O TJUE tem entendido que o juiz, para aferir do caráter exageradamente dispendioso, para o interessado, do custo de um processo judicial, não pode basear-se unicamente na situação económica do interessado, devendo também proceder a uma análise objetiva do montante das despesas

Adão Carvalho
A semana foi marcada pela demissão do primeiro-ministro e pelo anúncio da dissolução da Assembleia da República por parte do Presidente.
Aproveitando um comunicado da Procuradoria-Geral da República e sobretudo um último parágrafo que dava conhecimento de que “no decurso das investigações surgiu, além do mais, o conhecimento da invocação por suspeitos do nome e da autoridade do primeiro-ministro e da sua intervenção para desbloquear procedimentos no contexto suprarreferido. Tais referências serão autonomamente analisadas no âmbito de inquérito instaurado no Supremo Tribunal de Justiça, por ser esse o foro competente” e alicerçando toda a sua retórica no mesmo, o primeiro-ministro anunciou que iria pedir a sua demissão.
Isto só pode ser devido a uma insanidade temporária ou ocasional!
Então os magistrados do MP devem ser responsabilizados por terem feito aquilo a que a lei os obriga, ou seja, por estarem a cumprir devidamente as suas funções?
O que queriam? Que perante a suspeita de um crime o MP enviasse a suspeita para a gaveta ou destruísse os elementos do processo donde emerge tal suspeita, para não incomodar o primeiro-ministro?
É este p modelo de Estado que queremos? Um Estado em que o Ministério Público apenas investiga o que o poder executivo quiser ou permitir?
Esquecem que a lei processual penal obriga sempre à abertura de um inquérito perante a notícia de um crime?
É este o modelo de Estado que queremos? Um Estado em que o Ministério Público apenas investiga o que o poder executivo quiser ou permitir?
O inquérito é isso mesmo, a fase processual que se destina a recolher prova e com base na mesma concluir pela comprovação ou não da suspeita.
A instauração de um inquérito não comporta qualquer juízo do MP sobre a bondade dos indícios, ou seja, sobre se os mesmos são ou não bastantes para levar alguém a julgamento – isso é o que resultará da prova a recolher nesse âmbito e que importará um juízo dessa natureza no final dessa fase processual, não no início.
Logo, o MP não fica vinculado no início do inquérito a um determinado desfecho – o que se pede é que conduza o inquérito de forma objetiva e, no final, decida se os indícios que, entretanto, recolheu são ou não suficientes e, com base nesse juízo, tire as devidas ilações, arquivando ou acusando.
A decisão do MP de instaurar um inquérito não é, nem pode ser encarada, como causa adequada da demissão de um primeiro-ministro. Trata-se, outrossim, de uma decisão pessoal, subjetiva e política, de quem pede a demissão, podendo depois invocar para esse efeito o que mais lhe aprouver.
Mas nessa decisão e opção, nem a Procuradoria-Geral da República nem o Ministério Público têm qualquer responsabilidade.
Interpretar os factos de outra forma é inverter a lógica própria de um Estado de direito democrático, é censurar quem fez o que a lei lhe impõe que faça.
A decisão do MP de instaurar um inquérito não é, nem pode ser encarada, como causa adequada da demissão de um primeiro-ministro. Trata-se, outrossim, de uma decisão pessoal, subjetiva e política
Não tenhamos ilusões. O combate da criminalidade económico-financeira e da corrupção não é um combate fácil.
Não podemos esquecer que os potenciais investigados neste tipo de criminalidade têm muito poder, quer ao nível económico que lhes permite fazer uso de todos os expedientes processuais e mais alguns para arrastarem os processos, quer igualmente ao nível da capacidade de influência e pressão sobre os tribunais e os meios de comunicação social.
Talvez muitos prefiram delinear uma estratégia anti-MP, em vez de implementar uma estratégia anticorrupção.
Porque existem sempre duas opções: ou se quer combater a corrupção que mina o funcionamento do Estado; ou se quer sacudir a corrupção para debaixo do tapete, para que não seja visível, e neste caso é melhor combater o Ministério Público.
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico