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Corrupção dourada

Corrupção dourada
Pedro Filipe Soares

A semana começou com um anúncio que ocupou as manchetes: o Governo prepara um grande pacote contra a corrupção. O timing foi pensado para coincidir com o Dia Internacional contra a Corrupção, um simbolismo inspirador, mas as intenções, por enquanto, ficam-se pela criação de um grupo de trabalho. É certo que o mandato deste grupo começa com um caderno de encargos bem específico, mas ainda temos de esperar para ver se a vontade em aprofundar o combate à corrupção tem fôlego para ser consequente. Por enquanto, ficam os objetivos divulgados através do PÚBLICO: “Colaboração premiada, separação de megaprocessos, juízos especializados em corrupção, acordos de sentenças, magistrados que investigam a acompanhar os julgamentos.”

À primeira vista saltam três ausências gritantes, sendo a primeira delas incontornavelmente o reforço de meios humanos e técnicos. Basta falar com responsáveis do Ministério Público ou da Polícia Judiciária e logo se percebe como é dramático lidar com um quadro de pessoal diminuto e envelhecido. O reforço de profissionais é essencial e tem de ser a prioridade para quem verdadeiramente quer combater a corrupção.

A segunda ausência não é inocente. Os vistos gold são uma porta aberta para a corrupção, mas este pacote apresentado pelo Governo ignora olimpicamente esta realidade. A Transparência Internacional já recomendou ao Governo português um maior escrutínio público na atribuição de vistos gold, mas são apelos que caíram em saco roto. Segundo esta organização internacional, o programa de vistos gold em Portugal apresenta um sério risco de ser usado por corruptos ou criminosos, potenciando até a corrupção dos próprios Estados.

O esquema dos vistos gold é o da venda de passaportes a troco de elevadas quantias, sem perguntar a origem ou a legitimidade do dinheiro. Investigações recentes sobre o caso português permitiram concluir que entre os mais de 10.000 novos residentes se encontram cidadãos chineses procurados pelas autoridades, cidadãos de nacionalidade brasileira envolvidos em megainvestigações de corrupção ou cidadãos angolanos ligados à exploração de recursos naturais.

O resumo feito pela Naomi Hirst, ativista da Global Witness, é muito claro: “Se tivermos muito dinheiro obtido de forma duvidosa, garantir um novo lugar, a que possamos chamar lar, longe do sítio onde o dinheiro foi roubado, não é apenas atraente, é sensato.” É isso que permite o programa dos vistos gold.

Se o combate contra a corrupção é para levar a sério, não pode haver dúvidas sobre o fim do programa dos vistos gold.

A terceira grande omissão choca de frente com uma das grandes vitórias que o Bloco de Esquerda conseguiu recentemente no combate à corrupção: a Entidade para a Transparência. Ora, sobre isso o Governo é completamente omisso, descurando uma área fundamental no combate à corrupção: os políticos.

O presidente do Grupo de Estados contra a Corrupção é taxativo: “Os políticos são eleitos para servir e não para serem servidos.

Os políticos devem dar o exemplo, sem ‘ses’ e sem ‘mas’.” Por concordar em absoluto com esta ideia, foram criadas novas obrigações de transparência de património e rendimentos de políticos e altos cargos públicos e alargadas essas obrigações a um universo importante: consultores, peritos, responsáveis de gabinetes ministeriais e altos dirigentes do Estado.

Mas é preciso fiscalização e é isso que a Entidade para a Transparência faz, garantindo a defesa contra declarações fraudulentas ou níveis de riqueza desconformes com a informação prestada. Terá meios para isso?

Para concluir, analisando os objetivos do Governo, há coisas que são do mais absoluto bom senso, como a separação dos megaprocessos. Mas o modelo de colaboração premiada, nos termos em que se prenuncia, é um erro que não se esperava.

“Tão amigos que nós éramos” é um artigo de Teresa Pizarro Beleza publicado na Revista do Ministério Público (n.° 74) que demonstra a perversidade deste modelo e como rapidamente se pode transformar num negócio entre arguidos e entidades judiciais para redução de penas. Veremos se o que nasce torto se consegue endireitar.

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O combate à corrupção

O combate à corrupção
JOÃO MARCELINO

Há quem, olhando para as gritantes responsabilidades do PS no mar de casos que assola a democracia portuguesa, desvalorize a iniciativa da criação, pelo Governo, do grupo de trabalho que lançará as bases de uma Estratégia Nacional de Combate à Corrupção.

É um erro.

Mais do que elencar evidências, de apontar o dedo à famosa firma Sócrates & Vara, de enumerar membros socialistas de governos e câmaras a braços com acusações do Ministério Público, de recitar o Jamilygate’, o desafio é dar o passo seguinte e participar na discussão sem preconceitos. Portugal está doente e precisa, nesta área, de cuidados urgentes e intensivos.

Este é o momento em que todos os partidos devem ser chamados a dizer o que querem, e se querem.

Chega de líderes partidários e deputados no cómodo papel de carpideiras úteis do regime instalado.

