Arquivo de Notícias do dia - SMMP - Sindicato dos Magistrados do Ministério Público

PSP deu a chave ao polícia ladrão

08/11/2019

PSP deu a chave ao polícia ladrão

CHOQUE O Único com a chave à mão e a operar o sistema informático de entrada e saída das armas CRIME © Furtou 55 Glock 19 e entregou-as a amigos (dois do caso Tancos) que vendiam a

SÉRGIO A. VITORINO/

/JOÃO C. RODRIGUES

Luís Gaiba trabalhou no armeiro da Direção Nacional da PSP entre 9 de novembro de 2015 e 3 de fevereiro de 2017.0 polícia erao responsável pela casa-forte das armas não distribuídas. Tinha uma das três chaves existentes. A sua primeira missão foi fazer inventário. Detetou a falta (por erro informático) de três pistolas, que afinal estavam nos serviços sociais da PSP. Percebeu logo ali a facilidade em furtar armas do local: controlo frágil, registo desatualizado e não fiscalizado e dispersão das chaves “sem protocolo de acesso” (as outras duas estavam em chaveiros).

Usou todas essas fragilidades para furtar, ao longo desse ano e meio, 55 pistolas Glockl9.Crime que escondeu, uma vez que era ele quem registava informaticamente as entradas e saídas de armas, conta a acusação do Ministério Público com 12 arguidos – dois deles também acusados no furto aos paióis de Tancos – pelos crimes de associação criminosa, tráfico de armas e droga e branqueamento.

O plano de Luís Gaiba teve, conta a acusação, quatro momentos. Primeiro, denunciou fragilidades, por email, ao seu diretor. Isso iria “afastar de si possíveis suspeitas “. Segundo, escolheu as Glock não distri

buídas, logo fáceis de retirar e sem risco de que viessem a ser requisitadas por polícias. Terceiro, contactou com pessoas que lhe comprassem as pistolas.

Quarto, avançou com o furto faseado das armas e entregou- -as aos traficantes, que depois dividiam o dinheiro com Gaiba.

O MP, com base na investigação da própria PSP, descreve que Luís Gaiba era o cabecilha do grupo que formou coma sua mulher, António Laranginha e João Paulino. Estes dois, agora em preventiva no processo de Tancos, arregimentaram três homens. “Concertadamente, de forma estruturada”, Laranginha recebia as pistolas de Gaiba e vendia-as diretamente Ou entregava aos restantes para o fazerem. Todos os compradores, também acusados, dedicavam-se “à compra e venda de armas e de heroína, cocaína e haxixe “. Têm cadastro em Portugal e Espanha.

Cada Glockl9 rendeu entre 1000 e 2800 euros. Nas buscas, em dezembro de 2018, a PSP apreendeu droga e dezenas de espingardas e caçadeiras. •

NOTÍCIA EXCLUSIVA CORREIO

DA EDIÇÃO EM PAPEL

SAIBA MAIS

22 473,62 euros. Valor atribuído pelo MP ao conjunto das 55 pistolas Glock 19, calibre 9 mm, furtadas do armeiro da Direção Nacional da PSP. MP quer que Luís Gaiba indemnize o Estado nesse valor.

Candidato a universidade

Luís Gaiba,, em preventiva na cadeia de Évora, está na lista de candidatos admitidos a exame de Português na Universidade Aberta, que fará terça-feira na prisão. 0 MP acusa-o de peculato, associação criminosa, tráfico de armas e branqueamento e pede a proibição de funções.

MP lista todas as armas

0 MP, na acusação a que o CM teve acesso, lista os números de série das 55 pistolas, atribuindo a cada uma o valor de 373,35 6,367,208 ou 385,79

ARROMBAMENTO | MP ARQUIVA

Luís Gaiba chegou a denunciar um suposto arrombamento, por desconhecidos, do seu cacifo, de onde teria sido levada uma Glock19, uma WaltherP22,150 munições e 800 euros em notas de 20. Foi investigado por simulação de crime, mas o Ministério Público mandou agora arquivar o caso. .

