BOLSA DE ESPECIALISTAS
VISÃO, 09-11-2020 por Adão Carvalho, Secretário-Geral do SMMP

Se o Estado quer um Ministério Público atuante, designadamente no domínio do combate à corrupção e à criminalidade económico-financeira, então tem de fazer corresponder essa intenção a um reforço do número de magistrados e dos meios necessários à execução das suas funções

O Ministério Público depara-se com uma enorme e grave falta de magistrados do Ministério Público decorrente de uma política reiterada de não abertura de vagas ou de abertura, mas em número manifestamente insuficiente para compensar os que foram saindo por terem atingido a idade de reforma ou jubilação.

A sociedade exige do Ministério Público que seja capaz de dar uma resposta mais eficaz e célere nas suas múltiplas valências de intervenção, seja na área criminal, na defesa dos trabalhadores, nos interesses difusos, nas crianças e jovens em perigo e, em muitas outras áreas de intervenção.

A complexidade crescente dos processos no domínio da criminalidade económico financeira e a sua expansão em números e a necessidade de concentrar esforços no combate a fenómenos criminosos específicos como a violência doméstica, a violência no desporto, os incêndios, a corrupção, os crimes fiscais, impuseram, por um lado, a necessidade de criação de departamentos e secções especializados e, por outro, a necessidade de canalização de recursos humanos para os mesmos.

A exigência da sociedade e do Estado perante o Ministério Público não foi acompanhada do consequente e necessário reforço do quadro de magistrados, conduzindo à atual situação de uma gritante falta de magistrados, não só ao nível dos tribunais de primeira instância, como ao nível dos tribunais superiores.

Em grande parte dos juízos e secções espalhados pelo país os magistrados do Ministério Público trabalham no limite das suas capacidades, tendo muitas vezes que acumular funções em vários tribunais ou secções, com as inerentes deslocações entre municípios e com um enorme sacrifício para a sua vida privada e familiar.

São vários os tribunais onde a pendência de inquéritos por magistrado ultrapassa em três ou quatro vezes o valor de referência de inquéritos considerado adequado para cada um e tendo muitas vezes que acumular com o serviço dos colegas que estão de baixa por doença ou em gozo de licença parental.

Também ao nível dos tribunais superiores o Ministério Público apresenta uma grave falta de magistrados, pelo que a grande maioria dos que se jubilam regressam ao serviço por não existir quem os substitua, sendo que o número pré-existente era já insuficiente face às necessidades do serviço.

A pandemia por “Covid-19” evidenciou a enorme carência de quadros no sistema nacional de saúde ao nível de médicos, enfermeiros, técnicos e auxiliares, consequência de anos de desinvestimento nos meios humanos.

Esperamos que não seja necessária uma “pandemia” na justiça para que o Estado desperte para a necessidade urgente de abrir vagas para a magistratura do Ministério Público em número adequado a suprir as necessidades, recorrendo se necessário for a um desdobramento da escola de formação de magistrados com a instalação, ainda que temporária, de um polo no norte do país, de forma a que se formem novos magistrados para o Ministério Público a tempo de se evitar um eventual colapso ou incapacidade do MP para dar resposta às várias áreas de intervenção que lhe estão acometidas.

A falta de quadros do MP é uma forma de limitação da autonomia do Ministério Público que, embora acreditemos não seja essa a intenção, pode ser interpretada como forma política de limitação da atuação do Ministério Público.

Se o Estado quer um Ministério Público atuante, designadamente no domínio do combate à corrupção e à criminalidade económico-financeira, então tem de fazer corresponder essa intenção a um reforço do número de magistrados e dos meios necessários à execução das suas funções.

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