Ano novo e problemas velhos

Revista Sábado
Paulo Lona
Presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público
A chegada de um novo ano é tradicionalmente um momento propício para reflexões e balanços, e o setor da justiça não é exceção a esta prática.
A grande maioria dos problemas identificados na justiça nos anos anteriores transitam, sem alterações substanciais, para o ano de 2025.
No âmbito do sistema judicial, magistrados, suas instituições e sindicatos têm consistentemente apontado as deficiências, problemas e obstáculos que provocam atrasos e ineficiências, clamando por mudanças que assegurem os recursos humanos, materiais e tecnológicos necessários.
A escassez de magistrados e oficiais de justiça tem sido frequentemente denunciada em discursos oficiais e informais, bem como em reuniões com diversos atores políticos, incluindo grupos parlamentares e o Ministério da Justiça. Esta preocupação estende-se também à insuficiência de recursos materiais e tecnológicos.
Para o Ministério Público, é crucial a existência de redes estáveis, seguras e rápidas, além de um sistema informático adequado para a gestão de inquéritos. Este sistema, que deve ser administrado pelo próprio Ministério Público, precisa garantir uma organização eficaz das provas, sendo seguro, robusto, ágil e intuitivo. A interoperabilidade com os sistemas utilizados pelas polícias e institutos responsáveis por perícias é fundamental para otimizar o tempo na obtenção de denúncias, relatórios finais e meios de prova.
É imperativo que tribunais e departamentos do Ministério Público estejam instalados em espaços dignos, acessíveis aos cidadãos, seguros para profissionais e utentes, e funcionais. Contudo, muitas destas instalações encontram-se envelhecidas, necessitando de obras de conservação, enquanto outras são completamente inadequadas para suas finalidades. A manutenção e conservação eficaz destes edifícios continua a ser uma questão não resolvida, essencial para garantir o funcionamento adequado dos serviços de justiça e assegurar condições de saúde, higiene e segurança para todos os envolvidos, sejam profissionais (magistrados, advogados, oficiais de justiça…) ou utentes do serviço de justiça.
Adicionalmente, os problemas decorrentes da falta de autonomia financeira do Ministério Público persistem sem alterações significativas. Esta situação mantém a instituição dependente de recursos alocados por terceiros, potencialmente comprometendo sua capacidade de cumprir plenamente suas funções.
Com a chegada do novo ano, aguarda-se com expectativa o surgimento de uma proposta que finalmente dignifique a carreira dos oficiais de justiça e acalme as agitadas águas da justiça, embora os primeiros indícios não sejam particularmente animadores. Espera-se que seja alcançado um acordo com os sindicatos representativos dos oficiais de justiça, evitando assim a repetição em 2025 da série de greves (legítimas e justificadas) que ocorreram em 2024, as quais provocaram atrasos sucessivos em diligências, julgamentos e outros atos processuais.
O projeto de estatuto anunciado deverá corresponder às necessidades e expectativas não só dos oficiais de justiça, mas sobretudo dos cidadãos, que são os mais prejudicados quando o serviço prestado fica aquém do desejável devido à falta de profissionais motivados e em número adequado. Esta motivação passa necessariamente por uma remuneração condigna, à altura das exigências da função, e por uma carreira atrativa.
É fundamental que este novo estatuto tenha em consideração a especificidade das funções desempenhadas pelos oficiais de justiça nos serviços do Ministério Público, as quais requerem uma qualificação distinta daqueles que exercem funções nas secretarias judiciais. A natureza particular do trabalho no Ministério Público exige uma formação e especialização dos técnicos de justiça nas suas diversas áreas de intervenção, com especial ênfase nos domínios da investigação criminal, trabalho, família e menores, onde se verifica uma forte interação com o público.
Ao entrarmos neste novo ano, evocando o adágio “ano novo, vida nova”, alimentamos a esperança de que 2025 se revele como um marco decisivo para o sistema judicial português. Almejamos que este seja o ano em que a justiça seja, finalmente, reconhecida como uma prioridade nacional incontornável, merecedora de uma atenção e investimento à altura da sua importância fundamental para a sociedade.
Neste sentido, é imperativo que se concretize uma alocação adequada e criteriosa de recursos humanos, materiais e tecnológicos ao setor da justiça. Esta dotação deve ser proporcional aos desafios complexos que o sistema enfrenta e suficiente para colmatar as lacunas há muito identificadas.
Que 2025 seja o ano em que se ultrapassem as promessas e as intenções, dando lugar a ações concretas e eficazes. Só assim poderemos assegurar um serviço de justiça que corresponda verdadeiramente às expectativas e necessidades dos cidadãos portugueses, reforçando os alicerces do Estado de Direito e da democracia no nosso país.