B Manuel Neves, dono de um aviário de Ansião, com contactos no mercado negro de armas da Guiné-Bissau, deu cabo do negócio. Laranginha e Paulino queriam que levasse sete pistolas para vender a 1100 €/cada, e o ligou a Paulo Lemos (‘Fechaduras’ , de Tancos), que contou à PSP. Mas Neves ainda mandou munições em contentores de ovos. •

COLEGA | INDÍCIOS INSUFICIENTES

O agente da PSP que trabalhava com Luís Gaiba no armeiro também foi arguido pelo desvio das pistolas e venda a traficantes de droga e armas – entre 1000 € e 2800 Disse não ter notado falta de armas e que era Gaiba quem fazia os registos. 0 MP diz não ter encontrado indícios suficientes para o acusar.

PISTOLAS KIT COMPLETO

AS 55 ARMAS FURTADAS À PSP ESTAVAM EM MALAS DE TRANSPORTE PRÓPRIAS, CADA UMA COM A PISTOLA, DOIS CARREGADORES, MANUAIS E ESTOJO DE LIMPEZA.

ARMEIRO | SUSPEITO DE DISTRIBUIR

Um armeiro de Almada foi investigado no processo por suspeita de ajudar Luís Gaiba a esconder e vender a terceiros as pistolas Glock furtadas da PSP. Esse armeiro foi apanhado numa escuta a queixar-se de ter sido “entalado duas vezes em negócios manhosos” por Gaiba. Após várias diligências, as suspeitas foram arquivadas.

Pistolas estavam com traficantes

? Quatro pistolas foram recuperadas cm 2017 em Pamplona (Espanha) a traficantes com 6,5 toneladas de haxixe. No mesmo ano, no Porto, outra. E em 2018, em Odivelas, mais três.

110 mil euros em mala de senhora

? O empresário do aviário guardava, numa mala de viagem, 1400 euros (moeda guineense) e 110 mil euros numa mala de senhora em cima da máquina de lavar. Ele a mulher declaram 45 mil euros/ano.

Armas que eram para a Guiné deram cabo do esquema

B Manuel Neves, dono de um aviário de Ansião, com contactos no mercado negro de armas da Guiné-Bissau, deu cabo do negócio. Laranginha e Paulino queriam que levasse sete pistolas para vender a 1100 €/cada, e o ligou a Paulo Lemos (‘Fechaduras’ , de Tancos), que contou à PSP. Mas Neves ainda mandou munições em contentores de ovos. •

CASADO E DO TRAMAGAL, É POLÍCIA DESDE 2002

? Luís Gaiba tem 40 anos, é casado e tem origens no Tramagal, Abrantes. Residia em Mafra e está em preventiva na cadeia de Évora. Na PSP desde 2002, é da Associação Internacional de Polícias. •

MULHER ESTETICISTA TAMBÉM ESTÁ ACUSADA

B A mulher de Gaiba, uma esteticista de nacionalidade brasileira, também está acusada.

Encontra-se em liberdade e vai responder por branqueamento, tráfico e mediação de armas e associação criminosa. •

COMPRARAM AUDI POR 7000 EUROS

? Em maio de 2016, Luís Gaiba e a mulher compraram um Audi A6 AU Road por 7 mil euros, no Montijo. O Ministério Público diz que foi para “mascarar” a “origem ilícita” do dinheiro.

“Papelões”, “cópias”, e “duas daquelas grandes” eram códigos

OPERACIONAL © João Paulino, acusado no de paióis, vendeu pelo menos 9 pistolas de Gaiba

? Luís Gaiba e António Laranginha, de 40 anos, comunicavam ao telefone por códigos.

