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A “inimiga n.º1” do Governo Bolsonaro fugiu para Portugal
Cleuzenir Barbosa explica como denunciou esquema de corrupção no partido do novo Presidente Mundo, 30/31
Como uma professora reformada criou a primeira crise a Bolsonaro
Cleuzenir Barbosa foi candidata a deputada estadual pelo partido de Bolsonaro, o PSL, que a tentou usar para desviar dinheiro público. Sob ameaças do assessor de um ministro, fugiu para Portugal, onde procura protecção
João Ruela Ribeiro
A certa altura, uma arma é posta em cima da mesa à volta da qual estão reunidos assessores e candidatos do Partido Social Liberal (PSL), que preparam as eleições em Minas Gerais. Cleuzenir Barbosa, uma professora primária reformada, candidata a deputada estadual pelo partido, era uma das presentes. Naquela altura, a professora de 47 anos estava longe de prever que dali a alguns meses iria estar no olho do furacão de um escândalo que já fez cair um ministro e ameaça outro – para além de constituir um duro golpe nas promessas de moralidade propagadas por Jair Bolsonaro durante a campanha que o pôs na Presidência do Brasil.
Cleuzenir foi uma das candidatas que o PSL, de extrema-direita, queria usar para desviar financiamento público através de um esquema que foi revelado nas últimas semanas pelo jornal Folha de S. Paulo.
Segundo as acusações, que estão a ser investigadas pelo Ministério Público, o partido pelo qual concorreu Bolsonaro escolheu várias candidatas a deputadas sem o verdadeiro objectivo de as eleger ou de que fizessem uma campanha efectiva. A sua única finalidade seria cumprir uma determinação da lei eleitoral que obriga a que 30% do financiamento público eleitoral seja concedido a candidatas do sexo feminino, como forma de promover a maior participação de mulheres na política. Assim que o financiamento fosse concedido, as candidatas canalizariam parte desse montante para outros candidatos de maior relevo.
Para o professor do Departamento de Ciência Política da Universidade de Campinas, Oswaldo Amaral, uma das chaves para perceber se uma candidatura é fictícia é a correlação entre financiamento e votos. “Se há uma pessoa que tenha recebido 400 mil reais (93 mil euros) e teve mil votos, obviamente que não usou esses 400 mil na campanha. Ou repassou para outra pessoa fazer campanha, ou usou esse dinheiro público para enriquecer alguém”, diz ao PÚBLICO.
O escândalo foi um dos responsáveis pela demissão, esta semana, do ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Gustavo Bebianno, que era líder nacional do PSL durante as eleições e um dos homens de confiança de Bolsonaro. Mas o caso das “candidatas-laranja”, como são designadas no Brasil, envolve também o ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, que era o líder do partido em Minas Gerais.
Ontem, o ministro pediu para as investigações que o envolvem serem transferidas para o Supremo Tribunal Federal (STF), invocando o foro privilegiado, uma imunidade que alguns detentores de cargos públicos têm para serem julgados apenas pela instância superior.
Pelos “bons costumes”
É aqui que entra Cleuzenir, que vive em Portugal desde o final do ano passado e contou ao PÚBLICO como de professora aposentada passou a “inimiga número um” do Governo de Bolsonaro. Era na cidade de Governador Valadares, a 300 quilómetros de Belo Horizonte, que a professora era conhecida por ser empenhada em várias acções de cariz social, como cuidar de idosos ou ajudar os mais pobres. “Vim de uma família que sempre fez o bem sem olhar a quem”, explica.
Depois de ser diagnosticada com uma artrite reumatóide, viu- -se obrigada a abandonar a carreira de professora primária e a reformar-se. Diz ter recebido vários convites para participar em eleições, mas nunca os aceitou. Até aparecer o PSL de Bolsonaro, em meados do ano passado.
Descrevendo-se como uma pessoa “de direita”, Cleuzenir diz que apreciou algumas das propostas do ex-capitão do Exército, sobretudo as promessas de “ordem, ética, moral e bons costumes”. O Brasil, diz, precisava de “um puxãozinho de orelha” depois das ondas de choque causadas pela operação anticorrupção Lava-Jato e pelo clima de insegurança generalizada.