Bem sei que esta prioridade socialista foi arrancada a ferros e a poucas semanas da realização das recentes eleições legislativas, entre outras coincidências oportunas. Sei disso. Como sei de como o PS, em devido tempo, se comportou com o pai Cravinho. Ou de como o PS de sempre, agitando o inevitável espantalho do ‘fascismo’ e representado por António Campos, já está, agora mesmo, em campo contra a chamada delação premiada.

Sei disso, e mesmo assim escolho participar, exigir aos restantes partidos que se definam agorae, sobretudo, na discussão que chegará posteriormente ao Parlamento.

A escolha, neste caso, é simples. Podemos querer ficar reféns do passado, protestar a hipocrisia política do PS, desconfiar da comissão que aí virá no princípio do ano para apresentar propostas concretas, comportamo-nos como marionetas do jogo político. Ou podemos fazer o que se faz nos países desenvolvidos: lutar, permanentemente, pelo aperfeiçoamento da Democracia.

Creio que este é o momento de exigir ao Governo que comece por escolher nomes credíveis para a comissão, pessoas acima de qualquer suspeita. O sucesso deste projeto começa aí, na capacidade de demonstrar ao país a bondade da iniciativa. E, sim, Joana Marques Vidal é um desses nomes.

O roteiro da recuperação da saúde da democracia portuguesa tem caminhos óbvios: tribunais especializados; combate ao enriquecimento ilícito; agilização do Código de Processo Penal; códigos de boa conduta administrativa e respetivo controlo; transparência nas compras e nomeações do Estado; investigações mais pequenas em vez de megaprocessos, etc. – e, no fim da linha, mais e melhores meios para a investigação e para os tribunais. Todos sabemos que apertar a torneira orçamental da Justiça sempre foi um bom último recurso para quem quis, quer, semear obstáculos ao desenvolvimento do país.

O dia 25 de Abril de 2020 seria um ótimo momento para assinalar como concluídos os trabalhos da futura comissão. Constituiria uma boa notícia que, 46 anos depois do golpe de Estado que devolveu Portugal a uma existência isenta de vergonha, se começasse, finalmente, a combater a pouca vergonha em que ‘isto’ se tornou.

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Principal arguido do processo Porta 18 sai em liberdade

Principal arguido do processo Porta 18 sai em liberdade

José Carriço, principal arguido do processo Porta 18, relacionado com tráfico de droga, está em liberdade condicional, após cumprir quatro anos e dois meses dos sete anos e oito meses a que foi …

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Menezes Leitão é o novo bastonário da Ordem dos Advogados

Menezes Leitão é o novo bastonário da Ordem dos Advogados

Menezes Leitão é o novo bastonário da Ordem dos Advogados, depois de vencer a segunda volta das eleições, que terminaram hoje, frente ao atual bastonário Guilherme Figueiredo, disse à Lusa fo…

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Registo dos donos efetivos das empresas volta a ser adiado

Registo dos donos efetivos das empresas volta a ser adiado

BRANQUEAMENTO DE CAPITAIS

Registo de donos efetivos das empresas não descola

O Governo vai simplificar o processo de declaração do beneficiário efetivo e prepara-se para adiar as consultas ao novo registo, que seriam obrigatórias após 1 de fevereiro. Empresas que ainda não declararam os seus beneficiários podem continuar a fazê-lo gratuitamente.

As entidades que não tenham apresentado a sua declaração de beneficiário efetivo no prazo legal que terminava a 30 de novembro poderão ainda fazê-lo de forma gratuita. Por outro lado, e em relação ao início das consultas obrigatórias ao registo – que a lei prevê que ocorra a 1 de fevereiro -, o Governo admite que “não é de afastar um eventual reajuste da data de consulta para momento posterior”, adiantou ao Negócios fonte oficial do Ministério da Justiça.

Entretanto, não haverá sanções.

O Registo Central do Beneficiário Efetivo (RCBE), recorde- -se, foi criado no âmbito da transposição da quarta diretiva comunitária sobre branqueamento de capitais e a ideia é, em nome da segurança e transparência das transações económicas, conhecer quem são de facto os donos das empresas. Estas estão obrigadas a registar-se e, posteriormente, quem com elas faça negócios deverá consultar o registo e, detetando irregularidades, comunicá-las às autoridades competentes.

O prazo para o registo já foi prorrogado por várias vezes, tendo terminado a31 de outubro para as empresas e a 30 de novembro para entidades como associações, fundações ou condomínios privados de elevado valor. O Ministério da Justiça decidiu, entretanto, manter a possibilidade de registo de forma gratuita, como vinha acontecendo até agora E também o prazo para o início das consultas ao RCBE, que por lei deveria ocorrer a partir de 1 de fevereiro, deverá vir aser alterado, de acordo com uma instrução publicada no site da Justiça. São invocadas, por um lado, as “limitações verificadas no processo de registo inicial” e, por outro, o facto de o próprio regime jurídico do beneficiário efetivo vir a ser alvo de alterações, na sequência da transposição para o ordenamento jurídico nacional da quinta diretiva europeia contra o branqueamento de capitais e que respeita à temática das criptomoedas.

