A justiça e as doenças do foro mental/psíquico
Revista Sábado
Paulo Lona
Presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público
O momento relevante para avaliar a imputabilidade é o da prática dos factos que constituem um crime.
A atualidade impõe voltar a tratar o tema das doenças do foro mental/psíquico e eventuais consequências processuais, em especial ao nível da responsabilidade/responsabilização dos arguidos que praticam crimes.
Em primeiro lugar, é de referir que só é penalmente responsável aquele que é considerado pela lei como imputável, isto é, quem tem pelo menos 16 anos de idade (entre os 16 e os 21 anos pode beneficiar de um regime mais favorável e abaixo desta idade, entre os 12 e os 16 anos, poderá apenas responder no âmbito de um processo tutelar educativo cuja finalidade principal é a educação para o direito) e não tem uma anomalia psíquica que, no momento da prática do crime, comprovadamente, o impeça de avaliar a sua ilicitude e se determinar em conformidade com essa avaliação.
O momento relevante para avaliar a imputabilidade é o da prática dos factos que constituem um crime.
Se for considerado inimputável devido a uma grave perturbação mental (que seja não acidental, cujos efeitos a pessoa não controla, e que diminua significativamente sua capacidade de julgar a ilegalidade de seus atos ou de agir de acordo com esse julgamento), o indivíduo poderá, caso represente perigo para a sociedade, ser submetido a uma medida de segurança. Esta medida pode incluir internamento.
Neste caso de inimputabilidade, por anomalia psíquica, o arguido é julgado e poderá ser-lhe aplicada, por sentença, não uma pena, mas uma medida de segurança.
A situação de incapacidade por anomalia psíquica não impede a realização do julgamento do arguido, sendo a sua defesa assegurada por advogado que o representa.
O mesmo acontece também no caso de julgamento de um arguido ausente. Em determinadas circunstâncias, previstas na lei, é possível realizar um julgamento sem a presença do arguido, como tal sem que este se possa pessoalmente defender, sendo a sua defesa assegurada pelo advogado que o representa. O arguido ausente é sempre representado pelo seu defensor para todos os efeitos possíveis durante o julgamento, assegurando-se que os seus interesses sejam defendidos, mesmo sem sua presença física.
Retomando a questão da anomalia psíquica, caso se comprove que o arguido sofre de uma anomalia psíquica que tenha surgido após a prática do crime deve o tribunal apurar se este está incapaz de perceber as consequências e o alcance de uma eventual sentença condenatória e pena.
Se o tribunal entender que estão verificados os pressupostos previstos no artigo 106.º, n.1, do Código Penal, pode suspender a execução de uma pena de prisão em que condenou o arguido (até cessar o estado que fundamentou essa suspensão).
Tudo depende de uma avaliação individualizada da capacidade do arguido. Não basta a existência de um diagnóstico de doença mental é preciso avaliar, concretamente, se e como essa condição afeta a capacidade do indivíduo.
Embora estas questões apenas façam notícia e sejam comentadas em processos mediáticos elas surgem, com grande regularidade, nos vários processos que existem nos tribunais portugueses.
O tribunal terá sempre que aplicar a lei vigente ao caso concreto.
A nossa lei não prevê, verificada uma situação de défice ou perturbação cognitiva, qualquer suspensão do julgamento, mas apenas a possibilidade de suspensão da execução da pena de prisão, nos termos do referido artigo 106.º, do Código Penal, quando o arguido padeça de uma anomalia psíquica que o prive da capacidade de compreensão da pena e até cessar o estado que fundamentou a suspensão (quando o Tribunal considere que a capacidade de avaliação de uma eventual condenação esteja comprometida face aos défices cognitivos, o que implicaria que seria condenado por algo que não tinha o alcance pleno de entender).
As doenças de foro mental/psíquico também assumem relevância no domínio do direito civil, especialmente numa sociedade envelhecida. É importante permitir que pessoas com algum tipo de deficiência possam beneficiar, quando necessário, de medidas destinadas a assegurar a sua autonomia, integração social e profissional, e participação na vida da comunidade.
Relativamente a cada pessoa com deficiência, que de algum modo limite a sua capacidade de querer e/ou entender, deve ser procurada uma resposta que vá ao encontro da natureza da deficiência e circunstâncias concretas de vida.
Compete ao Ministério Público a defesa e promoção dos direitos e interesses dos adultos com capacidade diminuída, bem como de outras pessoas especialmente vulneráveis. O seu papel assume grande e crescente relevância, especialmente através das ações de maior acompanhado.
O regime de maior acompanhado aplica-se a cidadãos maiores de 18 anos que, por razões diversas, se encontram impossibilitados de exercer os seus direitos, cumprir deveres ou cuidar do seu património de forma autónoma.
O beneficiário deve estar impossibilitado, seja por razões de saúde, deficiência ou pelo seu comportamento, de exercer plenamente os seus direitos ou cumprir os seus deveres de forma pessoal e consciente.
O que se visa é garantir o bem-estar, a recuperação e o pleno exercício dos direitos do beneficiário, focando-se na pessoa e não apenas no seu património. É um regime flexível e adaptável às necessidades específicas de cada pessoa, permitindo criar um “fato à medida” e limita-se ao mínimo necessário para assegurar a autodeterminação e capacidades do beneficiário. Prioriza o respeito pela vontade e preferências do acompanhado.