Foi convidada a apresentar uma candidatura a deputada estadual por Minas Gerais, incluída na “chapa” do candidato a deputado federal, Marcelo Álvaro Antônio.
Em Abril foi recebida em Brasília por Bolsonaro, onde até gravou um vídeo de apoio. Garante ter sido “muito bem recebida” pelo então deputado federal e candidato à presidência. “Até então, tudo estava dentro daquilo que eu esperava da política”.
“A casa caiu”
O rumo da campanha de Cleuzenir começou a mudar quando o financiamento público entrou em cena.
Em 2015, o STF decidiu proibir as doações empresariais para partidos. Para contornar a ausência dessa fonte de financiamento, foi criado um fundo eleitoral público para ser dividido entre os partidos consoante o número de eleitos nas várias legislaturas, que nas eleições do ano passado ascendeu a 1,71 mil milhões de reais (400 milhões de euros). Deste fundo, 30% tinha de ser obrigatoriamente distribuído por candidatas do sexo feminino.
A par do fundo eleitoral, os partidos puderam continuar a receber doações individuais ou do próprio candidato e do chamado fundo partidário, outro fundo de dinheiro público.
Durante as reuniões que foi tendo com os assessores de Marcelo Antônio, Cleuzenir foi recebendo indicações diferentes quanto à proveniência de verbas que iria receber. Inicialmente foi-lhe dito que seriam depositados 50 mil reais (11 mil euros) de uma doação feita pela mãe do candidato a deputado, mas, mais tarde, outro assessor disse-lhe que iria receber 60 mil reais (14 mil euros) para “apoiar outras candidatas da região”. “Tanto eu como os meus advogados e as pessoas que trabalhavam comigo não vimos nada de complexo, pensámos que se fosse para ajudar outras mulheres e para ajudar o partido, não havia razão para não o fazer”, conta.
Todos os dias os assessores lhe ligavam a perguntar se o dinheiro tinha sido depositado. Quando viu o depósito, a 19 de Setembro de 2018, a pouco mais de duas semanas das eleições, percebeu que se tratava de dinheiro proveniente do fundo eleitoral, ou seja, financiamento público. Questionou um dos assessores, que lhe disse para devolver 50 mil reais (11 mil euros), dos quais 30 mil iriam servir para pagar uma encomenda a uma gráfica, que, segundo a Folha, pertence ao irmão de outro assessor, e os restantes 20 mil seriam canalizados posteriormente para outros fins. Por esta altura, o material da sua campanha estava já todo feito, garante. Os dez mil remanescentes ficariam com ela – “Para fazer o que quiser”. “Foi aí que a casa caiu.” As conversas através de WhatsApp reveladas ao PÚBLICO por Cleuzenir mostram que um dos assessores de Marcelo Antônio, Haissander de Paula, pressionou a candidata a fazer as transferências.
Recusou fazer o que lhe pediam, tentou esclarecer o assunto com Marcelo Antônio, mas não obteve qualquer resposta. No dia seguinte ao depósito, Cleuzenir já tinha sido afastada dos grupos de WhatsApp da candidatura e da agenda do candidato a deputado federal. Decidiu manter a candidatura, investiu os 60 mil reais recebidos na campanha e concorreu às eleições, nas quais obteve pouco mais de dois mil votos.
Cleuzenir reconhece ter encontrado alguns sinais de que havia candidaturas fictícias no partido.
Cita o caso de Lilian Bernardino, que também era candidata a deputada estadual em Minas Gerais, e estava sempre presente nas reuniões com Haissander de Paula.
“Ela deixava bem claro que não ia pedir votos, que estava ali para ajudar o partido”, conta Cleuzenir.
