SÁBADO, 20-06-2023 por Paulo Lona, Secretário-Geral do SMMP

Ao ser posta em causa a liberdade de expressão dos magistrados é a própria independência do judiciário francês que é, por essa via, posta em causa.

A liberdade de expressão dos juízes em França está a ser alvo de um ataque por parte das autoridades francesas, o que já levou a Associação dos Magistrados Europeus para a Democracia e Liberdades (MEDEL), de que fazem parte o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público e a Associação Sindical de Juízes Portugueses, a emitir um comunicado expressando a sua preocupação e exortando, por isso, essas autoridades a abandonarem o plano de restringirem a liberdade de expressão dos membros da magistratura “e, pelo contrário, trabalharem para fazer do «país da declaração dos direitos humanos» o ponta de lança de um reforço das estruturas do Estado de Direito dentro da Europa”.

Ao ser posta em causa a liberdade de expressão dos magistrados é a própria independência do judiciário francês que é, por essa via, posta em causa.

Retomando o comunicado da MEDEL “dois dias após a decisão do Tribunal Europeu de Direitos Humanos SARISU PEHLIVAN v. Turquia de 6 de junho de 2023 (que lembra que as organizações profissionais de juízes são atores centrais da sociedade civil cujas declarações devem beneficiar de um “alto nível de proteção” uma vez que fazem parte de um “debate sobre questões de interesse público”), o Senado francês alterou o estatuto dos magistrados franceses para restringir drasticamente a liberdade de expressão das Associações Sindicais de juízes sempre que o assunto não estiver diretamente ligado ao seu exercício profissional”.

Este é um ataque que dever ser levado muito a sério até porque visa expressamente posições que foram assumidas pelo Sindicato da Magistratura Francesa ao recordar a missão de preservação dos direitos fundamentais que incumbe à autoridade judiciária em qualquer sociedade democrática e a independência que lhe deve ser reconhecida em conformidade (em causa estavam posições assumidas por esse Sindicato a propósito de uma vasta operação policial implementada em Maiote com o objetivo oficial de combater a imigração irregular, num contexto em que era de recear o desencadeamento de uma repressão excessiva). 

Retomando aqui o comunicado da MEDEL, “Embora afirmem trabalhar pelo estado de direito na Europa, parece, pelo contrário, que as autoridades francesas escolheram seguir os passos dos governos polaco e húngaro no seu esforço para desafiar a independência do judiciário, correndo o risco de expor a França a processos de infração perante os tribunais da União Europeia”.

A participação no debate público sobre questões de interesse geral – e em particular ao nível da proteção efetiva dos direitos e liberdades públicas – é para os magistrados não só um direito, mas também um dever, tal como recorda a MEDEL e como é reconhecido em particular pelo Conselho da Europa, o Tribunal Europeu de Direitos Humanos e o Tribunal da Justiça da União Europeia.

O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) já condenou Estados em que magistrados representantes sindicais foram objeto de procedimento disciplinar por falarem nos meios de comunicação social. O Tribunal considerou que o representante sindical em causa tinha o direito, mas também o dever, de expressar a sua opinião quando as suas declarações faziam parte de um debate sobre questões de interesse público, considerando, além disso, que, como representante de um sindicato de magistrados, o magistrado em causa assumiu o papel de ator da sociedade civil.

É de recordar que em Portugal a liberdade sindical é um direito constitucional diretamente aplicável e vinculativo, que só pode ser restringido nos casos expressamente previstos na própria Constituição e devendo essas restrições limitar-se ao estritamente necessário e sem pôr em causa o seu conteúdo essencial.

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