os indícios encontrados pelo MP sobre as ligações cruzadas de vários angolanos poderosos e a relação com negócios milionários obscuros realizados em Angola e Portugal. Através de bancos, e não só no BPA Europa. Um destes episódios passou-se em 2010, conforme surge num email que se encontra junto ao processo e que foi trocado entre dois quadros do Millennium BCP, Nuno Perestrelo e Carlos Santos Lima. O “assunto” era o cliente “dr. Carlos Silva”. Preocupado, Nuno Perestrelo informou o colega que o presidente do Banco Atlântico recebera, em abril de 2009, cerca de 11,3 milhões de dólares (9 milhões de euros ao câmbio atual) referentes “ao segundo pagamento de subscrição” feito pelo Millennium Angola junto do BPA.

E que, daquele montante, “cerca de 5 milhões de dólares” (4 milhões de euros) “foi/irá ser transferido para quatro entidades individuais”. Depois, destacou que o primeiro pagamento de 2,3 milhões de dólares já tinha sido encaminhado para contas em Portugal do Banco Privado Europa. Contas em nome de Manuel Vicente, dos generais Kopelipa e Leopoldino do Nascimento e do também angolano Baptista Sumbe. Os três primeiros receberam cada um 750 mil dólares (612 mil euros). A quarta transferência para Sumbe foi de apenas 50 mil dólares. O departamento de compliance do BCP pediu um “justificativo” das transferências, porém, como referiu no email Nuno Perestrelo, o banqueiro Carlos Silva ter-lhe-á dito que não pretendia dar “mais nenhuma justificação”. “Pediu-me que falássemos com o dr. Miguel Maya, que está a par do assunto”, finalizou Nuno Perestrelo.

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