Na altura, achava que a candidata iria acabar por fazer algum tipo de campanha, mesmo sem pretensões de ser eleita. Apesar de ter recebido 65 mil reais de financiamento público, Lilian Bernardino obteve menos de 200 votos. Aconteceu o mesmo com candidatas como Milla Fernandes e Débora Gomes, em que cada uma obteve 72 mil reais para, juntas, conseguirem pouco mais de mil votos. Em Pernambuco, uma candidata a deputada federal pelo PSL recebeu 400 mil reais (93 mil euros) a quatro dias das eleições, e acabou por ter apenas 274 votos.
Exílio em Portugal
Ao início, Cleuzenir queria aguardar que a “bomba” explodisse, mas não queria ser ela a avançar com a denúncia. “Eu tinha o material na minha mão, as contas estavam certas, pensei que no momento certo iria dizer tudo o que se passou comigo”, explica. Mas começou a ser alvo de ameaças pelos assessores de Marcelo Antônio e tudo piorou quando o deputado foi nomeado ministro do Turismo, no final de Novembro. Recebeu mensagens de Haissander de Paula – o mesmo assessor que numa das reuniões na campanha tinha mostrado uma arma – num tom ameaçador no próprio dia da nomeação e decidiu apresentar queixa à polícia.
“Depois de ter feito queixa continuei a ouvir um burburinho nos movimentos pró-Bolsonaro a contar a história ao contrário, como se tivesse sido eu a apropriar-me de um dinheiro que não era meu”, recorda. A 18 de Dezembro apresenta uma denúncia directamente no Ministério Público e é aconselhada por uma amiga advogada a sair do país o mais rapidamente possível.
Três dias depois aterra em Portugal com o filho de 16 anos, que sofre de autismo.
Disse que sentia medo na altura, mas hoje pensa que corria mais perigo do que pensava. “Eles iam armar uma emboscada contra mim ou contra o meu filho”, afirma. Escolheu Portugal, onde diz não ter familiares, por causa da língua e por esperar que as pessoas percebam a sua situação. Tem uma reunião marcada com o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras para o início de Abril, em que pretende fazer um pedido de asilo. Do consulado brasileiro em Lisboa, diz, não obteve qualquer resposta. Vive da pensão de invalidez e de um subsídio que o filho recebe por causa da morte do pai, mas não sabe até quando poderá manter-se nesta situação.
A doença impede-a de trabalhar e o autismo do filho obriga-a a uma atenção permanente.
Cleuzemir admite que entrou de forma “inocente” na política, mas não se arrepende. “Aprendi que as pessoas na política são muito boazinhas, mas em troca do ‘toma lá dá cá’ e, principalmente, do benefício próprio”, lamenta. Apesar das decepções, acredita que Bolsonaro não é responsável directamente pelos esquemas de fraude como o que a envolveu. Pelo menos “até prova em contrário”.
A “inimiga n.º1” do Governo Bolsonaro fugiu para Portugal
Cleuzenir Barbosa explica como denunciou esquema de corrupção no partido do novo Presidente Mundo, 30/31
Como uma professora reformada criou a primeira crise a Bolsonaro
Cleuzenir Barbosa foi candidata a deputada estadual pelo partido de Bolsonaro, o PSL, que a tentou usar para desviar dinheiro público. Sob ameaças do assessor de um ministro, fugiu para Portugal, onde procura protecção
João Ruela Ribeiro
A certa altura, uma arma é posta em cima da mesa à volta da qual estão reunidos assessores e candidatos do Partido Social Liberal (PSL), que preparam as eleições em Minas Gerais. Cleuzenir Barbosa, uma professora primária reformada, candidata a deputada estadual pelo partido, era uma das presentes. Naquela altura, a professora de 47 anos estava longe de prever que dali a alguns meses iria estar no olho do furacão de um escândalo que já fez cair um ministro e ameaça outro – para além de constituir um duro golpe nas promessas de moralidade propagadas por Jair Bolsonaro durante a campanha que o pôs na Presidência do Brasil.
Cleuzenir foi uma das candidatas que o PSL, de extrema-direita, queria usar para desviar financiamento público através de um esquema que foi revelado nas últimas semanas pelo jornal Folha de S. Paulo.
