A ciência em julgamento
Opinião
David Marçal
Charlatães processarem aqueles que mostram publicamente que as suas práticas são charlatanices é uma táctica bem conhecida. Elenco aqui quatro casos.
Primeiro, o charlatão Matthias Rath, que vend…
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Hells Angels alvos de nova investigação por tráfico
Ligações com marroquino na mira das autoridades. Cinco motards e outros nove suspeitos de associação criminosa para venda de estupefacientes
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"É extremamente frustrante ter uma prova obtida de forma errada", revela coordenador de cibercrime da PGR
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Eutanásia. “Marcelo vai obedecer à Igreja”
António Campos, histórico do PS, acredita que o Presidente da República vai apoiar consulta popular Movimento já recolheu metade das assinaturas necessárias para pedir o referendo IIPÁGS. 2-3
Movimento já tem metade das assinaturas para pedir referendo
Recolha ganhou força nas missas do último fim de semana.
Responsável diz que primeira contagem será feita a 4 de março.
LUÍS CLARO luis. daro@ionline.pt MARTA F. REIS mana. reis@ionline.pt
O movimento para a realização de um referendo sobre a eutanásia já recolheu metade das 60 mil assinaturas necessárias para formalizar o pedido junto da Assembleia da República O balanço foi feito ao í pelo porta-voz da campanha lançada há pouco mais de uma semana pela Federação Portuguesa Pela Vida e que quer travar a despenalização da morte assistida no Parlamento.
A petição online contava esta segunda-feira com 17 mil assinaturas mas já houve pelo menos 13 mil pessoas que assinaram a iniciativa presencialmente, disse José Maria Seabra Duque, admitindo que poderão ser mais uma vez que há diferentes pontos do país sobre os quais ainda não têm dados.
A recolha ganhou gás no último fim de semana, depois da Conferência Episcopal Portuguesa ter assumido o apoio ao referendo, com várias paróquias a iniciarem a recolha de assinaturas antes e depois cias missas. E muitos padres a aproveitarem as homilias para apelar àmobifeação. Seabra Duque adianta que a primeira contagem global será feita a 4 de março e que irão então decidir quando será feita a entrega da iniciativa no Parlamento. ‘Temos a perfeita consciência de que as iniciativas vão ser aprovadas esta semana na generalidade, isto apesar de, tal como aconteceu em 2018, todos os pareceres pedidos pelos deputados serem negativos. A única coisa que mudou é haver uma maioria que permite a aprovação”, afirma o porta-voz. ‘Temos pouca esperança de demover os deputados. Esperamos que quando entregarmos as assinaturas percebam que o povo quer ser ouvido. Se depois de entregarmos uma iniciativa popular, que a este ritmo poderá superar as 60 mil assinaturas, continuarem a ignorar este apelo, será preocupante”.
O debate está marcado para quinta-feira a partir das 15 horas.
Os deputados vão discutir cinco projetos de lei (PS, BE, PAN, PEV e Iniciativa Liberal) a favor da despenalização da morte assistida. Ao contrário do que aconteceu há quase dois anos, em que a eutanásia chumbou por cinco votos, os votos da esquerda e do PAN serão suficientes para que estas iniciativas tenham sucesso.
Catarina Martins, do Bloco de Esquerda, anunciou ontem que os bloquistas votarão a favor de todos os projetos de lei. “Portugal será um país melhor, que respeita mais as pessoas, se conseguirmos dar esse passo para permitir o fim de vida digno de cada um e de cada uma”, disse.
Na prática, a esmagadora maioria dos deputados do PS, o Bloco de Esquerda, o PAN, o Iniciativa Liberal, o Livre e alguns deputados do PSD deverão apoiar a despenalização da morte assistida CDS, PCP e uma parte significativa do grupo parlamentar do PSD votará contra.