“Papéis”, “fotocópias”, “cópias”, “papelões”, “duas daquelas grandes”, “carregadores Samsung”, “emprestei três carregadores”, “não me consegues trazer uma com carregador”, “era para deixar os papéis”, “guias de marcha”, “passas aqui para jantar” e “jantas hoje” foram expressões descobertas pela PSP para as pistolas, carregadores, dinheiro da venda ou convite para recolha das armas.

Laranginha, com outro dos arguidos, falou em “peça”, “experimentar aquilo hoje”, “serviu, tudo, não há nada par a trocar “‘, “tens de ligar de uma cabine”, “agora vou tratar desta menina”. António Laranginha foi apanhado pela investigação, em abril de 2016, a pedirá mulher de Luís Gaiba um encontro junto ao Convento de Mafra e que ela levasse “um saquinho” para recolher “o dinheiro que havia conseguido da venda de um número apurado pistolas” \T Perante nao inferior a 7 mil euros “. Gaiba entregou a João Paulino, ex-fuzileiro, três pistolas que este vendeu em Albufeira, no verão de 2016. E outras seis que despachou no Porto, por 1800 a 2800 euros, dizendo que “arranjava mais se fosse preciso “. • COLEGA | INDÍCIOS PISTOLAS KIT COMPLETO ARMEIRO | SUSPEITO DE AS 55 ARMAS FURTADAS À PSP O agente da PSP que trabalhava com Luís Um armeiro de Almada foi investigado no pro- Gaiba no armeiro também foi arguido pelo cesso por suspeita de ajudar Luís Gaiba a es- ESTAVAM EM MALAS DE desvio das pistolas e venda a traficantes de conder e vender a terceiros as pistolas Glock furta- TRANSPORTE PRÓPRIAS, CADA droga e armas – entre 1000 € e 2800 das da PSP. Esse armeiro foi apanhado numa escu- UMA COM A PISTOLA, DOIS ta a queixar-se de ter sido “entalado duas vezes em Disse não ter notado falta de armas e que era CARREGADORES, MANUAIS Gaiba quem fazia os registos. 0 MP diz não ter negócios manhosos” por Gaiba. Após várias diligências, as suspeitas foram arquivadas. encontrado indícios suficientes para o acusar. E ESTOJO DE LIMPEZA.

“Papelões”, “cópias”, Pistolas estavam com traficantes e “duas daquelas ? Quatro pistolas foram recuperadas cm 2017 em Pamplona (Espanha) a tragrandes” eram códigos ficantes com 6,5 toneladas de haxixe. No mesmo ano, OPERACIONAL © João Paulino, acusado no no Porto, outra. E em 2018, em Odivelas, mais três. de paióis, vendeu pelo menos 9 pistolas de Gaiba

