Exmo. Senhor
Presidente da Comissão de
Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias

Lisboa, 13 de Julho de 2001

Foi oportunamente, solicitado parecer ao SMMP sobre o teor dos seguintes Projectos de Lei:

a. n.º 347/VIII, de iniciativa do Partido Socialista e n.º 355/VIII do Grupo Parlamentar OS VERDES, ambos preconizando a alteração do art. 178º do Código Penal
b. n.º 369/VIII, de iniciativa do Partido Comunista Português, visando a alteração aos arts. 169º, 170º, 176º e 178º do Código Penal
c. n.º 408/VIII, de iniciativa do CDS-Partido Popular, de alteração ao art. 172º do mesmo diploma.

O Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, embora registando o facto de lhe ter sido solicitada uma contribuição no processo legislativo em curso, não pode deixar de anotar que o escasso tempo concedido para a intervenção no mesmo, o impossibilita, a nosso ver lamentavelmente, de proceder à elaboração de um texto devidamente cuidado e fundamentado no sentido da posição por nós assumida no que respeita a tão delicadas questões.

Julgamos assim pertinente levar ao conhecimento de V. Exª. tal facto, para que, se assim o achar conveniente, o levar em conta em situações futuras, por forma a que as entidades que essa Assembleia entenda reunirem as condições para contribuir para o enriquecimento do debate, possam, de forma efectiva e atempada, satisfazer tais expectativas.

No que concerne aos dois primeiros Projectos citados, e analisando a evolução do preceito constante do actual do art. 178º do Código Penal, o qual já três redacções desde a sua redacção inicial do DL 400/82 de 23 de Setembro, este SMMP é de opinião que o regime plasmado na lei actual, fortemente influenciado pelo princípio da legalidade no exercício da acção penal, é aquele que mais se adequa à natureza dos interesses em presença e ao necessário equilíbrio que entre eles deve existir.

Efectivamente, em nossa opinião, o regime vigente salvaguarda, por um lado, o interesse punitivo do Estado na repressão desse tipo de infracções graves, e por outro, em situações talvez menos frequentes, mas nem por isso menos merecedores de tutela legal, o interesse da vítima, o qual, em determinado caso concreto, poderá implicar a opção pelo não exercício da acção penal contra o agente do crime.

A solução agora preconizada nos Projectos-Lei referidos em a), terminará com tal equilíbrio, enfatizando o interesse punitivo e repressivo do Estado e descurando decisivamente o interesse da vítima, quando com ele não coincidente.

De resto, não nos parece que seja pela circunstância de se alargar o âmbito da natureza pública de tais crimes que o Ministério Público passará a tomar conhecimento, na prática, da verificação de tais situações, e não se nos afigura menos certa a afirmação, de que o escasso período de vigência da lei actual impede uma leitura precisa sobre as suas virtualidades e deficiências.

Não obstante o exposto, e ponderadas as razões expostas nos Projectos, nada há a obstar a que se proceda ao alargamento da natureza pública dos ilícitos mencionados no n.º 1 do art. 178º, quando dos mesmos resulte o contágio da vítima pelo vírus do HIV.

No que respeita ao Projecto-Lei referido em b), e no que respeita à alteração proposta para o art. 169º do Código Penal, este SMMP é de opinião que deverão ser inseridos no tipo legal os elementos objectivos abuso de autoridade e aproveitando qualquer situação de vulnerabilidade, como proposto, mas considera que a descrição típica das acções em que se traduz a execução, corre o risco de ser limitativa da aplicação do preceito e pode, por outro lado, alargar excessivamente a punição a titulo de autoria de situações que mereceriam o seu tratamento diferenciado, designadamente a sua punição a titulo de mera cumplicidade.

A redacção proposta para o art. 170º parece-nos igualmente alargar excessivamente o âmbito de aplicação do tipo já que o termo favorecer é por si só demasiado abrangente.

No que respeita ao art. 176º invocam-se os mesmos óbices apontados à proposta alteração ao art. 169º..

No que respeita á proposta alteração ao art. 178º, e para além do que já a esse propósito referimos, cumpre ainda mencionar que não se esclarece qual o Juiz a que o texto se refere: assim, e a referir-se ao Juiz de Instrução competente, enquanto incidente do processo de Inquérito, não nos parece que tal competência se possa enquadrar no âmbito do conjunto de matérias a ele reservadas tal como definidas pela doutrina em face do disposto no art. 268º do CPP; a referir-se, por outro lado, ao Juiz do tribunal comum, introduzir-se-ia um processo moroso na obtenção da decisão com a necessidade de prova que seria indispensável produzir para o efeito.

Em qualquer dos casos, parece-nos ainda que a definição constitucional e legal das funções do Ministério Público determinam que seja este órgão do Estado a quem deve caber a decisão sobre tal matéria.

No que se refere ao Projecto-Lei mencionado em c), este SMMP é de parecer que também aqui se manifesta um exagerado alargamento do tipo legal não subscrevendo a afirmação de que a conduta que agora se pretende tipificar seja portadora de um desvalor tão acentuado como o daquelas por ele já abrangidas.

A concluir, o SMMP aproveita ainda esta ocasião em que se dirige a V. Ex. para expor ainda o seguinte:

Tivemos conhecimento da existência em discussão na especialidade nessa Comissão, da Proposta de Lei n.º 76/VIII, que visa alterar o teor do DL 275-A/2000 de 9 de Novembro por forma a atribuir novas competências processuais a diversas entidades da Polícia Judiciária que revestem a qualidade de Autoridade de Polícia Criminal.

Não foi solicitado a tal propósito a este Sindicato, até ao momento, qualquer tomada de posição sobre a proposta em causa.

Não obstante, e sem prejuízo de nos colocarmos à inteira disposição de V. Ex. para os esclarecimentos que entenda por necessários ou convenientes, não podemos deixar de desde já manifestar a nossa oposição à alteração pretendida, na medida em que da mesma resulta a atribuição às entidades policiais de competências de verdadeira gestão e direcção de Inquérito, as quais extravasam os limites constitucionais da sua intervenção no mesmo, baseada de urgência e necessidade.

Com os melhores cumprimentos.

O Presidente do S.M.M.P.
(João Luís Pena dos Reis)

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