O referendo também não deverá passar no Parlamento já que os socialistas e os partidos à sua esquerda são contra. Socialistas como Manuel Alegre ou António Campos estão contra uma consulta popular. “O referendo, nestas circunstâncias, é uma forma de desvalorizar a democracia representativa e uma forma de desvalorizar os deputados que representam o povo”, disse ao semanário SOL o histórico do PS.
O socialista António Campos, em declarações ao i, defende que o referendo daria origem “ao populismo e à demagogia”. Campos é favorável à despenalização da eutanásia, mas não tem dúvidas de que o Presidente da República vai fazer tudo para travar esta alteração à lei. “Marcelo vai obedecer à Igreja”, diz o ex-dirigente socialista.
MARCELO E O TC O Presidente da República recebeu ontem à noite antigos bastonários e o atual bastonário da Ordem dos Médicos, Miguel Guimarães, bem como o grupo de líderes religiosos de várias confissões. Até agora todas as audiências foram apenas com opositores da despenalização, mas Marcelo garante que recebe “quem pede” para ser ouvido.
O Bastonário da Ordem dos Médicos defendeu recentemente que “algumas pessoas ainda não perceberam que eutanásia é matar, o que é diferente de deixar morrer e não se prolongar a vida de forma artificial e desproporcional, que é algo que o código deontológico médico proíbe”.
Uma das hipóteses que está ao alcance do Presidente da República é recorrer ao Tribunal Constitucional. Vários constitucionalistas garantem que a lei pode ser chumbada. O constitucionalista Tiago Duarte defendeu, em declarações ao semanário SOL, que ‘legalizar a eutanásia viola a constituição”. Jorge Miranda, conhecido como pai da constituição, também defendeu, em declarações ao Expresso, que a violação da Constituição é “flagrante”. Já Vital Moreira defendeu que a a Constituição não proíbe a eutanásia. “Proponho que retiremos a Constituição do debate sobre a eutanásia. A Constituição não tem de ter resposta para todos os problemas políticos ou sociais, sobretudo quanto eles implicam juízos religiosos ou morais”, escreveu, no blogue Causa Nossa, em 2016, Vital Moreira.
parecer NEGATIVO? O Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, que em 2018 deu parecer negativo às propostas discutidas no Parlamento, aprovou esta segunda-feira em reunião plenária os pareceres relativos aos novos projetos-lei, que deverão ser conhecidos esta terça-feira. Dos pareceres solicitados pela AR estão também ainda em falta as análises das ordens dos advogados e psicólogos.
Tancos. Ex-diretores de investigação criminal da GNR negam acusações
Os arguidos Taciano Correia e Amândio Marques foram ouvidos ontem no caso das armas de Tancos.
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Respeito, só um bocadinho
Bom dia No dia 1 de dezembro de 1955, ao anoitecer, Rosa Parks entrou num autocarro em Montgomery , no Alabama, e sentou-se num lugar reservado a negros.
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Debate sobre a eutanásia ao rubro em vários países do mundo
Da Espanha à Nova Zelândia, visita ao estado do debate sobre eutanásia. Na Bélgica, Justiça absolve envolvidos num caso de eutanásia p14a16
Da experiência da Holanda ao referendo na Nova Zelândia
O debate não é novo mas nalguns países – como em Espanha, onde a eutanásia pode passar a ser uma possibilidade ainda este ano, ou na Nova Zelândia, que em breve vai referendar o assunto – está ao rubro
Andreia Sanches
“Eutanásia activa, directa ou autêntica, é uma ‘eutanásia deliberada, para acabar com o sofrimento.’ Na sua génese etimológica, a palavra ‘eutanásia’, oriunda do grego, significa boa morte, morte piedosa, sem dor, tranquila. É, na perspectiva dos seus defensores, uma maneira digna de morrer. Por seu turno, o conceito de ‘suicídio assistido’ equivale à conduta que se traduz em alguém ajudar outra pessoa a pôr termo à vida para se livrar desse sofrimento.”
