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Quotas para mulheres? “Mudar mentalidades é melhor do que impor lei”

ENTREVISTA CATARINA MONTEIRO PIRES E MARIANA FRANÇA GOUVEIA

Quotas para mulheres? “Mudar mentalidades é melhor do que impor lei”

CATARINA MONTEIRO PIRES E MARIANA FRANCA GOUVEIA ORGANIZADORAS DO ENCONTRO INTERNACIONAL DE ARBITRAGEM DE COIMBRA

Quotas para mulheres?

“Mudar mentalidades é melhor do que impor lei”

Catarina Monteiro Pires e Mariana França Gouveia destacam-se na resolução de litígios pela via arbitrai.

São das poucas no topo do setor.

Não são contra uma lei de quotas, mas preferiam que a sociedade mudasse.

São duas conceituadas juristas, advogadas e protagonistas da comunidade arbitrai portuguesa.

São também as novas organizadoras do Encontro Internacional de Arbitragem de Coimbra, um projeto criado por José Miguel Júdice e por António Pinto que este ano cumpre a 9.º edição. Mariana França Gouveia, sócia da PLM J e docente na Universidade Nova, e Catarina Monteiro Pinto, sócia da Morais Leitão e professora na Clássica, falam ao Negócios sobre o desafio em que se envolveram, da resolução de litígios por via da arbitragem e do estado da arte deste setor em Portugal.

Há quem olhe com reticências para a arbitragem. Em que medida essa desconfiança penaliza este meio alternativo de resolução de litígios?

Mariana França Gouveia (MFG) – A arbitragem só existe enquanto houver confiança no sistema. E uma obrigação para quem trabalha no sistema fomentar essa confiança. Se houver a ideia de que o sistema não é justo, não obedece a regras conhecidas ou que é manipulável, então não funciona.

Há esse sentimento de que o sistema não é justo?

MFG – Quer a nível da arbitragem internacional, quer a nível da arbitragem doméstica, sentimos que há confiança no sistema Há uma grande obrigação da comunidade arbitrai em perceber a importância desta confiança, da transparência, do conhecimento das regras. A partir daí, enfim, talvez seja como a democracia que é o pior sistema, tirando todos os outros.

Que ‘feedback’ há dos magistrados sobre a arbitragem?

Catarina Monteiro Pires (CMP) – Há um indicador importante, que é a forma como os juizes dos tribunais judiciais olham para a arbitragem. O que verificamos é que há uma jurisprudência favorável à arbitragem. Depois, se consultarmos as estatísticas, as arbitragens comerciais internacionais estão em crescimento. A verdade é que os indicadores não revelam desconfiança.

A arbitragem é uma espécie de ‘justiça privada’?

MFG – A arbitragem é essencialmente um espaço de liberdade.

Se posso celebrar com uma empresa qualquer contrato, obviamente dentro de preceitos legais, também devo poder resolver com essa empresa os conflitos que possamos ter.

Normalmente, a expressão ‘justiça privada’ tem uma conotação negativa, mas aqui a conotação é positiva. Estamos a falar de questões privadas que só interessam a esses privados.

Como é que compara o mercado da arbitragem em Portugal com outras jurisdições, nomeadamente as dos países anglo- -saxónicos?

MFG – Temos feito um caminho, mas há ainda muito que fazer, nomeadamente para desligar a arbitragem do que é o Processo Civil.

São formas de atuar muito diferentes. No mérito e na substância podem ser parecidas, mas quanto à maneira de focar os problemas e de encontrar as melhores soluções, há de tacto diferenças muito grandes.

Porque é importante sublinhar essas diferenças?

MFG – Certas práticas da arbitragem doméstica que vêm do Processo Civil não fazem sentido. Era bom que houvesse essa clareza na distinção. Há escritórios, talvez com menos experiência internacional, mas muito bons na sua prática nacional, que quando tentam dar o salto ficam um pouco sem rede. Era importante que toda a advocacia portuguesa pudesse estar num bom nível de internacionalização. Este trabalho é não só intelectualmente estimulante mas também financeiramente interessante, porque envolve litígios complexos onde a remuneração é sempre mais simpática.

Falta dar o salto no caminho da internacionalização?

CMP – O problema da arbitragem em Portugal é como o da economiadopaís. Fazemos exatamente o que os outros fazem, com a mesma qualidade, mas numa escala mais pequena. Somos menos, temos uma economia mais pequena e, portanto, o grande desafio é como conseguir fazer mais vezes e não como conseguir fazer melhor.

