SÁBADO, 21-09-2021 por Paulo Lona, Secretário-Geral do SMMP

A necessidade de diálogo, urbanidade, respeito e ética profissional entre os profissionais do mundo judiciário (a regra e as exceções).

A regra entre todos os operadores do mundo judiciário (magistrados judiciais e do Ministério Público, advogados, solicitadores, agentes de execução, administradores de insolvência e funcionários judiciais) é a urbanidade, cordialidade, respeito mútuo e até consideração pelas respetivas funções de cada um e o papel que desempenham no sistema de justiça.

Todos os profissionais do mundo da justiça estão vinculados estatutariamente a um conjunto de deveres que visam, além do mais, salvaguardar esse relacionamento interpessoal (na mesma profissão e entre profissões distintas) e institucional.

O artigo 88.º do estatuto da ordem dos advogados, com a epígrafe integridade, estabelece que o advogado tem nas suas obrigações profissionais a honestidade, probidade, retidão, lealdade e cortesia e deve ter um comportamento público e profissional adequado à dignidade e responsabilidades da função que exerce. Tem ainda, de acordo como artigo 95.º do mesmo estatuto, um dever geral de urbanidade, isto é, deve proceder com urbanidade, nomeadamente para com os colegas, magistrados, árbitros, peritos, testemunhas e demais intervenientes nos processos, e ainda oficiais de justiça, funcionários notariais, das conservatórias e de outras repartições ou entidades públicas ou privadas.

No que aos magistrados diz respeito, os artigos 7.º-D do estatuto dos magistrados judiciais e 105.º estatuto do Ministério Público, estabelecem, de forma equivalente, um dever geral de urbanidade, segundo o qual os magistrados devem adotar um comportamento correto para com todos os cidadãos com que contactem no exercício das suas funções, designadamente na relação com os demais magistrados, funcionários, advogados, outros profissionais do foro e intervenientes processuais.

A este mesmo dever de urbanidade estão sujeitos todos os restantes profissionais do mundo judiciário.

Estes deveres são habitualmente respeitados por todos apesar da natural conflitualidade própria de quem sustenta interesses divergentes.

Contudo, quanto tal não acontece, sendo ultrapassados os limites éticos e do respeito devido pelas funções de cada um, devem as respetivas ordens profissionais e conselhos ter uma postura atenta e ativa, de modo a que a excepção não contamine as relações de respeito individuais e institucionais, produzindo ondas de choque e minando o bom relacionamento normalmente existente.

Num momento em que atravessamos um período de alguma crispação nas relações institucionais e pessoais no mundo do judiciário é importante relembrar a boa normalidade.

Recordo-me que no ano de 2010, na Figueira da Foz, foram organizadas as primeiras jornadas de direito penal e processual penal em conjunto por advogados e magistrados do ministério público e judiciais.

Até essa data e desde um famoso congresso da justiça não tinham sido organizados eventos na área do direito penal que resultassem de uma concertação e um esforço conjunto da ordem dos advogados (conselho distrital de Coimbra e delegação da Figueira da Foz), sindicato dos magistrados do Ministério Público (Distrital de Coimbra) e associação sindical dos juízes portugueses (Regional de Coimbra).

É com saudade que recordo esses momentos de partilha numa organização que foi um grande sucesso, fazendo convergir posições divergentes sobre os mesmos temas e permitindo uma discussão franca e alargada sobre estes. Este evento contou com a presença, como oradores e moderadores, de advogados, magistrados e professores universitários, como os grandes mestres/professores de direito penal Costa Andrade e Figueiredo Dias.  Nesse evento foi lançado, pela primeira vez, o debate sobre os acordos de sentença, que levaria a muitos futuros debates sobre a mesma questão.

Não poderia deixar de saudar as pessoas com quem colaborei e que tornaram possível a realização de tal evento, o meu colega procurador Carlos Pinho, o advogado João Nunes da Costa e o juiz desembargador José Quaresma e enaltecer a junção de esforços e franca colaboração que todos os entraves permitiu superar.

Esse evento mostrou como é possível conciliar posições divergentes, mesmo em momentos de crispação institucional, e forjou uma amizade que ainda hoje perdura entre estes profissionais do judiciário que o tornaram possível (todos eles muito apresentáveis e pessoas a quem tenho a honra de chamar amigos).

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