Em declarações ao Negócios, Filomena Rosa, presidente do Instituto dos Registos e Notariado, prefere não falar em suspensão do processo do RCBE. “Não há uma suspensão, houve um prazo que foi fixado e entretanto temos uma diretiva para transpor”, sublinha. O que acontece é que Portugal tinha de transpor a diretiva até janeiro de 2020, mas neste momento ainda não entrou sequer a necessária proposta de lei no Parlamento. Tendo em conta todo o processo legislativo que terá de ser cumprido, será impossível ter tudo pronto a 1 de fevereiro. “Há toda uma tramitação no Parlamento que poderá pôr em risco os prazos”, admite a presidente do IRN. Nesse caso, “e tendo em conta que já estamos muito perto dessa data, é expectável um ajuste ao prazo de 1 de feverei roe estamos preparados para isso”. Entretanto, “não está a haver sanções porque não havendo consulta não há condições para as aplicar”, acrescenta a responsável.

Até a lei ser alterada não há coimas

Mas que mudanças quer o Governo fazer? Na sequência da transposição da quinta diretiva, “que envolverá alterações legais ao regime jurídico do RCBE”, o Gover no pretende “‘introduzir mecanismos de simplificação e a clarifica ção sobre alguns aspetos deste regime”, lê-se na nota do Ministério da Justiça. Filomena Rosa concretiza: “O que está pensado é limitaios dados que o declarante tem de dar, promovendo mais interconexão entre as bases de dados públicas.” Por outras palavras, a ideia é que “a informação que o Estado já tem não seja solicitada e não tenha de ser introduzida manualmente” por quem faz o registo.

Enquanto as alterações não chegam ao terreno, o Governo esclarece que se considera que “a consulta do RCBE, através da qual se comprovará a situação de incumprimento da obrigação declarativa de registo, suscetível de dar lugar à aplicação das sanções” só deverá “ser disponibilizada quando se mostrarem ultrapassados os condicionalismos à aplicação do regime jurídico, nomeadamente, a plena compreensão do seu âmbito de aplicação”.

Uma empresa que não tenha feito a declaração do beneficiário efetivo não poderá, nomeadamente, distribuir lucros, fazer contratos com o Estado ou comprar ou vender imóveis. Além disso, não poderá obter do Fisco uma declaração de como tem a sua situação fiscal regularizada Tudo isso está suspenso enquanto não houver consultas. E suspensas estarão também, aliás, as consultas obrigatórias ao registo, bem como as coimas para as entidades que, estando obrigadas a isso, não procedam à dita consulta.

A ministra da Justiça, Francisca Van Dunem, apresentou esta semana a sua “estratégia nacional, global e integrada de combate à corrupção”. Para o efeito, foi criado um grupo de trabalho que, com base num conjunto de ideias e objetivos previamente definidos, vai preparar propostas que depois serão avaliadas pelo Executivo e passadas a proposta de lei. Está em causa “essencialmente o aprofundar de mecanismos que já existem hoje”, explicou a ministra, que pretende “identificar algumas áreas de estrangulamento, que precisariam de afinamento, e, com um intervenção cirúrgica, melhorar a capacidade de resposta.

Só 60% das empresas, declararam os beneficiários

A 9 de dezembro o Registo Central do Beneficiário Efetivo (RCBE) contabilizava ura total de 427.323 entidades com declarações validadas, indicou ao Negócios fonte oficial do Ministério da Justiça. Na prática, e tendo em conta o universo potencial de entidades que devem constar no registo, estimado em 750 mil, só perto de 60% cumpriram já esta obrigação legal.

O processo iniciou-se em janeiro deste ano e, desde então, o prazo legal dado às empresas e demais entidades obrigadas a registo já foi prorrogado por duas vezes, tendo o último prazo oficial terminado em 30 de novembro.

Filomena Rosa, presidente do Instituto dos Registos e Notariado (IRN), desvaloriza os números.

Apesar de existir esse universo potencial, “não sabemos exatamente quantas são as entidades excluídas e dizer exatamente quantas são as obrigadas” a registo, explica. Se é certo que “nas sociedades comerciais sabemos exatamente as que estão vivas, nas associações e fundações não temos forma de saber as que entretanto deixaram já de ter atividade”.

Para a responsável do IRN, o balanço não deixa de ser positivo.

“Registámos uma adesão bastante continuada, mais intensa nos picos do prazo”, e além disso, tem havido muito interesse por parte das entidades abrangidas, como advogados ou solicitadores, frisa.

“Tendo em conta que é uma obrigação, não é propriamente um serviço, acho que a adesão tem sido bastante regular.”

Ainda assim, e apesar de insistir que os números não são de molde a deixar pessimismo, Filomena Rosa admite que “haverá ainda um caminho a percorrer, designadamente saber e compreender qual é efetivamente o universo” de entidades que há de integrar o RCBE.

Neste momento, o Ministério da Justiça deu ordens para que as empresas continuem a fazer o registo de forma gratuita, sem a cobrança dos emolumentos que estavam previstos aplicar depois do final do prazo legal. FL

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