BOLSA DE ESPECIALISTAS
VISÃO, 13-12-2022
por Adão Carvalho, Presidente do SMMP
As funções consultivas da Procuradoria-Geral da República vieram ao longo dos tempos a adquirir uma tal importância e especificidade, que justificaram a criação de uma estrutura própria
A propósito do parecer solicitado pelo Ministério da Educação ao Conselho Consultivo da PGR e relativo à legalidade do modelo de execução das greves nas escolas e de alguns equívocos e confusões entre aquilo que são as funções do Ministério Público e as competências daquele órgão, entendi por bem tentar esclarecer com este artigo, o que é e para que serve o mesmo.
A generalidade dos países dispõe de órgãos de consulta que, na Europa, se designam frequentemente por Conselho de Estado. Nalguns casos, estes órgãos constituem a secção administrativa de uma estrutura jurisdicional a que compete igualmente, em última instância, o contencioso administrativo (Bélgica e França); noutros (Espanha) trata-se de um órgão autónomo.
Em Portugal, as atribuições consultivas remontam, pelo menos, ao reinado de D. Afonso III.
De início com funções materialmente políticas, os órgãos de conselho foram evoluindo e, no século XVI, abrangiam já todos os negócios do Estado sobre os quais o rei quisesse ouvi-los, em especial os negócios estrangeiros.
A partir do início do século passado passaram a ficar circunscritas à interpretação e à aplicação das leis.
Inicialmente concentradas no Procurador-Geral, as funções consultivas da Procuradoria-Geral da República vieram ao longo dos tempos a adquirir uma tal importância e especificidade, que justificaram a criação de uma estrutura própria, presidida por este e constituída por vogais em número constante de quadro aprovado por portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça e providos de entre magistrados do Ministério Público, magistrados judiciais e juristas de mérito: o Conselho Consultivo.
Compete ao Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República: emitir parecer restrito a matéria de legalidade nos casos de consulta previstos na lei ou por solicitação do Presidente da Assembleia da República, dos membros do Governo, dos Representantes da República para as regiões autónomas ou dos órgãos de governo próprio das regiões autónomas; pronunciar-se, a pedido do Governo, acerca da formulação e conteúdo jurídico de projetos de diplomas legislativos, assim como das convenções internacionais a que Portugal pondere vincular-se; pronunciar-se sobre a legalidade dos contratos em que o Estado seja interessado, quando o seu parecer for exigido por lei ou solicitado pelo Governo; pronunciar-se sobre as questões que o Procurador-Geral da República, no exercício das suas funções, submeta à sua apreciação.
O prazo para a elaboração dos pareceres é de 60 dias, salvo se a sua complexidade justificar maior prazo; e as suas deliberações são tomadas pela maioria dos votos, dos presentes, em sessão do Conselho Consultivo ordinária ou, extraordinária, por convocatória do PGR.
Quando solicitado por um membro do Governo, o parecer passa a valer como interpretação oficial da lei se for homologado pelo mesmo.
Temos, assim, que separar aquilo que é o Ministério Público, enquanto magistratura autónoma, a quem estão atribuídas competências como o exercício da ação penal ou a representação dos trabalhadores, dos menores, dos ausentes e dos incapazes, daquilo que são as funções consultivas da PGR, enquanto órgão, e desempenhadas através do Conselho Consultivo.
Como acima referimos, o mesmo não é composto apenas por magistrados do MP, mas também por juízes e juristas de mérito (professores universitários, advogados, etc.).
As suas funções são de consulta, em sede de interpretação da lei, perante questões concretas suscitadas por membros do Governo e demais entidades previstas.
De qualquer das formas, a interpretação sufragada nos pareceres só tem valor vinculativo quando a entidade que o solicitou, o atribua, homologando-o.
Isto é, o Conselho Consultivo não se substitui ao membro do Governo ou outras entidades que solicitaram o parecer, sendo a estes que compete o poder decisório.
Como o pressuposto do recurso a este mecanismo de consulta é a existência de dúvida interpretativa por parte de quem solicita o parecer, não se pode esperar do Conselho Consultivo uma resposta relâmpago. A complexidade das matérias exige, por via da regra, um estudo maturado, pelo que o prazo de 60 dias legalmente previsto não se pode considerar excessivo.
O que não pode, nem deve acontecer, é o Conselho Consultivo ser usado e instrumentalizado, pelo Governo, para servir de escudo ou de válvula de escape, quando tem de tomar decisões difíceis, que podem abalar a sua popularidade.