O Governo constituiu um grupo de trabalho destinado a apresentar uma estratégia nacional contra a corrupção que deu origem a um documento que foi colocado em consulta pública. O Sindicato dos Magistrados do Ministério Público e grande parte das associações representativas dos profissionais forenses não foram ouvidas durante esse processo e nem sequer foram consultadas formalmente para se pronunciarem quanto ao teor do documento, ao contrário do que sucedeu em outras ocasiões. As sugestões que ora apresentamos para combater a corrupção não se limitam a comentar as medidas propostas pelo Governo, mas vão muito mais longe. Para além de serem propostas alterações legislativas, defendemos também mudanças relevantes no funcionamento do Ministério Público, para se melhorar o combate à corrupção. O documento elaborado pelo SMMP assenta em cinco eixos fundamentais, a saber, prevenir a corrupção, combater a corrupção com meios adequados, valorar a colaboração do arguido, melhorar a celeridade e eficácia no combate à corrupção, bem como alteração das molduras penais e execução de penas nos ilícitos criminais referentes à criminalidade económico-financeira.
A definição de uma estratégia que pretenda atacar a corrupção tem de assentar num diagnóstico da realidade existente. Ainda há menos de uma década altos responsáveis do Ministério Público defendiam que o fenómeno corruptivo não era relevante, nem ocorria nas mais altas esferas do Estado. As acusações e condenações ocorridas nos últimos anos desmentiram tais afirmações e deram a conhecer à sociedade portuguesa uma situação completamente diferente. O impacto da corrupção na comunidade é cada vez mais percecionado pelo cidadão, sendo certo que se a desvalorizarmos nunca a poderemos combater eficazmente. Francis Fukuyama elaborou um estudo aprofundado sobre o efeito do clientelismo e patrimonialismo nas sociedades e concluiu que os mesmos limitam o desenvolvimento. Não é possível progredir substancialmente ao nível económico e social se a corrupção for sistémica. É bom recordar aqui as palavras da anterior Procuradora-Geral da República Dra. Joana Marques Vidal que afirmou que existiam várias redes de corrupção que funcionam no interior do Estado. Já em 2003, Maria José Morgado no seu livro “O inimigo sem rosto, fraude e corrupção em Portugal” afirmou compreendemos que não é possível viver em democracia sem um combate e denúncia intransigentes da grande corrupção e do crime económico-financeiro, que constituem hoje das maiores ameaças para um Estado de Direito. Os resultados do combate à corrupção representam o julgamento da qualidade da própria democracia.
O combate à criminalidade económico-financeira tem de ser efetuado de forma integrada, incorporando componentes preventivas e repressivas. No entanto, estes fatores não são estanques, uma vez que a aplicação das penas tem efeitos muito relevantes ao nível da prevenção geral e especial. A melhoria da celeridade e eficácia da resposta à corrupção é essencial para a credibilidade do sistema de Justiça. A generalidade dos cidadãos critica o tempo que demora até alguém ser punido efetivamente. A presente proposta elenca algumas medidas que poderão melhorar a situação existente e que passam desde logo por uma maior valorização da colaboração do arguido, agilização da prova na fase de julgamento, bem como a alocação de recursos humanos e técnicos adequados. No que diz respeito a este último ponto, não podemos deixar de referir que o documento do grupo de trabalho prevê a criação de novas estruturas de atuação junto das entidades administrativas, quando ainda não foram dotadas as existentes na investigação criminal de meios suficientes. Este episódio faz-nos recordar a criação da entidade da transparência em que se optou pela criação de uma nova entidade, em vez de se ter dotado o Ministério Público junto do Tribunal Constitucional dos recursos adequados. Eduardo Dâmaso no seu livro “Corrupção-breve história de um crime que nunca existiu” afirmou certeiramente, em matéria de meios, a justiça é o parente pobre dentro do Estado. Trinta anos depois do início da guerra dos meios para combater a corrupção, desencadeada por Cunha Rodrigues nos anos 80, mudou alguma coisa- como as regras do sigilo bancário suíço- mas pouco.