Negociar com Isabel dos Santos poria em perigo política de João Lourenço
Com receio do impacto que poderia ter na sua luta contra a corrupção, Presidente angolano foi taxativo, deixando “garantias claras de que não se está a negociar” com a empresária, filha do seu antecessor
António Rodrigues
Já quase não resta ninguém para negar a existência de negociações entre Isabel dos Santos e a Procuradoria-Geral da República (PGR) de Angola com vista à devolução dos 1,1 mil milhões de dólares que a empresária alegadamente deve ao Estado angolano em troca do levantamento do arresto dos seus bens. O procurador Pitta Grós negou a notícia do Expresso, o Presidente João Lourenço também negou à Deutsche Welle e, ao PÚBLICO, o advogado Sérgio Raimundo fez o mesmo.
“Desconheço completamente este quadro, não sei porque o meu nome foi associado”, adiantou o jurista, cujo escritório foi descrito como tendo sido o porta-voz da estratégia apresentada por um reputado advogado inglês junto da PGR. Raimundo lembrou que já antes do começo do julgamento de José Filomeno dos Santos (Zenu), que liderava o Fundo Soberano de Angola e é acusado de burla, tráfico de influência e branqueamento de capitais no chamado “caso dos 500 milhões”, tinham circulado notícias de que iria ser o defensor do filho do ex-Presidente e isso não aconteceu – é advogado no processo, mas de Valter Filipe, ex-governador do Banco Nacional de Angola.
Só Isabel dos Santos ainda não negou publicamente a existência dessa sondagem à PGR. Não respondeu à pergunta que o PÚBLICO lhe enviou por WhatsApp e há dias que as suas contas nas redes sociais se mantêm paradas, depois dos muitos comentários que a empresária foi publicando ao longo do mês de Janeiro, após a decisão do Tribunal Provincial de Luanda ter ordenado o arresto preventivo dos seus bens, do seu marido, Sindika Dokolo, e do seu principal gestor, Mário Leite Silva.
Em termos do processo cível de arresto, a lei permite negociar o pagamento da dívida e Isabel dos Santos tem todo o direito até ao último momento para chegar a acordo e devolver o dinheiro em dívida, o que pararia o processo cível. Em nenhum momento essa negociação garantiria que o processo criminal em que Isabel dos Santos é arguida, junto com os portugueses Mário Leite Silva, Sarju Raikundalia, Paula Oliveira e Nuno Ribeiro da Cunha (esteja falecido), se extinguiria por via desse acordo. Em relação a esse processo-crime por má gestão e desvio de fundos durante a sua passagem pela Sonangol, a companhia petrolífera do Estado angolano, a PGR não pode acordar nada.
“Do ponto de vista legal, não há nenhuma legislação que permita à PGR ‘negociar’ acerca de uma panóplia de processos legais e factos tão abrangentes como os que envolvem Isabel dos Santos. Admitindo, por hipótese, que a PGR fixava em mil milhões de dólares o montante dos valores que Isabel tivesse recebido ilicitamente do Estado, tal não lhe dava poder para desistir de processos contra ela caso esta devolvesse o mesmo valor de que usufruiu”, diz o jurista Rui Verde no site Maka Angola.
Nesse caso, a negociação teria de passar para o campo político. E, nesse domínio, João Lourenço não está disponível para negociar com Isabel dos Santos. Nem sequer tem que ver com a vontade de não interferir com o andamento dos tribunais – diz um advogado angolano ao PÚBLICO, pedindo para não ser identificado, “não há independência dos tribunais em Angola”. Como refere uma fonte conhecedora da política angolana, Lourenço precisava de enviar a mensagem clara de que não está disponível para negociar perdões em troca de dinheiro ou a sua luta contra a corrupção perde a credibilidade.
Em Angola, principalmente em Luanda, onde notícias falsas e as teorias da conspiração florescem quotidianamente e são partilhadas como verdades insofismáveis, a ideia de que estes processos contra a família Dos Santos não vão dar em nada já anda a circular. Se o Estado aceitasse dar a oportunidade à filha de José Eduardo dos Santos de pagar o que deve e ganhar em troca um cartão de “você está livre da prisão”, confirmaria a teoria dos mais cínicos que desconfiam da apregoada mudança garantida por João Lourenço.
“Nós gostaríamos de deixar aqui garantias muito claras de que não se está a negociar”, afirmou peremptoriamente o chefe de Estado, na entrevista à Deutsche Welle. “Mais do que isso, não se vai negociar, na medida em que houve tempo, houve oportunidade de o fazer. Portanto, as pessoas envolvidas neste tipo de actos de corrupção tiveram seis meses de período de graça para devolverem os recursos que indevidamente retiraram do país”, acrescentou.
“Isabel dos Santos tornou-se um símbolo da determinação do Presidente e dos órgãos judiciários do país em combater a corrupção”, escreve Rui Verde. “Qualquer acordo será uma derrota de João Lourenço e da sua campanha contra a corrupção” e daria azo de a empresária retomar a sua actividade em Angola e até de assumir a sua ambição política de disputar o poder ao Presidente em 2022.
E mesmo que não fosse a filha de José Eduardo dos Santos a avançar para a disputa interna do MPLA, outros sentir-se-iam incentivados pelo flanco aberto de João Lourenço neste caso.