No passado Domingo, a nossa selecção nacional de futebol sénior alcançou um feito histórico ao tornar-se campeã da Europa.

Durante semanas, o foco centrou-se em Cristiano Ronaldo.

O Portugal-País de Gales foi o encontro de Bale contra Ronaldo.

O Portugal-França deveria ser o duelo de Ronaldo contra o Griezmann e o momento da decisão da bola de ouro, esquecendo-se muitos que estava em jogo “apenas” o campeonato da Europa.

Por muito que Fernando Santos insistisse na importância do grupo e da equipa, as disputas individuais acabaram sempre por dominar todas as conferências de imprensa.

Na final do campeonato, Cristiano Ronaldo lesionou-se logo num momento inicial e o espírito e a organização da equipa revelaram-se essenciais para a conquista do título.

Devido ao nosso espírito latino individualista não acreditamos muito no colectivo.

Por essa razão não conseguimos vencer em muitos domínios.

Nas equipas mais eficazes é normal não conseguirmos destacar um único nome, pois todos se completam e são fulcrais para atingir o sucesso.

Esta breve reflexão serve para nos fazer meditar sobre a importância das equipas no mundo judiciário.

Durante anos, a formação de magistrados ministrada no Centro de Estudos Judiciários visou formar profissionais altamente qualificados, com um saber muito abrangente e auto-suficiente, destinado a administrar a justiça isoladamente.

A organização das magistraturas também assenta igualmente num paradigma deste género.

No que diz respeito à investigação criminal e à representação do Ministério Público em julgamento verificam-se algumas mudanças, mas, na minha opinião, são insuficientes para acompanhar os novos tempos.

O exercício da acção penal contra arguidos com uma elevada capacidade económica suscita novos desafios, pois aqueles apostam em equipas multidisciplinares muito eficientes para tratarem de um único caso.

Em alguns processos, um único arguido contrata vários advogados, os melhores peritos, diversos assessores de imprensa e solicita pareceres a professores universitários para sustentar a sua posição.

O tempo em que os arguidos mais influentes se faziam acompanhar apenas do seu advogado de confiança já pertence ao passado.

Face à nova realidade, a aposta do Ministério Público terá de passar pela constituição de equipas coesas na fase de investigação ( o que já sucede), mas também na fase de julgamento.

Nos Estados Unidos da América e em outros países o trabalho de equipa é essencial para se obterem bons resultados.

Na Holanda, por exemplo, o procurador dirige um grupo que inclui desde secretários, a juristas e peritos.

No nosso País, em muitos julgamentos mediáticos é frequente vermos um único procurador numa sala de audiências quando estão dezenas de advogados do outro lado.

Por muito bom que seja um magistrado não é aconselhável deixar algumas investigações e julgamentos nas mãos de uma única pessoa, pois caso adoeça ou se reforme poderá comprometer o desfecho do processo.

Nos processos mais relevantes é forçoso que o trabalho seja efectuado por equipas e que exista uma boa articulação entre as diversas fases.

É vital que alguém que deduziu a acusação e acompanhou a investigação desde o início esteja igualmente presente no julgamento quando a complexidade assim o exija.

O Ministério Público português sabe que este é o caminho que tem de ser trilhado, mas o poder político impede esta evolução por razões que desconhecemos ( ou talvez não), negando os recursos necessários.

Por outro lado, a forma como se estrutura a progressão na carreira dos procuradores é algo que deve ser questionado.

Se voltarmos novamente à equipa de futebol, todos sabemos que esta é mais do que um conjunto de jogadores.

A equipa tem de ter um guarda-redes, defesas, médios e avançados.

Se o Rui Patrício foi considerado o melhor guarda-redes do Europeu deve continuar a defender a baliza nacional e não ser “promovido” a avançado.

Ora, não é isso que sucede na “equipa” do Ministério Público.

Em muitos casos, a promoção de um procurador implica o desempenho da função numa área completamente diferente, isto é, uma mudança da sua posição no campo.

Imaginem que grande parte dos jogadores não está na posição que treinou durante anos ( que por exemplo o Cristiano Ronaldo era guarda-redes e o Rui Patrício era avançado), a equipa seria a mesma, mas os resultados seriam completamente diferentes.

A única forma de optimizar os jogadores ( e magistrados do Ministério Público) passa por os mesmos se poderem especializar na posição que escolheram e a sua carreira poder progredir de acordo com o seu desempenho.

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António Ventinhas é presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público


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