Em Outubro do ano passado cerca de dezena e meia de associações profissionais organizaram uma conferência sobre as funções soberanas do Estado.

Da mesma resultou que aquelas são cada vez mais menosprezadas pelo poder politico, perdem importância de dia para dia e ocorre um desinvestimento nas mesmas.

Algumas das funções que há umas décadas eram vistas como essenciais para o funcionamento do Estado, hoje são encaradas de uma forma completamente diferente.

Como regra, o investimento na Defesa, na Segurança Interna ou na Justiça não implica grande retorno eleitoral.

Numa sociedade em que há que racionar recursos financeiros, quem quer ganhar eleições aplica os mesmos preferencialmente nos sectores que lhe podem trazer maiores dividendos políticos.

Os problemas no sector da floresta ou a falta de recursos da Defesa estão identificados há muito tempo.

O volume de investimento que é necessário para resolver tais problemas é assimétrico relativamente ao retorno eleitoral e, por essa razão, não se passa do diagnóstico à implementação das medidas em concreto.

O mesmo sucede na Justiça.

Quando foram estudados os quadros de funcionários e magistrados necessários para implementar a nova orgânica judiciária, o Ministério da Justiça determinou o número de profissionais, de acordo com vários critérios.

No entanto, esse quadro nunca chegou a ser preenchido.

No que diz respeito ao número de funcionários judiciais é gritante a divergência entre os quadros legais e o número real existente.

Como bem refere o Presidente do Sindicato dos Funcionários Judiciais, a situação é insustentável e compromete a realização da Justiça.

No entanto, ninguém resolve uma situação que se arrasta há vários anos.

É normal que um juízo que não tenha funcionários suficientes apresente atrasos relevantes.

Em diversos juízos criminais as prescrições de penas e do procedimento criminal são uma realidade corrente.

Há tribunais do comércio em que os processos se encontram parados por falta de recursos humanos.

Em Portugal, a crise das funções soberanas do Estado insere-se no contexto mais vasto da perda de soberania nacional.

O processo de integração europeia levou a que abdicássemos de parte da nossa soberania.

O simples facto de não termos moeda própria condiciona muito as opções governativas a tomar.

Os governos nacionais estão cada vez mais dependentes do que se passa em Bruxelas, chegando ao ponto dos orçamentos nacionais necessitarem de aprovação prévia.

Os novos acordos internacionais de livre comércio, como o acordo de comércio entre a União Europeia e o Canadá, consagram novas soluções, em que se admite que os grandes processos de natureza comercial já não sejam julgados em Portugal, mas sim perante Tribunais arbitrais internacionais.

Soluções similares encontram-se previstas noutros tratados que se encontram em negociação.

Doravante, o Estado Português poderá ser julgado perante um tribunal arbitral internacional quando tome medidas que prejudiquem as grandes empresas que actuam no mercado.

As decisões poderão ter sérias repercussões na nossa comunidade.

A Justiça passará cada vez mais a ser imposta de fora para dentro.

Neste quadro, em que a soberania do Estado português é permanentemente desafiada, a inversão desta situação terá de passar necessariamente pelo reforço interno das nossas funções soberanas.

Se nós não cuidarmos da nossa soberania quem o fará?

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sabado.pt – 04/07/2017

António Ventinhas é presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público

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