Porque é que há poucas mulheres na arbitragem em Portugal?

MFG – À semelhança de outros setores, dão-se sempre duas explicações para esta ‘coisa’ das mulheres. Primeiro é o tempo: isto com o tempo vai resolver-se. A segunda é que é preciso dar alguns incentivos através de quotas. Eu sou beneficiária da lei das quotas. Estou no conselho de administração de uma sociedade cotada, a Martifer, e quando me convidaram disseram-me expressamente que tinham de convidar uma senhora. Eu agradeci e tem sido um desafio muito interessante.

É a favor de uma lei de quotas?

CMP – Creio que a questão da quota não deve colocar-se de uma forma universal para qualquer setor e para qualquer área Se pudermos mudar a sociedade e as mentalidades, será sempre melhor do que impor uma lei, mas havendo resistências, não vejo que a matéria das quotas, como outra qualquer, não possa existir na lei.

Que desafios vos são colocados enquanto “herdeiras” de um projeto já institucionalizado, como é o Encontro de Arbitragem Internacional de Coimbra, de cuja 9.ª edição serão organizadoras?

Catarina Monteiro Pires (CMP) – Um primeiro desafio é, claramente, dar continuidade a um conjunto de aspetos que mostraram ser de sucesso ao longo dos últimos anos, levando a que o encontro seja hoje um dos mais importantes eventos da arbitragem doméstica e da arbitragem internacional em Portugal. Nesta segunda componente, a iniciativa surge muito ligada ao Brasil e à comunidade arbitrai brasileira.

Portugal e Brasil são dois mercados que têm laços muito próximos. Laços que temos vindo a reforçar e que gostaríamos agora de estender a toda a lusofonia.

Estão a pensar sobretudo em Angola e Moçambique?

CMP – Dentro da lusofonia referimo-nos, naturalmente, a Angola e a Moçambique. Por razões várias, que também têm que ver com o desenvolvimento da arbitragem e da situação económica nestes dois países. Esta é uma segunda linha dos encontros internacionais que queríamos reforçar.

Depois, outra linha, não menos importante, a nosso ver, é a da ligação à arbitragem internacional nos diferentes continentes, mas já não apenas dentro da lusofonia.

Essa aposta resulta de a arbitragem ser hoje uma realidade global?

Mariana França Gouveia (MFG) – O mercado da arbitragem é cada vez mais internacional.

É uma área profissional que cada vez mais se destaca das realidades nacionais. Tem uma maneira de atuar que é própria e global. Não é específica do Reino Unido, de Portugal, dos Estados Unidos, de Angola ou da China.

Os temas do encontro deste ano vão centrar-se nessa realidade?

CMP – Temos já um título global, que é “Arbitragem da lusofonia nos quatro continentes”. Sem termos tudo fechado, o que podemos prometer é que claramente haverá um reforço dos temas associados a esta ligação internacional.

Já têm oradores convidados para a edição deste ano?

MFG – Já está confirmada a presença do professor norte-americano George Bermann, da Columbia University School of Law, que é uma grande figura da arbitragem internacional e que fará o “keynote speech” no dia de abertura do encontro.

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Podem os enfermeiros ser punidos por ilícito que desconheciam?

GREVE

Podem os enfermeiros ser punidos por ilícito que desconheciam?

Os hospitais vão analisar “caso a caso” as faltas injustificadas a atribuir aos enfermeiros que participaram na greve – antes de a PGR ter considerado que a paralisação era ilegal. Especialistas ouvidos pelo Negócios dividem-se.

SUSANA PAULA

Os enfermeiros que aderirem à greve cirúrgica a partir desta quarta-feira vão ter falta injustificada, depois de o conselho consultivo da Procuradoria- Geral da República (PGR) ter considerado a paralisação ilegal. Essa é a orientação que o Ministério da Saúde deu aos hospitais, por entender que não só as conclusões da PGR servem como “interpretação oficial”, como se aplicam à segunda e atual greve cirúrgica que, recordese, está convocada até ao fim do mês em 10 hospitais (embora em quatro tenha sido decretada a requisição civil dos enfermeiros).

E quem fez greve antes de ser publicado o parecer da PGR e que portanto desconhecia que a greve era ilegal? “As faltas serão atribuídas mediante uma análise caso a caso, contemplando a forma como cada enfermeiro exerceu a greve”, afirmou o Ministério da Saúde ao Negócios, acrescentando que a Administração Central do Sistema de Saúde iria emitir uma circular informativa aos hospitais (que não foi conhecida até ao fecho da edição).

