JUSTIÇA IMPERFEITA
SÁBADO, 26-09-2019 por António Ventinhas
A consagração de muitas normas abertas permitirá que doravante muitos promotores, procuradores e juízes brasileiros possam ser responsabilizados criminalmente pelas investigações ou decisões judiciais em que tenham intervenção.
Nas últimas décadas, Portugal destacou-se na realização de eventos internacionais.
Na área da Justiça também nos temos afirmado nessa área.
Nos últimos 3 anos o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público organizou três grandes conferências da associação internacional de procuradores ( IAP) no nosso território.
Em 2016 o nosso sindicato recebeu um certificado de mérito da associação mencionada, mostrando o apreço pelo trabalho desenvolvido.
Na semana passada, em Buenos Aires, na conferência anual da associação internacional de procuradores, perante cerca de 600 procuradores de mais de 100 países, o nosso trabalho voltou a ser distinguido.
Neste evento tive a oportunidade de falar com colegas de todo o mundo, mas de forma mais estreita com os magistrados de países de língua portuguesa.
Os promotores e procuradores do Brasil partilharam comigo as suas preocupações (neste país as funções que são exercidas em Portugal pelos procuradores encontram-se divididas entre promotores e procuradores da república).
O Brasil consagrou constitucionalmente muitas garantias à autonomia dos promotores e procuradores brasileiros que não têm paralelo praticamente em mais nenhum país.
A legislação constitucional brasileira é uma referência no que diz respeito à autonomia do Ministério Público e deveria servir de exemplo a outros países, designadamente Portugal.
Se é certo que o texto constitucional é muito bom, a legislação ordinária tem consagrado várias normas que distorcem claramente o espírito da constituição.
Está em discussão um novo tipo penal que visa condicionar os promotores e procuradores brasileiros na sua actividade livre de investigação.
O novo tipo de crime de abuso de autoridade pune criminalmente muitas condutas que noutros sistemas são tratadas como meras nulidades processuais.
Como reacção a algumas investigações pretende consagrar-se uma legislação que supostamente se destina a acabar com o autoritarismo no Brasil, mas que tem outros fins e terá consequências graves no combate à corrupção.
A consagração de muitas normas abertas permitirá que doravante muitos promotores, procuradores e juízes brasileiros possam ser responsabilizados criminalmente pelas investigações ou decisões judiciais em que tenham intervenção.
Se alguma investigação não correr bem, os promotores e procuradores brasileiros arriscam-se a ser presos e perder o seu emprego.
Os colegas brasileiros transmitiram-nos que se prevê uma fuga em massa dos lugares de investigação para outras áreas de actuação do Ministério Público.
A Confederação Nacional do Ministério Público do Brasil (CONAMP) já recolheu diversos apoios internacionais para denunciar a situação junto do relator especial das Nações Unidas para a independência do Poder Judicial.
No Brasil, como em Portugal, há a tendência para se tentar diabolizar as magistraturas e a polícia.
A existência de alguns erros pontuais é muitas vezes utilizada como exemplo e pretende fazer-se crer a toda a comunidade que os comportamentos excepcionais constituem a prática.
Em ambos os países há alguns políticos que estão mais empenhados em combater as magistraturas do que a corrupção.
No seu entender, o problema da Justiça não está nos atrasos processuais, na falta de instalações e meios informáticos ou escassez de recursos humanos, mas na impossibilidade de controlar os magistrados e a investigação criminal.