Esta semana, a direcção do SMMP deu entrada, no Supremo Tribunal Administrativo, da acção destinada a impugnar judicialmente a directiva nº 4/2020, da PGR. O recurso à via litigiosa só ocorreu porquanto a Senhora Procuradora-Geral da República persistiu em manter soluções ilegais e inconstitucionais que afectam o funcionamento interno do Ministério Público, mas também os direitos de outros sujeitos processuais, colocando inclusivamente em causa o princípio da separação de poderes. A directiva supra mencionada tem efeitos externos muito relevantes, afectando de forma decisiva princípios basilares do processo penal, como o da publicidade e processualização do inquérito, bem como o direito de defesa do arguido. Na acção e no parecer que a acompanha fica demonstrada, sem margem para qualquer dúvida que a directiva é ilegal e inconstitucional e que a PGR usurpou competências próprias da Assembleia da República, criando normas novas com repercussão no processo penal, à margem do Parlamento, por via administrativa. No parecer que analisou a directiva, os Professores Manuel da Costa Andrade e Paulo Pinto de Albuquerque afirmam lapidarmente que “A CRP vedou expressamente a existência de pré-inquéritos ou inquéritos paralelos, fora do âmbito de controlo do juiz de instrução. Pois é precisamente isso que a PGR e o CC da PGR querem entronizar, promovendo a emissão de uma ordem pelo hierarca dirigida a um caso concreto, ordem essa que pode ser até anterior ao início da própria investigação ou posterior à mesma.  (…) Esta lógica de um processo penal fora do processo penal reflete uma visão autocrática do MP, que, nas palavras do próprio CC, “não tem que justificar a sua posição, ou seja, o processo interno que, numa magistratura «una e indivisível» foi necessário para assumir uma determinada solução processual. (…) A criação de uma categoria de atos extra-processuais que se destinam a produzir efeitos no processo, mas ficam submetidos a um regime jurídico fixado em Diretiva da PGR e distinto do regime jurídico dos atos processuais do CPP e que podem ser mantidos à margem do tribunal, é uma perversão grave da noção de ato processual do próprio Conselho Consultivo, que frusta as garantias constitucionais inerentes ao processo penal, incluindo as relativas à processualização do inquérito e à sua sujeição à tutela judicial.  A Diretiva 4/2020 viola a reserva relativa da AR em matéria de processo penal (artigo 165.º, n.º 1, al.ª c), da CRP), designadamente quando define impedimentos de Magistrados do Ministério Público e o faz em termos mais restritivos do que o CPP. De igual modo, viola a reserva de lei quando prevê um regime de segredo, também distinto do estabelecido pelo CPP, de ordens concretas do hierarca destinadas a produzir efeito num determinado processo penal. E viola ainda a reserva de lei quando estabelece novos critérios de avocação de processo penal.“  A posição destes dois Professores Catedráticos de Direito Penal tem de ser seriamente meditada, uma vez que se trata dos maiores especialistas na matéria e que assumiram cargos muito relevantes no sistema de justiça. Até há relativamente pouco tempo, o Professor Manuel Costa Andrade foi presidente do Tribunal Constitucional e o Professor Paulo Pinto de Albuquerque foi juiz no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos. Ambos os professores são autores de obras de referência que abordam o processo penal e a sua relação com a Constituição da República Portuguesa. A apreciação efectuada coloca em crise, de forma irremediável, a aplicação da directiva nº 4/2020 da PGR, uma vez que os magistrados do Ministério Público devem recusar o cumprimento de directivas ilegais, nos termos do artigo 100º, nº3 do Estatuto do Ministério Público. Este diploma impõe a obrigação da recusa do cumprimento de directivas ilegais e não uma mera faculdade.

A direcção do SMMP

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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