Cautelosamente, a PGR admite que possa ser ponderado “o eventual desconhecimento pelo trabalhador do caráter ilícito da greve” para a não aplicação das faltas injustificadas. Quanto aos especialistas ouvidos pelo Negócios, estes dividem-se sobre esta matéria.

Pedro Romano Martinez, especialista em Direito do Trabalho, afirma que “até ao dia da publicação do parecer [na segunda-feira] o desconhecimento por parte dos trabalhadores da ilicitude da greve dificilmente permitirá que que se possa aplicar o regime das faltas injustificadas”. Também para o constitucional ista Reis Novais “os trabalhadores podem sempre alegar boa fé”.

Já a professora catedrática Rosário Palma Ramalho discorda d argumento: “Esta greve tem um nível de concertação dos trabalhadores muito elevada e portanto não sei se a situação de boa fé não será assim tão evidente”, diz. E acrescenta:

“Acho discutível que os trabalhadores possam invocar boa fé ou o desconhecimento da ilicitude da greve porque sabem que vão causar o maior prejuízo ao empregador com a menor perda salarial”, tendo em conta a angariação de fundos que foi criada pelos enfermeiros para fi nanciar as paralisações.

Também Paulo Veiga e Moura, especialista em Direito do Trabalho, discorda deste argumento: “Os enfermeiros não podem dizer que a greve era ilegal, necessariamente ao aderir a essa greve estão a assumir as consequências”, considera. E, por isso, “não podem deixar de responsabilizados disciplinarmente”.

Pondo de parte a questão da sanção disciplinar, para Reis Novais não há dúvida sobre a perda dos dias de salário durante a greve. “É uma situação diferente porque o contrato está suspenso e envolve a perda de vencimento”. O desconto dos dias relativos a todo o período de paralisação dos serviços, e não apenas daquele em que os trabalhadores aderiram à greve, “ê uma possibilidade, assim como indemnizações” pelos danos causados, admite.

Sindicatos divergem sobre continuação do protesto

Perante a publicação do parecer e a possibilidade de serem marcadas faltas, as duas estruturas sindicais que convocaram as greves cirúrgicas dividiram-se: a Associação Sindical Portuguesa dos Enfermeiros (ASPE) apelou à suspensão imediata da greve nos blocos operatórios e o Sindicato Democrático dos Enfermeiros (Sindepor) defendeu que “só os tribunais” podem considerar a greve ilegal, apelando aos enfermeiros para não se deixarem “intimidar por ameaças verbais” e continuarem a cumprir os serviços mínimos. Mais tarde, admitiu apresentar uma queixa crime contra o Governo e o seu presidente anunciou que vai entrar em greve de fome até o Governo voltar às negociações.

PERGUNTAS E RESPOSTAS

O que vale e o que explica o parecer do conselho consultivo da PGR

A homologação do parecer da PGR pelo Governo funciona como uma espécie de ordem para os serviços da administração pública: os enfermeiros que quiserem continuar a aderir à greve terão faltas injustificadas. Quanto ao que possa suceder a quem aderiu à greve, considerada ilícita pela PGR, os especialistas dividem-se.

O QUE CONCLUI O PARECER DA PGR?

O parecer do conselho consultivo da PGR conclui que a primeira greve cirúrgica dos enfermeiros, realizada de 22 de novembro a 31 de dezembro, que tem características semelhantes à mais recente, é “ilícita” porque o aviso prévio não explicou qual seria a sua modalidade. “Pela surpresa que constituiu a forma como ocorreu, face ao conteúdo do aviso prévio, [essa greve] foi ilícita”, numa aparente alusão às particularidades desta greve (com baixa adesão e orientada para os blocos operatórios).

Por outro lado, o parecer deixa vários avisos sobre a possível ilicitude que resulta da forma de financiamento da greve, embora de forma menos taxativa. Explica o parecer que não é admissível que a perda de salários seja compensada por um fundo de greve que não é gerido pelos sindicatos, o que “pode determinar a ilicitude da greve” caso se demonstre que a utilização dos fundos foi determinante. Pode ainda “vir a apurar-se a existência de donativos que são ilícitos”, o que também pode pôr em causa a licitude da greve.

O QUE FEZ 0 GOVERNO COM O PARECER?

O parecer foi homologado pela ministra da Saúde, passando a valer como orientação para todo o setor.