Segundo as acusações, que estão a ser investigadas pelo Ministério Público, o partido pelo qual concorreu Bolsonaro escolheu várias candidatas a deputadas sem o verdadeiro objectivo de as eleger ou de que fizessem uma campanha efectiva. A sua única finalidade seria cumprir uma determinação da lei eleitoral que obriga a que 30% do financiamento público eleitoral seja concedido a candidatas do sexo feminino, como forma de promover a maior participação de mulheres na política. Assim que o financiamento fosse concedido, as candidatas canalizariam parte desse montante para outros candidatos de maior relevo.
Para o professor do Departamento de Ciência Política da Universidade de Campinas, Oswaldo Amaral, uma das chaves para perceber se uma candidatura é fictícia é a correlação entre financiamento e votos. “Se há uma pessoa que tenha recebido 400 mil reais (93 mil euros) e teve mil votos, obviamente que não usou esses 400 mil na campanha. Ou repassou para outra pessoa fazer campanha, ou usou esse dinheiro público para enriquecer alguém”, diz ao PÚBLICO.
O escândalo foi um dos responsáveis pela demissão, esta semana, do ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Gustavo Bebianno, que era líder nacional do PSL durante as eleições e um dos homens de confiança de Bolsonaro. Mas o caso das “candidatas-laranja”, como são designadas no Brasil, envolve também o ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, que era o líder do partido em Minas Gerais.
Ontem, o ministro pediu para as investigações que o envolvem serem transferidas para o Supremo Tribunal Federal (STF), invocando o foro privilegiado, uma imunidade que alguns detentores de cargos públicos têm para serem julgados apenas pela instância superior.
Pelos “bons costumes”
É aqui que entra Cleuzenir, que vive em Portugal desde o final do ano passado e contou ao PÚBLICO como de professora aposentada passou a “inimiga número um” do Governo de Bolsonaro. Era na cidade de Governador Valadares, a 300 quilómetros de Belo Horizonte, que a professora era conhecida por ser empenhada em várias acções de cariz social, como cuidar de idosos ou ajudar os mais pobres. “Vim de uma família que sempre fez o bem sem olhar a quem”, explica.
Depois de ser diagnosticada com uma artrite reumatóide, viu- -se obrigada a abandonar a carreira de professora primária e a reformar-se. Diz ter recebido vários convites para participar em eleições, mas nunca os aceitou. Até aparecer o PSL de Bolsonaro, em meados do ano passado.
Descrevendo-se como uma pessoa “de direita”, Cleuzenir diz que apreciou algumas das propostas do ex-capitão do Exército, sobretudo as promessas de “ordem, ética, moral e bons costumes”. O Brasil, diz, precisava de “um puxãozinho de orelha” depois das ondas de choque causadas pela operação anticorrupção Lava-Jato e pelo clima de insegurança generalizada.
Foi convidada a apresentar uma candidatura a deputada estadual por Minas Gerais, incluída na “chapa” do candidato a deputado federal, Marcelo Álvaro Antônio.
Em Abril foi recebida em Brasília por Bolsonaro, onde até gravou um vídeo de apoio. Garante ter sido “muito bem recebida” pelo então deputado federal e candidato à presidência. “Até então, tudo estava dentro daquilo que eu esperava da política”.
“A casa caiu”
O rumo da campanha de Cleuzenir começou a mudar quando o financiamento público entrou em cena.
Em 2015, o STF decidiu proibir as doações empresariais para partidos. Para contornar a ausência dessa fonte de financiamento, foi criado um fundo eleitoral público para ser dividido entre os partidos consoante o número de eleitos nas várias legislaturas, que nas eleições do ano passado ascendeu a 1,71 mil milhões de reais (400 milhões de euros). Deste fundo, 30% tinha de ser obrigatoriamente distribuído por candidatas do sexo feminino.
A par do fundo eleitoral, os partidos puderam continuar a receber doações individuais ou do próprio candidato e do chamado fundo partidário, outro fundo de dinheiro público.