Policia recuperou pistolas

110 mil euros em mala de senhora ? O empresário do aviário guardava, numa mala de viagem, 1400 euros (moeda guineense) e 110 mil euros numa mala de senhora CI Munições 9 mm furtadas dos paióis em cima da máquina de lavar. Ele a mulher declaram de Tancosnunca fo- 45 mil euros/ano. ram recuperadas e podem municiar as pistolas Glock O João Paulino Armas que eram para a Guiné deram cabo do esquema tem 33 anos e está em preventiva. Foi B Manuel Neves, dono de um um dos operacionais aviário de Ansião, com condo golpe de Tancos tactos no mercado negro de ? Luís Gaiba e António Laranarmas da Guiné-Bissau, deu car “‘, “tens de ligar de uma cacabo do negócio. Laranginha ginha, de 40 anos, comunicabine”, “agora vou tratar desta e Paulino queriam que levasvam ao telefone por códigos. menina”. António Laranginha se sete pistolas para vender a “Papéis”, “fotocópias”, “cófoi apanhado pela investigação, 1100 €/cada, e o pias”, “papelões”, “duas daem abril de 2016, a pedirá muligou a Paulo Lemos (‘Fechalher de Luís Gaiba um encontro quelas grandes”, “carregadores duras’ , de Tancos), que con- Samsung”, “emprestei três junto ao Convento de Mafra e tou à PSP. Mas Neves ainda carregadores”, “nãome conseque ela levasse “um saquinho” mandou munições em conpara recolher “o dinheiro que gues trazer uma com carregatentores de ovos. • Armas estavam paradas na PSP dor”, “era para deixar os pahavia conseguido da venda de um número péis”, “guias JOÃO PAULINO não apurado de marcha”, “passas aqui VENDEU PELO MENOS de pistolas” MULHER ESTETICISTA CASADO E DO TRAMAGAL, COMPRARAM para jantar” e NOVE DAS PISTOLAS ^°\T PeÉ POLÍCIA DESDE 2002 TAMBÉM ESTÁ ACUSADA AUDI POR 7000 EUROS rante nao in- “jantas hoje” ? Luís Gaiba tem 40 anos, é B A mulher de Gaiba, uma es- ? Em maio de 2016, Luís Gaiferior a 7 mil euros “. Gaiba enforam expressões descobertas teticista de nacionalidade bracasado e tem origens no Traba e a mulher compraram um pela PSP para as pistolas, carretregou a João Paulino, ex-fuzisileira, também está acusada. magal, Abrantes. Residia em Audi A6 AU Road por 7 mil eugadores, dinheiro da venda ou leiro, três pistolas que este ven- Encontra-se em liberdade e vai Mafra e está em preventiva na ros, no Montijo. O Ministério deu em Albufeira, no verão de convite para recolha das armas. cadeia de Évora. Na PSP desde responder por branqueamento, Público diz que foi para “mas- Laranginha, com outro dos 2016. E outras seis que despa- 2002, é da Associação Intertráfico e mediação de armas e carar” a “origem ilícita” do diarguidos, falou em “peça”, “exchou no Porto, por 1800 a 2800 nacional de Polícias. • nheiro. associação criminosa. • perimentar aquilo hoje”, “sereuros, dizendo que “arranjava viu, tudo, não há nada par a tromais se fosse preciso “. •

Web Summit tem muitos voluntários? No país há quase 700 mil

08/11/2019

Web Summit tem muitos voluntários? No país há quase 700 mil

Os 2.700 voluntários do Web Summit fazem correr muita tinta todos os anos, mas são apenas uma pequena fatia do total nacional. Este ano, até António Costa e Marcelo Rebelo de Sousa comentara…

Supremo brasileiro anula prisão em segunda instância e Lula poderá ser libertado

08/11/2019

Supremo brasileiro anula prisão em segunda instância e Lula poderá ser libertado

O Supremo Tribunal Federal (STF) brasileiro anulou a possibilidade de prisão de condenados em segunda instância, alterando um entendimento adotado desde 2016.

O Supr…

07/11/2019

Cinco anos sem culpados

Legionela em Vila Franca. Cinco anos à espera de justiça

A 7 de novembro de 2014 soaram os alarmes do que viria a ser um dos maiores surtos de legionela a nível mundial. Acusação contra ADP e General Electric só abrangeu 73 vítimas.

Associação vai avançar com ação contra o Estado por falhas na investigação.

MARTA F. REIS (Texto)

Joaquim Ramos continua a conduzir o autocarro pela N10. A doença deixou sequelas e as emoções à flor da pele. Nos primeiros meses, os ataques de tosse eram tão violentos que o motorista, hoje com 48 anos, tinha de encostar a camioneta. “Não conseguia ver de tanto tossir”. Agora é um ardor no peito que vem às vezes, a falta de ar que o obriga a usar a bomba. E o receio que o tempo não levou. “Quando passo ao pé da fábrica, fecho a janela”, diz. “Vivo aqui há 30 anos, tenho aqui os meus filhos. São momentos que nunca mais esquecemos. Nós e quem os viveu connosco”.