É desta forma que se separam os conceitos de eutanásia e suicídio assistido num relatório que a Assembleia da República produziu, em 2016, no qual analisava o que se passava em diferentes países do ponto de vista do enquadramento legal de tais práticas. “Na ‘morte assistida’ é o próprio paciente que ingere ou injecta medicamentos letais previamente prescritos pelo médico. Não é este que o mata directamente. Na eutanásia directa, é uma terceira pessoa que executa o acto”, prossegue a análise da legislação. Com a ajuda de alguns destes conceitos, damos conta do que está previsto em alguns países e dos debates que, tal como em Portugal, se estão a fazer neste momento.
Espanha
Foi há poucos dias, 12 de Fevereiro. O Congresso espanhol deu luz verde a um processo que pode culminar com a aprovação de uma lei que reconheça o direito à eutanásia e ao suicídio assistido. Apresentada pelo PSOE, a proposta de diploma (a primeira da legislatura) recebeu 201 votos a favor, 140 contra e duas abstenções e passou para as mãos da Comissão de Saúde onde, agora, cada um dos 19 artigos e quatro disposições adicionais que poderão constituir a nova lei serão negociados. O ministro da Saúde acredita que a legislação sairá este ano.
Doentes com um “sofrimento insuportável” e sem esperança de cura devem poder escolher a morte, defende-se no diploma que, no essencial, o PSOE já tinha apresentado em 2018 e em 2019. A eutanásia deverá ser praticada em hospitais públicos ou na casa dos doentes, sendo que também pode existir em centros privados, acrescenta-se. Os médicos poderão declarar-se objectores de consciência.
E o doente não deve ter de esperar mais de um mês depois de pedir por escrito ajuda para morrer.
Votaram contra a proposta do PSOE o PP e o Vox, tendo-se ouvido do PP duras críticas que acusam os autores da iniciativa de quererem aprovar a lei da eutanásia para fazer poupanças “à custa dos mais vulneráveis”, relatou o El País. Segundo o Centro de Investigaciones Sociológicas, a maioria da população espanhola apoia a eutanásia e o suicídio assistido: “58% dos espanhóis respondem ‘sim’ quando se lhes pergunta se aprovam.” Suíça
O Código Penal suíço admite o suicídio assistido. A ajuda ao suicídio só é crime se o agente, seja médico ou não, tiver “motivos egoístas” para dar o seu apoio a quem pede ajuda para morrer. Já a eutanásia directa é crime na Suíça. Há outras especificidades na legislação suíça: a ajuda ao suicídio pode ser dada por alguém que não um médico (existem organizações não governamentais a prestar este apoio). E não há a obrigação de reportar a uma entidade central os suicídios assistidos (pelo que é difícil ter dados exactos).
Organizações como a Dignitas e a Exit ajudam doentes a suicidar-se, desde que o paciente tenha discernimento, manifeste vontade consciente e livremente, o seu pedido seja sério e reiterado, o sofrimento físico ou psíquico que o atinja seja intolerável e o prognóstico do desfecho da doença seja a morte ou, pelo menos, uma incapacidade grave. A Exit só aceita pacientes nacionais ou que vivam na Suíça, mas a Dignitas acolhe nacionais e estrangeiros. Há dias, oJNnoticiava os números relativamente aos estrangeiros que recorreram à Dignitas no país: 256 no ano passado (mais de 3 mil no total desde que foi criada, em 1998). Um estudo do Departamento de Estatística e do Instituto de Medicina Social e Preventiva da Universidade de Berna contabilizou, entre 2003 e 2014,3941 suicídios assistidos (numa população de cerca de 6,2 milhões de suíços ou residentes na Suíça) com o apoio das três principais organizações nacionais de defesa do “direito à morte”. O aumento foi exponencial: de 180 em 2003 para 688 em 2014. A prevalência subiu sobretudo no grupo etário dos 65-94 anos.