Durante as reuniões que foi tendo com os assessores de Marcelo Antônio, Cleuzenir foi recebendo indicações diferentes quanto à proveniência de verbas que iria receber. Inicialmente foi-lhe dito que seriam depositados 50 mil reais (11 mil euros) de uma doação feita pela mãe do candidato a deputado, mas, mais tarde, outro assessor disse-lhe que iria receber 60 mil reais (14 mil euros) para “apoiar outras candidatas da região”. “Tanto eu como os meus advogados e as pessoas que trabalhavam comigo não vimos nada de complexo, pensámos que se fosse para ajudar outras mulheres e para ajudar o partido, não havia razão para não o fazer”, conta.
Todos os dias os assessores lhe ligavam a perguntar se o dinheiro tinha sido depositado. Quando viu o depósito, a 19 de Setembro de 2018, a pouco mais de duas semanas das eleições, percebeu que se tratava de dinheiro proveniente do fundo eleitoral, ou seja, financiamento público. Questionou um dos assessores, que lhe disse para devolver 50 mil reais (11 mil euros), dos quais 30 mil iriam servir para pagar uma encomenda a uma gráfica, que, segundo a Folha, pertence ao irmão de outro assessor, e os restantes 20 mil seriam canalizados posteriormente para outros fins. Por esta altura, o material da sua campanha estava já todo feito, garante. Os dez mil remanescentes ficariam com ela – “Para fazer o que quiser”. “Foi aí que a casa caiu.” As conversas através de WhatsApp reveladas ao PÚBLICO por Cleuzenir mostram que um dos assessores de Marcelo Antônio, Haissander de Paula, pressionou a candidata a fazer as transferências.
Recusou fazer o que lhe pediam, tentou esclarecer o assunto com Marcelo Antônio, mas não obteve qualquer resposta. No dia seguinte ao depósito, Cleuzenir já tinha sido afastada dos grupos de WhatsApp da candidatura e da agenda do candidato a deputado federal. Decidiu manter a candidatura, investiu os 60 mil reais recebidos na campanha e concorreu às eleições, nas quais obteve pouco mais de dois mil votos.
Cleuzenir reconhece ter encontrado alguns sinais de que havia candidaturas fictícias no partido.
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“Ela deixava bem claro que não ia pedir votos, que estava ali para ajudar o partido”, conta Cleuzenir.
Na altura, achava que a candidata iria acabar por fazer algum tipo de campanha, mesmo sem pretensões de ser eleita. Apesar de ter recebido 65 mil reais de financiamento público, Lilian Bernardino obteve menos de 200 votos. Aconteceu o mesmo com candidatas como Milla Fernandes e Débora Gomes, em que cada uma obteve 72 mil reais para, juntas, conseguirem pouco mais de mil votos. Em Pernambuco, uma candidata a deputada federal pelo PSL recebeu 400 mil reais (93 mil euros) a quatro dias das eleições, e acabou por ter apenas 274 votos.
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“Depois de ter feito queixa continuei a ouvir um burburinho nos movimentos pró-Bolsonaro a contar a história ao contrário, como se tivesse sido eu a apropriar-me de um dinheiro que não era meu”, recorda. A 18 de Dezembro apresenta uma denúncia directamente no Ministério Público e é aconselhada por uma amiga advogada a sair do país o mais rapidamente possível.
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A doença impede-a de trabalhar e o autismo do filho obriga-a a uma atenção permanente.
Cleuzemir admite que entrou de forma “inocente” na política, mas não se arrepende. “Aprendi que as pessoas na política são muito boazinhas, mas em troca do ‘toma lá dá cá’ e, principalmente, do benefício próprio”, lamenta. Apesar das decepções, acredita que Bolsonaro não é responsável directamente pelos esquemas de fraude como o que a envolveu. Pelo menos “até prova em contrário”.
JUSTIÇA
Procuradores punidos com 14 penas disciplinares em 2018
O Conselho Superior do Ministério Público (CSMP) aplicou o ano passado 14 penas disciplinares, incluindo uma pena de suspensão de exercício e outra de aposentação compulsiva.
