A confiança nas instituições num Estado de Direito Democrático – Equívocos
Revista Sábado
Paulo Lona
Presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público
Estamos perante uma crise mais ampla de confiança dos cidadãos nas instituições do estado de direito democrático, não um problema e uma crise de confiança específica no Ministério Público.
Esta semana foi publicado um estudo/sondagem, pelo Jornal de Notícias, que aborda a confiança que os portugueses têm nas várias instituições, numa altura em que alguns políticos/comentadores falam extensamente numa crise de confiança na Justiça e em particular no Ministério Público.
Um comentador, na SIC Notícias, questionou se perante essa crise o “poder político ia fica calado?”.
Outro comentador, falando em justicialismo, chegou ao ponto de comparar alguns processos em Portugal a situações ocorridas em Itália, Espanha e Brasil, nomeadamente a chamada operação “mãos limpas” em Itália, para concluir que os magistrados acabaram a criar partidos políticos e a ter carreiras na política.
Ora, desconheço um único exemplo em Portugal de um magistrado que, após ter sido titular de algum processo contra titulares do poder político, tivesse feito carreira na política. São comparações despropositadas e sem qualquer sentido, que só contribuem para desacreditar as instituições da justiça e dar uma imagem errada de que os magistrados iniciam processos com intenções políticas.
Mas, será que a crise de confiança da sociedade incide apenas (e principalmente) no Ministério Público ou abarca a grande maioria das instituições democráticas portuguesas.
Vejamos o que nos disse, nos 50 anos de Abril, o referido estudo/sondagem:
Dois terços dos inquiridos discordam que os eleitos se preocupam com as pessoas e “os portugueses só confiam em duas instituições do regime democrático: as Forças Armadas e as Forças Policiais. A Presidência da República fica em terceiro lugar, mas já com saldo negativo”.
A confiança dos cidadãos nas instituições democráticas apresenta um acentuado e preocupante saldo negativo (diferença entre as respostas positivas e negativas), de 32 pontos quanto à Assembleia da República, 30 quanto ao Governo, 29 quanto aos juízes e 18 quanto ao Ministério Público.
Por outro lado, no que respeita à corrupção, os resultados do estudo/sondagem apontam no sentido de que “é quase unânime a preocupação com a corrupção e os seus efeitos negativos (94%), sendo que dois terços dos portugueses (66%) dizem mesmo que é um problema «muito grande»”.
Estamos perante uma crise mais ampla de confiança dos cidadãos nas instituições do estado de direito democrático, não um problema e uma crise de confiança específica no Ministério Público.
O estudo/sondagem, realizado pelo Jornal de Notícias, demonstra que a falta de confiança dos cidadãos não é relativa a uma só instituição, é ampla e perigosa para o próprio Estado de Direito Democrático.
Estes resultados deveriam fazer refletir a sociedade, a classe política e os diversos poderes num estado de direito sobre a credibilidade das instituições democráticas junto da sociedade e a necessidade de não as fragilizar mais.
Quando se verificam os ataques que têm ocorrido sobre o poder judicial e mais concretamente sobre o Ministério Público quem ganha com isso?
Quando se faz passar a mensagem de que o Ministério Público atua com intenções políticas quem ganha com isso?
Quando se pretende levar ao Parlamento uma Procuradora-Geral da República para falar sobre processos concretos, em investigação e sujeitos a segredo de justiça, violando a separação de poderes num Estado de Direito, quem ganha com isso?
Seguramente não é a credibilidade das instituições democráticas num Estado de Direito quem ganha com isso.
Não é desacreditando-se as instituições que se presta um bom serviço ao Estado de Direito, poderá ajudar alguém, mas não seguramente a democracia.
Não é atacando o Ministério Público, que ser transformou “para alguns” na maior ameaça a “tudo e todos”, que se credibilizam as instituições próprias e necessárias ao funcionamento de um estado de direito democrático.
Uma nota final para aqueles advogados que trazem, sistematicamente, para o palco mediático as supostas nulidades dos processos em que intervêm. É nos processos e não na praça pública que se invocam e decidem eventuais vícios processuais existentes.