A reforma judiciária – 10 anos passados

15/01/2025

Revista Sábado
Paulo Lona
Presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público

A reforma do mapa judiciário português, implementada há uma década, trouxe avanços significativos na modernização e eficiência do sistema de justiça. A especialização e a nova estrutura de gestão emergiram como pontos positivos cruciais. No entanto, persistem desafios importantes.

A reforma do mapa judiciário português completou recentemente uma década, suscitando uma reflexão oportuna sobre as transformações ocorridas no sistema de justiça.

A Associação Sindical de Juízes Portugueses organizou uma conferência, em que tive a honra de participar, com o tema “A reforma judiciária – Uma década de transformações: Reflexões e perspetivas. 10 anos de reforma judiciária: mapa judiciário, especialização e gestão”, cujo objetivo era fazer essa reflexão.

Esta reorganização, implementada há dez anos, visava aprimorar a capacidade de resposta, qualidade, celeridade, simplicidade, acessibilidade e eficiência do sistema judicial.

A reestruturação incluiu a criação de 23 grandes tribunais, cada um gerido por um Conselho de Gestão (composto por um Juiz presidente, um Magistrado do Ministério Público Coordenador e um Administrador Judiciário), o alargamento da base territorial das circunscrições judiciais e o encerramento de 20 tribunais com baixo volume processual.

Embora estas mudanças tenham promovido uma gestão mais concentrada e autónoma, também aumentaram a distância entre os tribunais e algumas populações, afetando o acesso à justiça para alguns cidadãos mais vulneráveis.

Após uma década, é necessário repensar a dimensão de algumas comarcas, reajustando-as à realidade atual.

Cada uma das 23 comarcas atualmente existentes apresenta uma realidade única e enfrenta desafios particulares. No entanto, é de notar que algumas destas comarcas possuem uma extensão geográfica excessiva, o que acarreta dificuldades significativas na sua gestão e funcionamento. Face a esta situação, torna-se imperativo reconsiderar a dimensão e a estrutura destas comarcas mais extensas, com vista a otimizar a sua eficácia e a garantir um melhor acesso à justiça para todos os cidadãos.

Esta reavaliação é fundamental para assegurar que o sistema judiciário possa responder de forma mais adequada às necessidades específicas de cada região, tendo em conta as suas características demográficas, sociais e económicas.

Analisemos agora a questão da especialização, que emergiu como um aspeto positivo crucial da reforma.

Com a implementação de jurisdições especializadas em todo o território nacional, verificou-se um aumento considerável no número de juízos especializados. Esta expansão abrangeu diversas áreas cruciais do sistema judicial, nomeadamente o Direito Civil, Criminal, Laboral, Família e Menores, Comercial e Execução. Esta mudança representou um passo significativo na organização e eficiência do sistema judiciário português, permitindo uma abordagem mais focada e especializada em cada uma destas áreas jurídicas específicas.

A especialização continua a ser o caminho acertado para o sistema judiciário português, embora seja necessário equilibrá-la com a proximidade territorial, especialmente em áreas sensíveis como Família e Menores. Esta abordagem permite que os magistrados se foquem em áreas específicas do direito, como penal, tributário ou família e menores, onde o conhecimento aprofundado é essencial. Tal especialização resulta em decisões e ações mais informadas e de melhor qualidade, aumentando a eficácia e potencialmente reduzindo a morosidade processual, pois magistrados especializados lidam mais eficientemente com casos específicos. Além disso, possibilita uma alocação mais eficiente de recursos humanos e materiais, permitindo aos magistrados uma melhor gestão do seu tempo e dos recursos disponíveis.

Para otimizar a eficácia da especialização, é fundamental investir na formação de magistrados que transitam para novas áreas, bem como na formação contínua. É igualmente crucial integrar novas tecnologias com sistemas informáticos seguros e eficazes, e aumentar o número de magistrados e oficiais de justiça.

A escassez de recursos humanos e materiais tem condicionado o modelo de especialização, que, apesar disso, se afigura como o mais adequado. Quando a reforma foi implementada, não existiam magistrados em número suficiente nos quadros para assegurar o seu sucesso. O Sindicato dos Magistrados do Ministério Público alertou na altura para a necessidade de um número adequado de magistrados para evitar sobreposições de agendamentos de diligências judiciais em várias jurisdições.

A gestão das novas comarcas assume um papel crucial para o bom funcionamento e eficiência de todo o aparelho judicial português. Quatro aspectos fundamentais merecem destaque: os órgãos, suas competências e modo de funcionamento; o orçamento; a gestão dos funcionários judiciais; e a gestão dos edifícios.

A introdução de um novo modelo de gestão por objetivos, com uma estrutura tripartida, trouxe melhorias significativas na eficiência e qualidade da gestão dos tribunais. O Sindicato dos Magistrados do Ministério Público concordou com a existência e composição deste órgão, salientando a necessidade de definir detalhadamente as competências, formas de coordenação, poderes próprios de cada membro e decisões que exigem unanimidade.

Quanto ao orçamento, deve ser repensada a autonomia financeira das comarcas e do Ministério Público. Propõe-se que, dentro da dotação orçamental global de cada comarca, seja definida uma verba específica para as despesas próprias do Ministério Público, a ser administrada sob direção do Magistrado do Ministério Público Coordenador, salvaguardando assim a autonomia desta magistratura. A divisão das verbas pelas diferentes rubricas deve ser da competência do Juiz Presidente e do Magistrado do Ministério Público Coordenador.

Na gestão dos funcionários judiciais, tem-se verificado que o administrador judiciário nem sempre demonstra a sensibilidade necessária para as necessidades específicas do Ministério Público nas comarcas. A gestão dos quadros de funcionários judiciais deveria ser feita pelo Juiz Presidente e pelo Magistrado do Ministério Público Coordenador nas respetivas áreas, com a colaboração do Administrador. Qualquer alteração nos quadros deveria requerer acordo entre os três.

A gestão dos edifícios é outro aspeto crucial e impõe-se uma alocação realista de espaços para os serviços do Ministério Público, garantindo condições dignas e eficientes.

Em conclusão, a reforma do mapa judiciário português, implementada há uma década, trouxe avanços significativos na modernização e eficiência do sistema de justiça. A especialização e a nova estrutura de gestão emergiram como pontos positivos cruciais. No entanto, persistem desafios importantes que requerem atenção e ajustes. É necessário repensar a dimensão de algumas comarcas, equilibrar a especialização com a proximidade territorial, e resolver a escassez de recursos humanos e materiais. A gestão das comarcas, incluindo aspetos como orçamento, funcionários judiciais e edifícios, precisa ser aprimorada para garantir maior autonomia e eficácia. Olhando para o futuro, é fundamental continuar a investir na formação, integração tecnológica e alocação adequada de recursos para consolidar os ganhos obtidos e superar os obstáculos remanescentes, assegurando assim um sistema judiciário mais acessível, eficiente e adaptado às necessidades da sociedade portuguesa.

Share This