EUA
Em alguns estados federados é permitido o suicídio assistido, caso do Colorado, Hawai, Oregon, Washington, Montana, Vermont, Califórnia. A eutanásia activa é proibida, ao nível federal, pela lei que pune o homicídio. Porém, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal orienta-se para a aceitação da eutanásia passiva (interrupção dos tratamentos). Nova Zelândia
A primeira-ministra, Jacinda Ardem, anunciou no início do ano a data do referendo para que os cidadãos possam votar sobre a legalização da eutanásia. Será a 19 de Setembro, dia de eleições gerais e de um outro referendo sobre legalização da cannabis.
Segundo a imprensa internacional, a Nova Zelândia poderá, assim, tornarse o primeiro país do mundo a referendar a questão da eutanásia.
Em causa está a possibilidade de pessoas adultas, com doença terminal, com uma expectativa de menos de seis meses de vida, poderem escolher a morte assistida, se aprovada por dois médicos. A proposta recebeu luz verde no Parlamento, pondo fim, segundo a BBC, a anos de discussão (foram oito os debates parlamentares dedicados desde 2017).
Holanda
Em 2002, entrou em vigor a lei da eutanásia e suicídio assistido. Na eutanásia, o médico administra a substância que irá pôr termo à vida; no suicídio assistido, é o doente que a toma depois de fornecida pelo médico. Em ambos os casos tem de corresponder ao desejo do doente que esteja “em sofrimento insuportável” (que pode ser físico ou mental). O pedido tem de ser reiterado e convicto. O médico tem a obrigação legal de reportar cada caso, depois de consumado, ao médico patologista municipal e à Comissão de Controlo da Eutanásia. Estas condições são discriminadas na lei, que obriga à consulta de pelo menos mais um médico. Os menores podem pedir a eutanásia a partir dos 12 anos com o consentimento dos pais ou representantes legais. A partir dos 16 anos, os pais deverão estar envolvidos no processo. Atingidos os 18 anos, passam a ter direito de a solicitar sem autorização ou aconselhamento parental.
Através de directivas antecipadas, há ainda a possibilidade de as pessoas manifestarem por escrito o desejo, perante eventuais situações de doença, sobre se pretendem a eutanásia ou o suicídio assistido. E este tem sido um tema que tem dado que falar.
Segundo o The Guardian, num artigo do ano passado em que se questiona se “a eutanásia foi longe demais”, são muitos os holandeses que deixam escrito isso mesmo: se as suas condições mentais se deteriorarem, querem ser eutanasiados mesmo que não possam confirmar o pedido. Há dois anos, uma médica, Berna van Baarsen, demitiu-se de uma das comissões que analisam os casos em protesto:
“É impossível estabelecer se o doente está num sofrimento insuportável se ele já não é capaz de explicar [o seu nível de sofrimento]”, afirmou ao jornal Trouw. Também há cerca de dois anos chegou a debater-se no país a possibilidade de fornecer medicamentos letais a pessoas com mais de 70 anos que sentissem que não precisavam de viver mais, mesmo que fossem saudáveis. Não avançou.
Em 2018, o número de mortes por eutanásia e suicídio assistido baixou pela primeira vez desde a legalização para 6126 casos (4% do total das mortes do país). Menos 7% do que no ano anterior. Mas o aumento sustentado até 2018 é apontado por alguns como um exemplo dos riscos que existem: a rede vai-se alargando para permitir mais e mais tipos de casos e o conceito de “sofrimento insuportável” perdeu-se, escrevia ainda o Guardian.
Primeiro caso de eutanásia levado a julgamento na Bélgica termina com absolvição
Rita Siza
Um tribunal da cidade belga de Ghent pôs fim ao primeiro caso de criminalização da prática da eutanásia desde que a morte medicamente assistida foi autorizada pelo Parlamento da Bélgica, em 2002, com a absolvição dos três profissionais de saúde que estavam acusados de homicídio culposo por executarem o pedido de uma mulher de 38 anos que sofria de depressão.