O re…
JUÍZES DESCONVOCAM GREVE DE SEXTA-FEIRA
A greve nacional dos juizes marcada para sexta-feira foi desconvocada pela Associação Sindical dos Juizes Portugueses (ASJP). Adireção da AS JP justifica a desconvocação da greve com o facto de ter havido uma …
ENTREVISTA CATARINA MONTEIRO PIRES E MARIANA FRANÇA GOUVEIA
Quotas para mulheres? “Mudar mentalidades é melhor do que impor lei”
CATARINA MONTEIRO PIRES E MARIANA FRANCA GOUVEIA ORGANIZADORAS DO ENCONTRO INTERNACIONAL DE ARBITRAGEM DE COIMBRA
Quotas para mulheres?
“Mudar mentalidades é melhor do que impor lei”
Catarina Monteiro Pires e Mariana França Gouveia destacam-se na resolução de litígios pela via arbitrai.
São das poucas no topo do setor.
Não são contra uma lei de quotas, mas preferiam que a sociedade mudasse.
São duas conceituadas juristas, advogadas e protagonistas da comunidade arbitrai portuguesa.
São também as novas organizadoras do Encontro Internacional de Arbitragem de Coimbra, um projeto criado por José Miguel Júdice e por António Pinto que este ano cumpre a 9.º edição. Mariana França Gouveia, sócia da PLM J e docente na Universidade Nova, e Catarina Monteiro Pinto, sócia da Morais Leitão e professora na Clássica, falam ao Negócios sobre o desafio em que se envolveram, da resolução de litígios por via da arbitragem e do estado da arte deste setor em Portugal.
Há quem olhe com reticências para a arbitragem. Em que medida essa desconfiança penaliza este meio alternativo de resolução de litígios?
Mariana França Gouveia (MFG) – A arbitragem só existe enquanto houver confiança no sistema. E uma obrigação para quem trabalha no sistema fomentar essa confiança. Se houver a ideia de que o sistema não é justo, não obedece a regras conhecidas ou que é manipulável, então não funciona.
Há esse sentimento de que o sistema não é justo?
MFG – Quer a nível da arbitragem internacional, quer a nível da arbitragem doméstica, sentimos que há confiança no sistema Há uma grande obrigação da comunidade arbitrai em perceber a importância desta confiança, da transparência, do conhecimento das regras. A partir daí, enfim, talvez seja como a democracia que é o pior sistema, tirando todos os outros.
Que ‘feedback’ há dos magistrados sobre a arbitragem?
Catarina Monteiro Pires (CMP) – Há um indicador importante, que é a forma como os juizes dos tribunais judiciais olham para a arbitragem. O que verificamos é que há uma jurisprudência favorável à arbitragem. Depois, se consultarmos as estatísticas, as arbitragens comerciais internacionais estão em crescimento. A verdade é que os indicadores não revelam desconfiança.
A arbitragem é uma espécie de ‘justiça privada’?
MFG – A arbitragem é essencialmente um espaço de liberdade.
Se posso celebrar com uma empresa qualquer contrato, obviamente dentro de preceitos legais, também devo poder resolver com essa empresa os conflitos que possamos ter.
Normalmente, a expressão ‘justiça privada’ tem uma conotação negativa, mas aqui a conotação é positiva. Estamos a falar de questões privadas que só interessam a esses privados.
Como é que compara o mercado da arbitragem em Portugal com outras jurisdições, nomeadamente as dos países anglo- -saxónicos?
MFG – Temos feito um caminho, mas há ainda muito que fazer, nomeadamente para desligar a arbitragem do que é o Processo Civil.
São formas de atuar muito diferentes. No mérito e na substância podem ser parecidas, mas quanto à maneira de focar os problemas e de encontrar as melhores soluções, há de tacto diferenças muito grandes.
Porque é importante sublinhar essas diferenças?