Sete de novembro de 2014. Foi o dia em que soaram os alarmes do que viria a ser um dos maiores surtos de legionela a nível mundial, com 403 casos de doença dos legionários centrados em Vila Franca de Xira, dos quais 377 confirmados e 26 considerados casos prováveis. No espaço de 24 horas tinham dado entrada no Hospital de Vila Franca e no Hospital de Loures 18 casos de pneumonia causada por legionela, em particular das freguesias de Póvoa de Santa Iria e Forte da Casa e Vialonga. Doze pessoas morreram.

Cinco anos depois, Joaquim, que em 2017 fundou a Associação de Apoio às Vítimas do Surto de Legionela de Vila Franca de Xira, admite que não esperava que a justiça tardasse tanto. E que se vissem chegados a um ponto em que a acusação do Ministério Público acabou por só incluir 73 vítimas: para as outras, as análises feitas, e as que não foram feitas, e os resultados das amostras ambientais não foram conclusivos e não foi encontrado nexo de causalidade. Restou a incerteza e as marcas com que ficaram.

A fase de instrução do processo arranca no próximo dia 20, no Tribunal de Instrução Criminal de Loures, com sete quadros das empresas Adubos de Portugal e da General Electric (hoje SUEZ II), contratada para a manutenção das torres de arrefecimento da fábrica, acusados dos crimes de infração das regras de construção e ofensas à integridade física, e as duas empresas do crime de infração de regras de construção, por omissões na limpeza das torres de onde foram retiradas amostras da estirpe de legionela que coincidiu com algumas das vítimas.

Para as outras, e para os que não tinham apresentado queixa, o processo acabou com um arquivamento parcial. Os requerimentos de alguns para a abertura de instrução foram recusados. Perante as portas que se foram fechando, a associação vai avançar agora com uma ação contra o Estado por falhas na investigação, um processo que dá entrada esta semana no Tribunal de Vila Franca de Xira. “É um último recurso”, diz Joaquim, que em maio deixou a presidência da associação, liderada agora por Nuno Silva, também ele uma das vítimas do surto de legionela que não entra no “grupo da estirpe”, ou seja, os 73 casos que coincidiram com a estirpe ST1905 da bactéria Legionella pnewnophila sgl, detetada na água do 8.° circuito de arrefecimento da fábrica de adubos.

“A PRIMEIRA FALHA FOI DO ESTADO” Há cansaço e uma sensação de abandono, admitem. “A primeira falha foi do Estado, quando deixou de exigir auditorias à qualidade do ar. E depois, na investigação, tudo correu mal”, diz Joaquim.

“Se o Estado não falhasse na investigação, as diferentes entidades, a maioria das vítimas não tinham sido excluídas da acusação do Ministério Público”, acredita.

Na altura, em pleno surto e com as diligências ainda em curso, o então ministro do Ambiente, Jorge Moreira da Silva, chegou a falar da “eventualidade de um crime ambiental”, mas essa acusação acabou por não se consolidar na investigação. Apesar de haver normas para o controlo de legionela, havia um vazio na lei. “Não existe no ordenamento jurídico vigente qualquer disposição legal, regulamentar ou obrigação imposta por autoridade competente em conformidade com essas disposições que preveja a Legionella, de forma quantificada, como fonte de poluição”, lê-se no relatório da acusação, conhecida em março de 2017.

UM “TEATRO DE GUERRA” NO HOSPITAL

Têm pontos em comum os casos de Joaquim e Nuno e ajudam a recuperar imagens daqueles dias de novembro de 2014.

Não eram de ir ao médico e, quando os sintomas apareceram, não valorizaram logo. Joaquim começou a sentir-se mal a uma segunda-feira. “Comecei a tossir, cheio de calor, cheio de frio”.

Pensou que fosse uma gripe, o paracetamol não funcionou. No dia 5 de novembro foi ao Hospital de Vila Franca de Xira Disseram-lhe que tinha uma pneumonia e veio para casa medicado. Tentou regressar ao trabalho no final da semana, mas não conseguiu. Na sexta-feira surgiram as primeiras notícias sobre o surto de legionela, mas não fez ligação, nunca tinha ouvido falar na bactéria.

