O artigo 1817º. do Código Civil, na sua actual redacção, prevê o prazo para a propositura da acção de investigação da maternidade. Tal regime aplica-se à acção de investigação da paternidade, por força do disposto no artigo 1873º do mesmo diploma.Como regra geral, no actual regime, tal acção só pode ser proposta durante a menoridade do investigante ou nos dois primeiros anos posteriores à sua maioridade ou emancipação (nº1).
O nº. 4 do citado artigo 1817º., prevê um alargamento do prazo geral, nos casos em que o investigante é tratado como filho pela pretensa mãe, podendo então a acção ser proposta dentro do prazo de um ano, a contar da data em que cessar aquele tratamento.
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O Projecto de Lei ora em apreço visa alterar o artigo 1817º. do Código Civil, da seguinte forma:
1. …
2. …
3. …
4. Se o investigante for tratado como filho pela pretensa mãe, a acção pode ser proposta em vida da pretensa mãe ou dentro do ano posterior à sua morte.
5. Desde que os efeitos pretendidos sejam de natureza meramente pessoal, a acção de investigação da maternidade pode ser proposta a todo o tempo.
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Diga-se, antes de mais, que as alterações propostas têm sentido e alcance algo diverso.
Relativamente à redacção proposta para o nº4, os seus fundamentos assentam no facto de o tratamento como filho pelo pretenso pai poder cessar, mas o mesmo poder ser reatado, sendo legítimo que o investigante mantenha durante um período de tempo, que até poderá ser longo, a legítima esperança de ver reatado o anterior relacionamento.
Neste contexto, a instauração da acção de investigação impede que o investigado volte a ter com o investigante o tipo de relação que com ele mantivera, já que a situação de litigância não favorece esse reatamento..
Assim, o alargamento do prazo para propositura da acção, nos termos propostos – durante a vida da pretensa mãe ou no ano posterior à sua morte -, não merece qualquer oposição.
Já a redacção proposta para o nº5, afigura-se mais polémica e duvidosa. Propõe-se que a acção possa ser intentada a todo o tempo, desde que se pretendam alcançar efeitos meramente pessoais.
Para tanto, são invocados argumentos atinentes ao “direito à identidade pessoal” e ao “direito ao nome”, plasmados nos artigos 25º e 26º, da Constituição da República Portuguesa..
Por outro lado, são apresentados argumentos de direito comparado, apontando-se os casos da Espanha, Itália e Áustria, em que não existe prazo para a propositura destas acções.
Todavia, em vez de se propôr um regime semelhante – perfeitamente justificável em termos constitucionais – optou-se por uma proposta mitigada, qual seja a de admitir a propositura das acções para além dos prazos previstos, desde que os efeitos pretendidos sejam meramente pessoais. Desta forma, se protegeriam os interesses patrimoniais de terceiros e se obstaria à litigância por motivos exclusivamente materiais.
Tal solução, salvo o devido respeito, apresenta-se, de todo, inaceitável.
Desde logo, porque se criaria um novo tipo de filiação ( com efeitos meramente pessoais), ao arrepio de toda a tradição jurídica existente.
Por outro lado, estabelecer-se-ia uma nova forma de discriminação entre filhos, aqueles que são filhos com a plenitude dos direitos (pessoais e patrimoniais) e os outros, que apenas seriam filhos com direitos exclusivamente pessoais.
Tratar-se-ia, sem dúvida, de uma nova forma de discriminação, semelhante àquela que a Constituição da República de 1976 eliminou, entre filhos legítimos e ilegítimos.
Lisboa, 20 de Abril de 2001
A Direcção do
Sindicato dos Magistrados do Ministério Público