Depois de assistirem à morte por eutanásia da sua irmã Tine Nys, em Abril de 2010, as suas duas irmãs, Sophie e Lotte, recorreram aos tribunais por não estarem convencidas de terem sido cumpridos todos os procedimentos previstos na lei. Uma primeira queixa foi rejeitada, mas, depois de um recurso da família, foi aberto um processo judicial e deduzida acusação contra o médico que administrou a injecção letal, bem como o médico de família e a psiquiatra que acompanharam o procedimento.
O julgamento decorreu no final de Janeiro, e demorou duas semanas, com a sentença a ser anunciada ao fim de mais de oito horas de deliberação por um painel de jurados. A decisão de absolver os médicos foi saudada com aplausos na sala do tribunal. “Não foi praticado um crime, foi eutanásia”, declarou o advogado de defesa dos três arguidos.
Tine viu o seu pedido de recurso à eutanásia validado um ano antes da morte: no seu processo, constava um historial de problemas psiquiátricos, um diagnóstico de depressão e referências a uma dependência de heroína e várias tentativas de suicídio.
Segundo a sua irmã Sophie, alguns meses depois da apresentação do processo, Tine foi diagnosticada com um transtorno do espectro autista, que segundo a família deveria ter impedido que o seu caso fosse avaliado favoravelmente.
Em depoimentos no tribunal e declarações à imprensa, Sophie Nys disse que a morte da sua irmã levantava mais dúvidas sobre os termos da lei do que a actuação dos profissionais de saúde envolvidos na eutanásia de Tine. Ainda assim, alegou que a irmã não sofria de uma doença incurável e que os médicos que a acompanharam não se certificaram que tinham sido esgotadas todas as vias de tratamento para a sua depressão.
Não são direitos individuais
Apesar de consagrados na lei, a eutanásia e o suicídio assistido não são considerados direitos individuais na Bélgica. A legislação regula as duas práticas e estabelece condições rigorosas para que possam ser levadas a cabo, mas nenhum cidadão que solicite tem garantida a aprovação do seu pedido, mesmo que cumpra todos os critérios: que padeça de uma patologia incurável resultante de doença ou acidente e se encontre num estado de sofrimento físico ou psicológico insuportável. A lei exige ainda que a vontade seja expressa voluntária e conscientemente, sem pressões externas, e de forma reiterada.
A maioria dos casos em que os pedidos envolvem indivíduos com distúrbios psicológicos são rejeitados, mas esse quadro clínico não é, por si só, impeditivo da realização da eutanásia. A família Nys disse esperar que o exemplo de Tine exponha a necessidade de se avançar com uma revisão dos critérios científicos que justificam que um terço dos pedidos feitos por doentes que não se encontram em fase terminal sejam aprovados – nas suas declarações sobre o caso, as irmãs de Tine fizeram questão de dizer que não punham em causa a prática da eutanásia noutras circunstâncias.
Todos os pedidos de eutanásia na Bélgica são avaliados por uma comissão federal de controlo e avaliação constituída por 16 peritos. Desde que a lei foi aprovada, o número de pedidos tem aumentado todos os anos.
Segundo as últimas estatísticas oficiais, referentes ao ano de 2018, 2357 pessoas recorreram à eutanásia na Bélgica, uma média de seis por dia.
A maioria dos indivíduos sofria de uma doença terminal (97%) e tinha mais de 60 anos de idade (84%).
Os direitos não obrigam a nada, a sua ausência é que nos limita!
Opinião
Elza Pais
A não punição da eutanásia, em circunstâncias especiais e clinicamente definidas, exige um debate sério e não demagógico, dissecando todos os argumentos com dignidade e respeito pelas opções de cada ser humano.
Trata-se de um debate civilizacional que não pode mais ser adiado em nome da dignidade e do respeito pelo sofrimento humano.
