Aviso de Marcelo: será preciso “encarar” desigualdade salarial entre juizes e muitos outros
Presidência Maria Lopes
Presidente promulgou estatuto dos juizes que lhes permite aumentos de 700 euros e ultrapassar salário do primeiro-ministro
Marcelo Rebelo de Sousa promulgou na terça-feira o novo Estatuto dos Magistrados Judiciais que permite que os juizes ganhem mais do que o primeiro-ministro, mas deixou críticas à “multiplicação de responsáveis públicos” com salário acima do do chefe do Governo e ao aumento da “desigualdade de tratamento” em relação às Forças Armadas e às forças de segurança.
As alterações às remunerações aprovadas no novo estatuto implicam que os mais beneficiados sejam os magistrados dos tribunais superiores e farão com que, por exemplo, os juízes-conselheiros vejam o salário bruto aumentar cerca de 700 euros. O Presidente somou ainda um aviso: pretende que essa desigualdade seja “encarada” (isto é, resolvida) pelo próximo executivo.
O PS propôs que se acabasse, para os juizes, com o tecto máximo que impede os titulares dos órgãos de soberania de ganhar mais do que o primeiro-ministro. 0 novo estatuto foi aprovado no final de Maio com os votos a favor do PS, CDS, PCP e PEV e a mesma proposta foi depois incluída no Estatuto do Ministério Público para os procuradores, no âmbito do princípio de paridade entre as duas magistraturas – diploma que deve estar a chegar a Belém.
Na nota publicada no site da Presidência, o chefe de Estado lembra que “desde 1990 que os escalões mais elevados da carreira da magistratura judicial recebem vencimentos de base mais elevados que o do primeiro-ministro” e acrescenta que com este novo estatuto “alarga-se e acentua-se essa disparidade”. Marcelo Rebelo de Sousa afirma que “se compreende e aceita” esta intenção da Assembleia da República de “valorização, em termos absolutos, da magistratura judicial” e por isso promulga o diploma.
Porém, “chama a atenção” para dois “factores” que considera que têm de ser alvo de “ponderação global e inadiável” e diz mesmo acreditar que serão encarados na próxima legislatura, num óbvio recado para o futuro Governo. Salienta a “multiplicação de responsáveis públicos com vencimento de base superior ao do primeiroministro, indo de autoridades reguladoras e de supervisão a entidades públicas empresariais e empresas públicas, passando por outras entidades administrativas”. Considera o outro factor a corrigir “ainda mais complexo”: refere-se ao “acentuar da desigualdade de tratamento em relação a outras carreiras com mais evidentes afinidades, nomeadamente a das Forças Armadas [de que é o comandante supremo] e as das forças de segurança”.
Caderno de encargos
“Certamente que tal desigualdade virá a ser encarada na próxima legislatura”, assinala o Presidente, definindo um caderno de encargos para o próximo executivo e afirmando que é essa “convicção” e a “relevância da valorização, em termos absolutos, da Justiça, e daqueles que a servem” que o levam a promulgar a revisão do Estatuto dos Magistrados Judiciais.
Os recados do Presidente numa maratona de 19 promulgações de decretos do Parlamento (além de outros seis do Governo) não se ficam por aqui. Ao dar o seu aval ao novo Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais considerou que as medidas são ainda “insuficientes” para resolver o problema do número de processos pendentes na Justiça.
Promulgando o diploma que alarga a gratuitidade dos manuais escolares a toda a escolaridade obrigatória, Marcelo disse esperar que o novo regime “seja sustentável em termos editoriais, sem quebra de qualidade” talveztendo em mente que a verba prevista nos orçamentos tem ficado aquém do necessário.
Sobre a Lei de Bases da Habitação o Presidente admitiu ter “dúvidas quer quanto à possível concretização das elevadas expectativas suscitadas, quer quanto à porventura excessiva especificação” para uma lei de bases (que deve conter apenas princípios gerais), mas subscreveu-a “atendendo ao seu significado simbólico volvidas décadas de regime democrático”.
Sobre o Estatuto do Cuidador Informal louvou a “importância cívica e social” do diploma e a “unanimidade” com que foi aprovado e disse esperar que seja “o início do caminho e não o seu termo”, para que quem cuida dos outros e quem é objecto de cuidados venha a ter mais apoios.
Entre os outros temas promulgados estão o fim do uso da loiça de plástico descartável, assim como dos sacos de plástico ultraleves e cuvetes na venda de pão, frutas e legumes; os mecanismos de regularização de dívidas de propinas no ensino superior; o regime de avaliação do ensino superior; o mandado de detenção europeu; o fim do prazo internupcial (para voltar a casar-se depois do divórcio ou de viuvez); o regime de desenvolvimento do ecoturismo; a estruturação fundiária; os novos valores para o subsídio social de mobilidade para os habitantes da Madeira para o continente e para os Açores, que passam a pagar, respectivamente, 86 e 65 euros nas tarifas aéreas nessas deslocações.
Nos próximos dias chegarão a Belém diplomas que já foram publicados no Diário da Assembleia da República (DAR), como a chamada P’ei dos primos”, que regula a nomeação de familiares para cargos políticos ou públicos, as novas regras antidopagem no desporto, o fim a dar às beatas de tabaco e respectivas multas, ou a autonomia financeira dos hospitais.
A Lei de Bases da Saúde ainda não foi publicada em DAR e é o diploma sobre o qual recaem mais dúvidas acerca da posição do Presidente, depois dos seus avisos sobre um consenso amplo e a necessidade de “sensatez” das escolhas políticas sobre a participação do sector privado.