SÁBADO, 09-11-2022 por Paulo Lona, Secretário-Geral do SMMP

O Ministério Público deve, nesta área do direito, além do mais, avaliar e fiscalizar os contratos que incluam cláusulas abusivas e ilícitas e, quando necessário, intentar ações judiciais com vista a que aquelas sejam consideradas nulas e não possam ser reutilizadas.

Um dos principais objetivos destes artigos, como já aqui referi, tem sido divulgar ao público a atividade desenvolvida pelos magistrados do Ministério Público, nas diversas áreas de atuação, nos tribunais e serviços do Ministério Público, salientando as carências existentes, as dificuldades presentes, as incompreensões sentidas, bem como contrariar algumas perceções, públicas ou privadas, erradas sobre aspetos da sua atuação.

Uma das funções que o Ministério Público desempenha, dentro do vasto conjunto de competências que lhe são, estatutária e legalmente conferidas, é a defesa do que se designa por interesses coletivos e difusos.

No âmbito dessas funções está a proteção do consumidor.

Consumidor é definido pela lei como “todo aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma atividade económica que vise a obtenção de benefícios” (artigo 2.º da Lei n.º 24/96, de 31 de julho).

No fundo, consumidor somos todos nós em múltiplas circunstâncias da nossa vida.

No âmbito das relações que se estabelecem entre os consumidores e as empresas/profissionais no domínio do direito, cabe ao Ministério Público defender os consumidores, considerando que existe uma relação desequilibrada entre consumidor e empresa/profissional, dado que esta/e empresa/profissional “dispõe de mais e melhor informação, não só técnica, mas também, jurídica, no que respeita ao negócio em causa e, por outro lado, uma capacidade financeira superior” (RMP número especial Covid, 2020, Jorge Carvalho “Covid 19 e Direito de Consumo”).

A própria Lei de Defesa do Consumidor estabelece, no seu artigo 13.º, alínea c), a legitimidade ativa do Ministério Público para intentar as ações previstas nesse diploma em proteção do consumidor e o artigo 20.º refere expressamente que “incumbe também ao Ministério Público a defesa dos consumidores no âmbito da presente lei e no quadro das respetivas competências, intervindo em ações administrativas e cíveis tendentes à tutela dos interesses individuais homogéneos, bem como de interesses coletivos ou difusos dos consumidores”.

O Ministério Público deve, nesta área do direito, além do mais, avaliar e fiscalizar os contratos que incluam cláusulas abusivas e ilícitas e, quando necessário, intentar ações judiciais com vista a que aquelas sejam consideradas nulas e não possam ser reutilizadas.

O Ministério Público pode intentar ações inibitórias destinadas a prevenir ou fazer cessar práticas que lesem os direitos do consumidor, atentando contra a sua saúde e segurança, bem como que consistam em práticas comerciais legalmente proibidas ou ainda as que se traduzam no uso de cláusulas gerais proibidas.

Embora o direito do consumo pressuponha a necessidade de proteção acrescida de uma das partes nas relações que se estabelecem (o consumidor), existe – como apontado por diversos autores nesta área do direito – um claro “défice de aplicação prática”.

A necessidade de proteção do consumidor, enquanto parte mais vulnerável, acentua-se habitualmente em períodos de crise económica.

A Procuradoria-Geral da República tem, na sua orgânica interna, criado pelo novo estatuto, um departamento central de contencioso do Estado e dos interesses coletivos e difusos. Contudo, nesta área, tal como em outras, a atuação do Ministério Público fica aquém do que seria possível se o número de magistrados existente fosse o necessário.

O Ministério Público, condicionado na sua atuação pela escassez de recursos humanos para dar uma resposta eficaz e especializada em todas as suas áreas de atuação, acaba por privilegiar com naturalidade a atuação na área penal.

Apenas com o aumento do número de magistrados com especialização nesta área (aprofundamento da formação de Magistrados na área do direito do consumo) será possível protagonizar uma atuação mais próxima do cidadão/consumidor e em articulação com as diversas entidades que igualmente têm competências na defesa do consumidor.

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