Apesar dos avanços da medicina e dos cuidados paliativos prolongarem a vida para o dobro da idade de há um século atrás, não podemos ignorar que há pessoas para quem o diagnóstico é, infelizmente, irreversível e que estão em enorme sofrimento. Não podemos ignorar que há limites que a medicina não resolveu!
Não podemos, em nome da dignidade da pessoa humana, negar o direito a desistir, quando alguém se encontra numa situação de doença irreversível, em grande sofrimento e com perda de autonomia. O que se pretende fazer é conferir o direito à pessoa para ter liberdade, em circunstâncias muito precisas e devidamente acompanhadas e testadas clinicamente, e um espaço de decisão legalmente reconhecido quanto à sua própria morte.
Se viver é um direito e proteger a vida é um dever do Estado, que ninguém pode contestar, contesta-se que seja negado o direito à renúncia de uma vida quando o próprio considera que a sua vida não tem a dignidade necessária para prosseguir. Não respeitar esse direito, quando o próprio o quer usar, com regras estritamente definidas, em estado de consciência e de forma reiterada, é defender uma cultura de imposição que contraria a dignidade da pessoa humana constitucionalmente garantida.
Defender a descriminalização da morte assistida é defender a vida e defender que se respeitem as escolhas de cada ser humano. É defender uma cultura que não oprima as opções do indivíduo, quando, de uma forma consciente, informada e reiterada, pede para que a sua morte física inevitável, em sofrimento incomensurável e extremo, com lesões definitivas ou doença incurável e fatal, seja abreviada. Trata-se de ajudar num ato, em certas e definidas circunstâncias, que resulta em absoluto de uma decisão individual, livre e esclarecida.
Com esta Lei não se pretende impor a ninguém que, mesmo reunidas essas circunstâncias todas, recorra à eutanásia, mas sim que não seja negado o direito a quem a ela quiser recorrer.
Esta Lei não impede ninguém do acesso aos cuidados paliativos, que deverão continuar a ser ampliados com acesso universal a quem deles necessitar. Esta Lei apenas pretende descriminalizar quem, em certas circunstâncias bem definidas, quiser recorrer à eutanásia para travar um sofrimento horrendo ou uma vida sem autonomia e dignidade. Os direitos não nos obrigam a nada, a ausência deles é que nos limita!
É da mais elementar justiça, tal como já aconteceu com a despenalização da Interrupção Voluntária da Gravidez, pôr termo a uma situação de ilegalidade, onde se ajudem as pessoas a morrer, às escondidas e sem qualquer controlo, à margem da lei, com riscos de denúncia e consequências profissionais gravíssimas.
Como dizia João Semedo, a doença é que tira a vida, não é a eutanásia! Não é preciso rever código, diz a Ordem O bastonário da Ordem dos
Médicos, Miguel Guimarães, defendeu ontem que a eventual aprovação de uma lei da eutanásia não implica uma revisão do Código Deontológico dos médicos.
“Na minha opinião não tem [de haver uma revisão do código deontológico], porque a Ordem dos Médicos consagra princípios éticos, princípios de conduta, que são universais, que são iguais em Portugal, na Europa, no Médio Oriente, nas Américas. São iguais em todo o lado. Deve ser a coisa mais constante a nível internacional”, disse.
O bastonário falava aos jornalistas depois de uma reunião com a direcção clínica do Centro Hospitalar de Setúbal, para debater problemas como as agressões aos médicos bem como a necessidade urgente de ampliação do Hospital São Bernardo. “Amanhã [hoje] temos uma sessão em que o tema principal é esse: eutanásia versus código deontológico, em que vão estar várias pessoas presentes, nomeadamente juristas, com conhecimentos na área da legislação, para se perceber se a Ordem dos Médicos tem ou não tem de mudar o Código Deontológico no caso de a lei ser mudada”, disse.