Também não o chamaram do hospital.

“Logo aí, se calhar houve uma falha”, diz.

No domingo à noite, quando ligou para a Saúde 24, mal conseguia respirar. “Foi até à última. Quando lá cheguei parecia um teatro de guerra, tudo cheio de macas”, recorda. A preocupação era tratar os doentes e não se interrogou sobre se as análises estavam ou não a ser feitas. De manhã, foi um dos doentes enviados para São Francisco Xavier, em estado grave, sem certezas sobre se se safaria. “Quando a minha mulher me ia ver, não sabia o que ia acontecer. Foi doloroso para muitas pessoas, para muitas famílias”. Esteve dez dias internado e depois de baixa.

Nuno esteve dez dias em coma no Hospital Beatriz Angelo, em Loures.

Era técnico de higiene, segurança e medicina do trabalho e, apesar de viver em Odivelas, estava a trabalhar naquela zona. Como outras vítimas, pensase que terá sido nas deslocações que inalou as gotículas de água com legionela. Também se começou a sentir mal na segunda e só no final da semana, depois de se sentir a cair no banho, decidiu ir ao hospital pelo próprio pé.

Perdeu os sentidos ao chegar. Entre as sequelas, ficou com um enfisema de 4 centímetros num pulmão e com problemas psicológicos. Ia ser promovido na empresa onde trabalhava e as expetativas vieram todas por água abaixo, sem justificações nem responsáveis.

Voltou a trabalhar há um ano, depois de quase quatro anos de baixa, mas algumas limitações são para sempre: não pode, por exemplo, fazer viagens de avião de longo curso.

Encontramo-nos na sede da associação, um espaço cedido pela autarquia num rés-do-chão de um prédio do Forte da Casa, onde vão analisando os próximos passos, num processo em que a certa altura se instalou o desânimo. “Nas primeiras reuniões enchemos duas salas.

Depois, a certa altura, as pessoas não tinham recursos para avançar para tribunal. O apoio jurídico da Segurança Social é para pessoas com rendimentos muito baixos. Estamos a falar de pessoas com trabalho, rendimentos, mas que não conseguem suportar anos de advogados e custas na justiça. O MP levou quase

continua na página seguinte três anos a fazer a acusação e a questão do nexo de causalidade fez com que muitas pessoas achassem que não valia a pena continuarem”.

Às vítimas para as quais foi estabelecida relação com a estirpe da bactéria detetada na fábrica, as empresas têm proposto acordos para indemnização que, segundo a informação que chega à associação, rondam os 8 mil euros. A alguns do grupo que tinha avançado com o requerimento de abertura de instrução chegou a ser proposto 3 mil euros. Nem todos receberam ainda os valores. No final de setembro, de acordo com a agência Lusa, as empresas tinham chegado a acordo com 32 das 73 vítimas.

Maria Manuel também fazia parte do grupo que avançou com o requerimento para abertura de instrução, mas não recebeu qualquer proposta de indemnização e o processo foi arquivado. Hoje vice-presidente da associação, nunca quis baixar os braços numa luta pela mãe, que passou os últimos quatro anos de vida em sofrimento, com aspirações diárias das secreções, entre o lar e o hospital. Ana tinha 87 anos quando foi apanhada pela legionela, fazia a vida sem muitas limitações apesar da idade, com ocupações no centro de dia. Nunca recuperou. “Não morreu naquele dia, mas sofreu muito e eu com ela”.

“Alguns aceitam o dinheiro, outros não aceitam, não temos nada a dizer sobre isso. A minha expetativa é que possa haver justiça para todos e que o Estado seja também responsabilizado”, diz Joaquim, recordando, por exemplo, a lei que tinha sido alterada no final de 2013 e que pusera fim às auditorias obrigatórias à qualidade do ar, uma obrigação entretanto restabelecida na lei em 2017.

