SÁBADO, 11-01-2021 por Paulo Lona, Secretário-Geral do SMMP
Não deixa de ser curioso que quando o Ministério Público mais investiga, “tocando” nos sectores mais relevantes da nossa sociedade, desde a politica, ao mundo empresarial e ao futebol, surjam vozes a querer mudar o sistema processual penal e a desvalorizar o papel do Ministério Púbico e seus magistrados.
Ecoam na comunicação social vozes de alguns “comentadores” da justiça, a propósito (ou despropósito) da absolvição de um ex-ministro, criticando o Ministério Público e os juízes de instrução criminal e elaborando generalizações infundadas, ilações despropositadas e efabulações reflexas de crenças de outros tempos.
Uma dessas vozes, porventura saudosista de outros tempos em que não existia uma magistratura independente – independente do poder executivo e da magistratura judicial – como titular da fase processual em que se faz a investigação e por ela responsável (tempos em que se corria o risco de mistura das funções de “investigador”, “acusador” e “julgador”), fala de uma figura abstrata a que denomina de “república de procuradores”.
Porventura, preferiria um sistema em que a investigação era exclusivamente policial, sem qualquer dependência funcional de uma magistratura ou com um mero controlo difuso e distante. Então poderíamos falar não de uma “república” de procuradores (coisa e expressão absurda e despropositada olhando para os múltiplos mecanismos de controle interno e externo da atividade do Ministério Público) mas sim de uma “república policial”.
Será necessário olhar para a realidade de alguns outros países para perceber os riscos inerentes?
Convinha que alguns destes “comentadores/especialistas/
Os tempos e as exigências da investigação criminal não são as mesmas que eram há 20 anos atrás.
A especialização da parte de quem investiga e de quem coordena a investigação é hoje absolutamente essencial e sem ela nunca teria sido possível uma grande parte das acusações de grande complexidade que têm ocorrido na criminalidade económico-financeira.
Avaliar o trabalho do Ministério Público com base em meia dúzia de processos e fazer a partir dai generalizações é injusto e incorreto.
Se olháramos para os números de acusações/arquivamentos, pronúncias e condenações veremos uma realidade nacional bem distinta daquela que alguns (uns inocentemente e outros com uma agenda semioculta) pretendem transmitir.
Mas, isso seria deixar a realidade estragar uma boa história e muitos destes comentadores da justiça preferem claramente uma “boa história”, muitas vezes condicionada pelas experiências vivenciadas com o sistema de justiça (embora não assumida como tal), para vender na comunicação social.
O Ministério Público está, ao contrário de outros intervenientes processuais, vinculado a um dever de objetividade e isenção, aprecia a prova nas suas várias fases processuais e não se guia por “crenças”. Essa vinculação a um conjunto de deveres estatutários faz com que muitas vezes peça a absolvição de um arguido que acusou.
Isso que dizer que Ministério Público fez mal o seu trabalho?
Não.
Avaliar isso implicaria sempre uma avaliação autónoma da prova produzida na fase de inquérito e na fase de julgamento.
Vamos usar um exemplo muito simples.
O Ministério Público acusa um arguido tendo por base o depoimento claro, preciso e inequívoco de uma testemunha.
Esse arguido chega a julgamento e, entretanto, não é possível ouvir essa testemunha porque faleceu e não é possível valorizar o seu depoimento prestado na fase investigatória de acordo com as regras de processo penal em julgamento.
O arguido é absolvido.
O Ministério Público cumpriu, com objetividade e imparcialidade, a sua função, quer quando acusou finda a fase de inquérito (como titular da ação penal) quer quando na ausência de prova em julgamento pediu a absolvição desse mesmo arguido.
Não deixa de ser curioso que quando o Ministério Público mais investiga, “tocando” nos sectores mais relevantes da nossa sociedade, desde a politica, ao mundo empresarial e ao futebol, surjam vozes a querer mudar o sistema processual penal e a desvalorizar o papel do Ministério Púbico e seus magistrados.
Obviamente que quanto mais se investiga mais se corre o risco de também cometer erros ou lapsos. Não existem sistemas perfeitos nem Ministérios Públicos perfeitos em nenhuma parte do mundo. A perfeição ou a ausência de erros é uma utopia. O que é importante é perceber as garantias que cada sistema transmite à sociedade e aos cidadãos.
Será que queremos mesmo voltar aos tempos em que raramente se investigavam e muito menos se acusavam “políticos”, “ministros”; “deputados”, “autarcas”, “juízes, “procuradores” e “policias”.
A sociedade tem que saber o que pretende, voltar aos tempos de que têm saudades os “velhos do restelo” em que a justiça não agitava as águas e como tal não estava na boca do mundo, nas páginas da comunicação social, nos telejornais e no comentário dos “tudólogos”, ou, assumindo que não existe um sistema perfeito, dotar o Ministério Públicos dos meios/recursos necessários para aperfeiçoar o seu trabalho e combater de forma eficaz a criminalidade económico-financeira, nomeadamente a corrupção.