O primeiro-ministro também fez questão de homologar o parecer na parte relativa aos fundos de greve e ao “crowdfunding”, já que, segundo sustentou, “as conclusões formuladas no respetivo parecer […] quanto à ilicitude de greves financiadas mediante o recurso a esquemas de financiamento colaborativo (“crowdfunding”) se revestem de extraordinária importância, não só para o setor da saúde, mas para todos os demais setores da administração pública”. Costat>arece procurar assim impedir greves com características idênticas noutros setores do Estado.

SENDO ASSIM, 0 QUE VALE O PARECER PARA O ESTADO?

Não é lei nem é sentença, mas de acordo com os especialistas contactados, o parecer vale como “uma opinião autorizada” que, uma vez homologado, “passa a ser a opinião adotada pelo governo enquanto entidade empregadora”, explica o professor de Direito do Trabalho António Monteiro Fernandes. “Os dirigentes da administração pública terão de tê-lo em conta na gestão de recursos humanos e em cada uma das unidades hospitalares”. O Governo também defendeu que, quando homologados, estes pareceres têm efeitos sobre as futuras greves rotativas, na medida em que valem “como interpretação oficial, perante os respetivos serviços, das matérias que se destinam a esclarecer”.

E O GOVERNO, O QUE DISSE QUE VAI FAZER?

Numa primeira resposta a esta questão, divulgada ao início da tarde desta terça-feira, quando a ACSS ainda preparava orientações para os hospitais, o Governo disse que “as faltas” dos enfermeiros até à publicação do parecer “serão consideradas mediante uma análise que terá em conta a forma como cada enfermeiro exerceu a greve”. Já a partir desta quarta-feira, “serão atribuídas faltas injustificadas por adesão à greve”.

O QUE PODE ACONTECER A QUEM ADERIU?

O parecer do conselho consultivo da PGR considera que a adesão a uma greve executada de forma contrária à lei é falta injustificada Pode ainda levar a uma infração disciplinar, ao pagamento de indemnizações por danos causados ou à responsabilização civil dos sindicatos.

Mas o próprio parecer lembra que na ponderação da sanção o trabalhador pode ser desculpado porque desconhecia a ilicitude da greve.

E isto que leva a maioria dos especialistas a considerar que dificilmente os hospitais podem aplicar faltas injustificadas aos trabalhadores que pensavam que estavam a aderir a uma greve legal, como explica Pedro Romano Martinez.

Também Jorge Reis Novais considera que “o que está para trás em princípio, do ponto de vista individual, não terá problemas a nível das faltas injustificadas – uma vez que os trabalhadores podem sempre alegar boa-fé”. Rosário Palma Ramalho discorda, admitindo que os trabalhadores possam ser penalizados pelo que fizeram em dezembro.

“Acho discutível que os trabalhadores possam invocar boa-fé ou o desconhecimento da ilicitude da greve porque sabem que vão causar o maior prejuízo ao empregador com a menor perda salarial.” Com ou sem penalização disciplinar, Reis ‘Novais admite que os trabalhadores podem perder o desconto no salário correspondente a todo o período de indisponibilidade.

E DAQUI PARA A FRENTE, E DIFERENTE?

Sim. “Até agora os enfermeiros consideravam que estavam a participar numa greve e portanto estavam num comportamento não proibido. A partir da publicação do parecer o trabalhador que faça greve já não pode invocar o desconhecimento”, explica Reis Novais.

O Governo anunciou que a partir de quarta-feira haverá falta injustificada para todos os ausentes.

O QUE SE DIZ SOBRE GREVES ROTATIVAS?

As “greves rotativas ou articuladas”, onde a PGR inclui a dos enfermeiros (o que não é consensual), são “lícitas” mas devem implicar maior desconto no salário. Defende este conselho que “os respetivos descontos salariais devem ter em conta não só o período efetivo em que cada trabalhador se encontrou na situação de aderente à greve, mas também os restantes períodos que, em resultado daquela ação concertada, os serviços estiveram paralisados” desde que se demonstre a inutilidade da “aparente disponibilidade” das pessoas nos períodos de não adesão.

QUAIS SÃO AS CONSEQUÊN- CIAS PARA O PRIVADO?

O parecer não se confunde com uma sentença nem é lei. Mas pode ser tido em conta. Depois da doutrina e da jurisprudência, os pareceres da PGR podem surgir como terceiro elemento sendo “invocáveis e muito invocados a título argumentativo”, refere António Monteiro Fernandes.

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