SÓ 152 DOENTES COM AMOSTRAS RESPI- RATÓRIAS São vários os pontos no relatório do Ministério Público que lhes deixam dúvidas, como o tipo de análises que foram feitas e a falta de uniformidade nos procedimentos seguidos. Apesar de o balanço oficial do surto ter apontado para cerca de 400 casos, só foram enviadas para o Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (INSA) 152 amostras respiratórias de doentes, algo justificado, por exemplo, com a inviabilidade de recolha de secreções. Mas, mesmo nestas, só em 77 foi possível caracterizar a estirpe da bactéria, devido a interferentes, refere o relatório do MP, nomeadamente os medicamentos tomados pelos doentes antes da recolha. Também nas diferentes amostras ambientais recolhidas noutras fábricas da zona e na rede de água pública houve outros resultados positivos para legionela além da torre da ADP, mas nem todas as amostras permitiram caracterizar a estirpe da bactéria e o MP considerou não ser possível apurar nexo de causalidade. O uso de desinfetantes em pleno surto é outra dúvida, assim como o caso de dois doentes em que a informação do INSA e da DGS não coincidem.

Joaquim Ramos lamenta que só a autarquia e os “partidos mais pequenos” tenham mantido o interesse no surto e que nunca tenham sido recebidos pelo Presidente da República. Hoje, questiona se não se poderia ter equacionado um mecanismo de indemnização extrajudicial para todos, independentemente de quem viesse a ser responsabilizado, como viram acontecer nos incêndios. “Quando o surto acabou, já não havia mediatismo, ficámos abandonados. Nos incêndios de Pedrógão Grande houve milhões em ajudas, e bem, aqui, a associação teve algum apoio da câmara e da junta de freguesia, mas nada mais. Muitas das vítimas não tiveram qualquer apoio até hoje”.

Entre os casos que têm seguido na associação há quem tenha ficado com limitações graves e ou deixado de trabalhar, além das vidas que se perderam. Nuno nota uma coincidência: em novembro de 2014, a detenção de José Sócrates acabou por dominar a atualidade, o que viram repetir-se nos últimos dias. Mas esperam que a fase de instrução chame de novo atenção para o que viveram.

O céu está carregado como naqueles dias de novembro de 2014, mas há algumas abertas entre os aguaceiros. Na Rua da Liberdade, no Forte da Casa, a legionela afetou mais de cem pessoas, diz Joaquim. “Se o vento estivesse para o lado do rio, se calhar não acontecia nada Mas foi tudo junto: a legionela nas torres, o vento nesta direção e muita humidade naqueles dias, o que facilitou a propagação da bactéria. De alguma forma, acabou por se concentrar aqui”.

Na Mercearia Jokey, a meio da rua, Rute e Renata Pinheiro, mãe e filha, dizem que não há como esquecer aqueles dias.

‘Durante algum tempo, as pessoas tinham terror de vir cá, ficámos com um terço do movimento”. Não passaram a viver com mais medo, mas há uma sensibilização diferente. “Sempre vivemos e trabalhámos aqui, não temos para onde ir”.

A vida continuou, mas as sequelas dos muitos que foram afetados são conhecidas dos vizinhos. Assim como a espera por justiça. Na rua, lembra-se que chegou a circular um abaixo-assinado pela saída da fábrica ADP, que esteve nos cafés e na papelaria. Para Joaquim, não é isso que está em causa. “A fabrica faz falta, são 400 trabalhadores, a maioria daqui.

O que queremos é que a empresa tenha boas práticas ambientais. Esta e todas.

E que o Estado fiscalize e garanta minimamente a segurança. Não queremos mal à empresa. Como achamos que a empresa não quis mal à gente. Aconteceu por negligência, por medidas economicistas. Seja pelo que for, tem de haver responsabilização e a nossa luta é para que não torne a acontecer”.