
SÁBADO, 25-01-2023 por Paulo Lona, Secretário-Geral do SMMP
A proteção de vítimas de crimes, nomeadamente sexuais e em especial relativos a menores, pode estar a ser colocada em causa na sequência da indefinição a que está atualmente votado o acesso aos denominados “metadados” para efeitos de investigação criminal.
A proteção de vítimas de crimes, nomeadamente sexuais e em especial relativos a menores, pode estar a ser colocada em causa na sequência da indefinição a que está atualmente votado o acesso aos denominados “metadados” para efeitos de investigação criminal.
Nos últimos dias, na sequência de um relatório sobre abusos sexuais na igreja, apresentado pubicamente, um dos temas que tem sido recorrentemente tratado na comunicação social é o da a proteção das vítimas de crimes. Antes do mais é de notar que os crimes sexuais assumem especial gravidade quando quem os pratica são as mesmas pessoas que deveriam proteger as vítimas e conferir-lhes segurança (pessoas em quem essas mesmas vítimas depositavam especial confiança).
Ainda recentemente foi igualmente objeto de atenção mediática a situação de uma jovem de 16 anos que fugiu de sua casa e só foi encontrada mais de seis meses depois, tendo sido, durante vários meses, recusado ao Ministério Público o acesso aos dados de localização e faturação quer do suspeito quer da vítima.
A proteção de vítimas de crimes, nomeadamente sexuais e em especial relativos a menores, pode estar a ser colocada em causa na sequência da indefinição a que está atualmente votado o acesso aos denominados “metadados” para efeitos de investigação criminal.
É importante esclarecer do que se trata quando falamos de “metadados”, não falamos de dados de conteúdo das comunicações (voz, imagem e texto) mas sim de dados gerados antes e durante o processo de comunicação (por exemplo o acesso a dados relativos à localização de alguém vítima ou suspeito da prática de um crime e a faturação detalhada).
A grande incongruência do sistema é que esses mesmos dados são preservados (pelo período de seis meses) e encontram-se acessíveis para as operadoras de redes de comunicações eletrónicas para fins comerciais.
A lei dos “metadados” que permitia, além do mais, a conservação dos dados de tráfego e localização das comunicações, visando a sua eventual utilização na investigação criminal, foi recentemente colocada em crise após o Acórdão do Tribunal Constitucional 268/2022 declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma que neste diploma previa a obrigação de conservação de metadados para efeito de «investigação, deteção e repressão de crimes graves por parte das autoridades competentes» (o artigo 6.º da referida Lei previa que “as entidades referidas no n.º 1 do artigo 4.º devem conservar os dados previstos no mesmo artigo pelo período de um ano a contar da data da conclusão da comunicação”). ´
Alguns autores, como Rui Cardoso (Revista do Ministério Público n.º 172, outubro a dezembro 2022), entendem que se mantém a admissibilidade legal de utilização probatória dos dados de tráfego/localização conservados ao abrigo da Lei 41/2004, posição que subscrevemos.
Mas, há que superar a indefinição na interpretação da lei em vigor à luz do referido acórdão do Tribunal Constitucional e nas consequências a extrair da declaração de inconstitucionalidade.
É evidente que o acesso aos elementos que permitam identificar o utilizador de um equipamento eletrónico e saber onde este se encontrava quando ocorreu uma comunicação eletrónica específica é absolutamente essencial na investigação de certos crimes, como o sequestro/rapto de menores, que pode ter subjacente a intenção de praticar crimes de natureza sexual. Em muitos casos, fica inviabilizado o acesso a informação que permitiria iniciar a investigação de crimes graves, o sucesso de tal investigação ou, mais grave, comprometida a possibilidade de salvar vidas.
Impõe-se ponderar as implicações negativas para valores essenciais a qualquer sociedade como a proteção das vítimas e a segurança do próprio Estado.
As soluções legislativas que respeitem a Constituição Portuguesa e a legislação europeia, sem descurar as necessidades próprias da investigação criminal e a proteção das vítimas (na sua vida, integridade física, liberdade etc…), tardam em surgir e são necessárias em face das divergências interpretativas que vêm surgindo.
As situações que têm sido noticiadas impõem que seja clarificada a legislação relativa ao acesso e conservação de dados de tráfego/localização e a sua utilização no âmbito da investigação criminal.
Em conclusão, não sendo permitido o acesso a esses dados, o Estado não está a cumprir o seu papel de viabilizar a investigação de múltiplos fenómenos criminais socialmente relevantes e está a desproteger as vítimas de crimes. Devemos estar atentos a este sério problema que pode afetar individualmente qualquer um e que nos afeta a todos como sociedade.