Independentemente da decisão final do Parlamento sobre a eutanásia, o bastonário dos Médicos considerou que “a lei não pode dizer como é que os médicos têm de ter o seu Código Deontológico”. Embora reconheça que há médicos favoráveis à despenalização da eutanásia, o bastonário, admitiu que poderá haver muitos médicos objectores de consciência neste domínio, mas lembrou que “praticar a eutanásia é proibido pelo código deontológico”. Lusa
Quem sou eu para julgar ou limitar a liberdade?
Opinião
Padre José Maria Brito
Diante da dor de alguém há sempre um pudor que surge, um silêncio que impede o excesso das palavras.
Experimento isto muitas vezes nas relações de todos os dias.
Por isso, a ideia de “julgar os outros” incomoda-me. Não direi que estou a salvo desta atitude, mas procuro precaver-me de tudo o que possa ser percebido como tentação de superioridade moral. Quando me perguntam “quem és tu para julgar” sinto uma espécie de embaraço que me leva muitas vezes a ficar calado.
Nesse sentido, o debate da eutanásia talvez fosse mais um desses casos em que o silêncio fosse a melhor solução. E, na verdade, eu não quero julgar quem pede a eutanásia. Como seria possível? Nenhum de nós estará em condições de fazer um juízo moral definitivo sobre o pedido dessa pessoa. No entanto, validar ou não um pedido de eutanásia não é absolver ou condenar ninguém, é ajuizar sobre a dignidade da sua vida. Ora, a dignidade não deveria ser sujeita a juízo.
Quando admitimos que uma vida pode ser considerada mais digna do que outra, estamos a julgar a pessoa não pelas às suas ações ou opções, por aquilo que nos pede, mas quanto ao seu valor intrínseco.
E esta dimensão deveria permanecer para sempre indisponível para juízos. Quem sou eu para julgar o outro?
Quem sou eu para julgar a dignidade da sua vida?
O recato que sinto diante da dor de alguém é o mesmo que sinto diante da sua consciência como lugar sagrado da liberdade. Nenhuma liberdade está imune a limites e condicionamentos, mas em alguns casos o que condiciona a liberdade pode colocá-la em risco. Sabemos que é grande o número de idosos que vive isolado, sabemos que é frágil a rede de cuidados paliativos.
Será difícil reconhecer que, em muitos casos, estes fatores ameaçam a possibilidade de um pedido de eutanásia verdadeiramente livre? E será mesmo uma questão de consciência pessoal um pedido que convoca outro para decidir sobre a viabilidade da nossa vida?
Nem a liberdade nem a individualidade são valores absolutos. Sou livre e sou pessoa inserido numa teia de relações.
Se me isolo ou me deixam isolado nas minhas escolhas, se sou entregue à solidão absoluta, destrói-se a solidariedade que sustenta a sociedade, os laços que tornam possível a vontade e a liberdade individuais.
Ainda que no meio de uma ponte, cheio de recato, silêncio e pudor, diante de um pedido de eutanásia, movido por toda a compaixão, não sou ninguém para dizer: “compreendo-te, uma vida assim já não é digna”, ou “tu é que sabes, estou contigo mas decide sozinho”. A questão da eutanásia toca o mais profundo das nossas emoções, o desejo de respeitar o outro, a sua dor e a sua liberdade. Mas é preciso estar alerta para que, desejando sinceramente respeitar, não abandonemos a liberdade à solidão. Legalizar a eutanásia dispensa as nossas emoções desse estado de alerta.
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Um mundo feito de mudança, na justiça também
Hoje, o discurso em torno da Justiça e das suas instituições constitucionais ou associativas e, bem assim, a elocução que nela alguns dos seus mais evidentes protagonistas assumem, mudou significativamente…
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Presidente pode recorrer à objecção de consciência para não promulgar uma lei?
Constitucionalistas discordam: Paulo Otero defende que Marcelo deve fazê-lo, Reis Novais diz que é "um absurdo".
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