MFG – Certas práticas da arbitragem doméstica que vêm do Processo Civil não fazem sentido. Era bom que houvesse essa clareza na distinção. Há escritórios, talvez com menos experiência internacional, mas muito bons na sua prática nacional, que quando tentam dar o salto ficam um pouco sem rede. Era importante que toda a advocacia portuguesa pudesse estar num bom nível de internacionalização. Este trabalho é não só intelectualmente estimulante mas também financeiramente interessante, porque envolve litígios complexos onde a remuneração é sempre mais simpática.
Falta dar o salto no caminho da internacionalização?
CMP – O problema da arbitragem em Portugal é como o da economiadopaís. Fazemos exatamente o que os outros fazem, com a mesma qualidade, mas numa escala mais pequena. Somos menos, temos uma economia mais pequena e, portanto, o grande desafio é como conseguir fazer mais vezes e não como conseguir fazer melhor.
Porque é que há poucas mulheres na arbitragem em Portugal?
MFG – À semelhança de outros setores, dão-se sempre duas explicações para esta ‘coisa’ das mulheres. Primeiro é o tempo: isto com o tempo vai resolver-se. A segunda é que é preciso dar alguns incentivos através de quotas. Eu sou beneficiária da lei das quotas. Estou no conselho de administração de uma sociedade cotada, a Martifer, e quando me convidaram disseram-me expressamente que tinham de convidar uma senhora. Eu agradeci e tem sido um desafio muito interessante.
É a favor de uma lei de quotas?
CMP – Creio que a questão da quota não deve colocar-se de uma forma universal para qualquer setor e para qualquer área Se pudermos mudar a sociedade e as mentalidades, será sempre melhor do que impor uma lei, mas havendo resistências, não vejo que a matéria das quotas, como outra qualquer, não possa existir na lei.
Que desafios vos são colocados enquanto “herdeiras” de um projeto já institucionalizado, como é o Encontro de Arbitragem Internacional de Coimbra, de cuja 9.ª edição serão organizadoras?
Catarina Monteiro Pires (CMP) – Um primeiro desafio é, claramente, dar continuidade a um conjunto de aspetos que mostraram ser de sucesso ao longo dos últimos anos, levando a que o encontro seja hoje um dos mais importantes eventos da arbitragem doméstica e da arbitragem internacional em Portugal. Nesta segunda componente, a iniciativa surge muito ligada ao Brasil e à comunidade arbitrai brasileira.
Portugal e Brasil são dois mercados que têm laços muito próximos. Laços que temos vindo a reforçar e que gostaríamos agora de estender a toda a lusofonia.
Estão a pensar sobretudo em Angola e Moçambique?
CMP – Dentro da lusofonia referimo-nos, naturalmente, a Angola e a Moçambique. Por razões várias, que também têm que ver com o desenvolvimento da arbitragem e da situação económica nestes dois países. Esta é uma segunda linha dos encontros internacionais que queríamos reforçar.
Depois, outra linha, não menos importante, a nosso ver, é a da ligação à arbitragem internacional nos diferentes continentes, mas já não apenas dentro da lusofonia.
Essa aposta resulta de a arbitragem ser hoje uma realidade global?
Mariana França Gouveia (MFG) – O mercado da arbitragem é cada vez mais internacional.
É uma área profissional que cada vez mais se destaca das realidades nacionais. Tem uma maneira de atuar que é própria e global. Não é específica do Reino Unido, de Portugal, dos Estados Unidos, de Angola ou da China.
Os temas do encontro deste ano vão centrar-se nessa realidade?
CMP – Temos já um título global, que é “Arbitragem da lusofonia nos quatro continentes”. Sem termos tudo fechado, o que podemos prometer é que claramente haverá um reforço dos temas associados a esta ligação internacional.
Já têm oradores convidados para a edição deste ano?
MFG – Já está confirmada a presença do professor norte-americano George Bermann, da Columbia University School of Law, que é uma grande figura da arbitragem internacional e que fará o “keynote speech” no dia de abertura do encontro.
PAN propõe reforço de medidas para melhorar resposta a violência doméstica
Medidas propostas passam pela criação de uma equipa multidisciplinar que preste assessoria aos juízes e ao Ministério Público unicamente nestes casos e levantamento de casas d…