Intervenção do Presidente do SMMP, João Palma, na Abertura do Colóquio
“A Garantia Constitucional da Independência dos Juízes e a Autonomia do MP”
Os desafios em Portugal são, como em toda a Europa, sumáriamente, a procura a que está sujeito o sistema de justiça, a falta de valores e referências individuais e colectivas que faz recair sobre a justiça a missão de resolver todos os conflitos, a falta de capacidade de resposta do sistema em termos quantitativos no direito civil, no direito dos menores e família, no direito administrativo, no direito penal e processual penal, com o aumento significativo da criminalidade grave e organizada, nacional e sobretudo transnacional, da corrupção e da criminalidade económica e financeira em geral.
Um sistema judicial em perda de capacidade de resposta torna-se alvo fácil daqueles que o pretendem descredibilizar porque o receiam, e objecto da manipulação da opinião pública através da conivência de alguma comunicação social também ela manipulada e económica e financeiramente condicionada.
O nosso sistema Penal e Processual Penal está desprovido de instrumentos legais e meios humanos e materiais. As reformas penais e processuais (como a ultima de 2007) são feitas à medida e tendo como referência casos e situações concretas. Privilegiam-se exacerbadamente os direitos do arguido em detrimento dos da vitima e dos interesses e valores colectivos e da vida em comunidade.
Confrontamo-nos com uma ideia crescente de politização da justiça que terá como paradigma máximo na Europa o caso de Itália (um abraço de solidariedade aos colegas italianos presentes), mas que se respira também em Portugal, infelizmente cada vez mais.
O Estado de direito democrático exige um sistema judicial independente, isento e acima de qualquer suspeita quanto à sua imparcialidade e à imparcialidade dos seus magistrados.
A defesa da independência dos Juízes e da autonomia do MP tem que se fazer ao nível dos princípios e das garantias constitucionais, é certo.
Mas é também necessário não esquecer que a independência dos Juízes e a autonomia do MP respeita a cada um dos magistrados no exercício efectivo e concreto das suas funções e exige um esforço diário e constante por parte de todos e de cada um de nós, bem como a consciência e interiorização do estatuto individual de magistrado em que cada um está investido. A independência dos juízes, a autonomia dos magistrados concretiza-se a cada momento.
O SMMP está por isso empenhado em investir numa cultura que vise o desenvolvimento do sentido da independência, do apego à lei e a critérios de legalidade, objectividade, isenção e responsabilidade, por todos e cada um dos magistrados do MP. Que lhes desenvolva o sentido da reacção e defesa face a tentativas ilegítimas de intromissão no exercício das suas funções.
Deverá dizer-se, temos que relembrar, e sublinhar, que o exemplo vem de cima, e quem lidera tem a particular responsabilidade de o fazer de acordo com esse princípios, sem deixar margem para dúvidas quer na opinião pública quer nos magistrados que exercem as suas funções em todos os tribunais do país e em todas as instâncias.
Sem a complementaridade dessa postura individual de todos e de cada um dos magistrados de todos os graus hierárquicos e de todas as instâncias, de pouco valerá estatuir-se ao nível constitucional e legal a independência dos juízes e a autonomia do MP.
O Tratado de Lisboa prevê a criação de um Ministério Público Europeu. Será um instrumento importante no âmbito da resposta à criminalidade grave que afecta a União Europeia e os seus Estados membros. Um longo caminho está por percorrer implicando significativas alterações aos sistemas judiciais de cada país ao nível da legislação, da organização judiciária, dos estatutos dos magistrados, e sobretudo do penal e do processo penal.
O Conselho da Europa e os princípios já estabelecidos em documentos que produziu como a Recomendação do Comité de Ministros sobre a Independência, a Eficácia e o papel dos Juízes, e a Recomendação 2000 sobre o Papel do Ministério Público no Sistema de Justiça Penal, e os documentos aprovados pelo Conselho Consultivo dos Juízes Europeus e pelo Conselho Consultivo dos Procuradores Europeus, sobre a garantia da independência dos juízes e a autonomia do Ministério Público, são instrumentos fundamentais.
A criação de um Ministério Público Europeu terá desde logo a enorme vantagem na uniformização de normas estatutárias e processuais comuns que respeitem os princípios gerais comummente aceites e salvaguardem os países membros de idiossincrasias porventura adversas à realização do direito e da justiça.
Lisboa, 13 de Novembro de 2009