JUSTIÇA IMPERFEITA
SÁBADO, 23-04-2020 por António Ventinhas
O Covid 19 é um vírus que não poupa ninguém; ricos e pobres, famosos e desconhecidos são afectados pela doença e sucumbem. Não há países ou classes sociais que lhe escapem. Neste momento, também não existe dinheiro que pague a cura ou permita a salvação. O vírus infecta todos por igual. Não obstante a aparente igualdade, importa olhar para fora da Europa e das zonas ricas do globo.
Nos países europeus o vírus tem sido combatido através do isolamento social e do confinamento em casa. Tal medida implica que grande parte dos cidadãos tenha dinheiro para pagar a sua alimentação e gastos diários, enquanto se encontram impossibilitados de trabalhar. O Estado Social suporta despesas hospitalares, atribui subsídios a cidadãos e empresas e permite a subsistência de uma percentagem significativa da população neste período difícil.
Em muitos países de África, América do Sul ou Ásia os cidadãos têm de trabalhar diariamente para obter um rendimento miserável. A protecção social é quase inexistente e quem não trabalha não come. Nesses locais, o Estado não garante o sustento de quem fica confinado. O sistema hospitalar não tem material adequado e em número suficiente ( se nem na Europa ou nos Estados Unidos tem, imaginemos como será em alguns países africanos). Em muitas zonas nem sequer existe água potável ou electricidade. Como é óbvio, nestas regiões ninguém pode ficar na sua residência dois ou três meses à espera que a pandemia abrande, sob pena de morrer de fome.
A pandemia revela que há problemas globais que têm de ser resolvidos de forma abrangente, mas percebemos que cada país continua a olhar só para o seu quintal. A Europa necessita de uma actuação integrada a nível interno para combater o vírus e relançar a economia. Para além disso, no meu entendimento, a Europa terá de olhar para além do seu umbigo, se o vírus se propagar abundantemente nos países mais pobres. Se os povos ricos não ajudarem, poderemos assistir a uma das maiores tragédias da História, com países e continentes inteiros a serem devastados. Por exemplo, se o vírus se propagar de forma descontrolada na Índia ou na Nigéria qual será o saldo final em perda de vidas humanas? Quantos milhões morrerão? Se acontecer uma tragédia dessas, o que aconteceu na Europa e nos Estados Unidos da América poderá parecer uma brincadeira.
Em Portugal, no nosso cantinho, também existem desigualdades. Em particular, gostaria de falar do problema das mulheres. Como regra, após o fecho das escolas foram estas que ficaram em casa com os filhos.
A magistratura do Ministério Público é composta maioritariamente por pessoas do sexo feminino, muitas delas com filhos pequenos e que não conseguem assegurar o seu serviço através de teletrabalho. Em alguns Diaps foram dadas instruções para os inquéritos não serem digitalizados, o que inviabiliza o trabalho à distância. No fim desta pandemia, muitas magistradas ficarão prejudicadas face aos seus colegas do sexo masculino, pois o seu trabalho irá estar mais atrasado, o que as poderá prejudicar na carreira.