JUSTIÇA IMPERFEITA
SÁBADO, 02-10-2019 por António Ventinhas
“A realização de buscas, detenções, dedução de acusações ou despachos de arquivamento devem ter em conta unicamente o princípio da legalidade e objectividade do Ministério Público.”
As investigações e os processos judiciais têm tempos e obedecem a procedimentos próprios, alheios à oportunidade política.
A realização de buscas, detenções, dedução de acusações ou despachos de arquivamento devem ter em conta unicamente o princípio da legalidade e objectividade do Ministério Público.
Os actos de investigação devem ser praticados no momento mais apropriado, de acordo com a estratégia definida.
Se o prazo máximo da prisão preventiva dos arguidos termina num determinado dia, o Ministério Público deverá deduzir acusação antes, para evitar que os mesmos sejam libertados e se eximam à acção da Justiça
Os timings da justiça não podem ser condicionados pelos calendários políticos.
Os critérios de oportunidade política são substancialmente diferentes daqueles que são utilizados pelos magistrados, uma vez que estes últimos devem tramitar os processos unicamente de acordo com a Lei, sem ter em conta eventuais efeitos secundários políticos decorrentes da sua actuação.
Num Estado de Direito ninguém está acima da Lei e compete ao Ministério Público a defesa da legalidade.
Na política todos os factos são relevantes, ainda que não tenham qualquer contorno de natureza judicial.
Até a ocorrência de um fenómeno natural anómalo pode ser utilizado politicamente para atacar os adversários.
Do ponto de vista político qualquer facto pode ser relevante ou irrelevante, consoante o enfoque que se lhe dê.
Os processos judiciais têm uma lógica própria, mas alguns acabam também por ter uma dimensão política no seu sentido mais lato.
Em Portugal, certas decisões em processos de violência doméstica levaram a manifestações públicas e propostas de alterações legislativas.
Quando o Ministério Público investiga e deduz uma acusação de natureza criminal contra pessoas politicamente relevantes tal circunstância tem repercussão do ponto de vista politico.
O combate à corrupção criou maiores zonas de tensão entre as áreas do judicial e da política.
Os procuradores não visam favorecer partidos, facções políticas ou ideologias, mas somente aplicar a Lei.
Nos últimos anos o Ministério Público tem acusado e arquivado processos relativamente a figuras relevantes dos principais partidos.
Há casos até em que os mesmos procuradores já acusaram pessoas de partidos diferentes.
É bom salientar que há que distinguir as condutas pessoais e os partidos.
Se o Ministério Público acusa alguém deve-se ao facto de lhe imputar factos tipificados como crime pela lei penal e não pela circunstância de pertencer a um determinado partido.
Há quem veja motivações políticas em todas as decisões do Ministério Público.
A perspectiva varia consoante a decisão agrade ou não.
Se a decisão pode fragilizar um adversário político, o trabalho do Ministério Público é elogiado por elementos ou comentadores próximos do partido politico a quem interessa a decisão.
Por sua vez, se não se concorda com o despacho, logo se fala na crise da Justiça, na politização do Ministério Público ou em cabalas e teorias da conspiração.
Não podemos cair numa espécie de Benfica-Sporting em que o Ministério Público assume o papel de árbitro sempre responsável pela derrota da equipa da qual somos adeptos.
A última parte da campanha eleitoral foi dominada pela discussão do processo do furto de material de guerra em Tancos.
Quanto a este processo gostaria de salientar a dedicação dos procuradores que não gozaram as férias de Verão com as suas famílias e trabalharam arduamente em Agosto para terminarem a acusação antes de expirar o prazo máximo da prisão preventiva.
Para finalizar, adaptando o que já alguém disse, há mais Justiça para além de Tancos.