Corrupção: efetividade do combate

11/12/2024

Revista Sábado
Paulo Lona
Presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público

O combate efetivo à corrupção depende, primeiramente, de uma vontade política genuína para dotar o Ministério Público e as forças policiais com os recursos humanos, materiais e tecnológicos necessários. Se o Ministério Público não tiver um número suficiente de magistrados especializados, o combate à corrupção fica comprometido.

Ontem celebrou-se o dia internacional contra a corrupção.

A corrupção pode ser encarada como fenómeno social e criminal sob uma multiplicidade de perspetivas.

O poder executivo desenvolve estratégias de combate à corrupção, focando-se na prevenção e repressão. Os partidos políticos criticam o que consideram falhas, cada um segundo a sua visão política e social. Grupos parlamentares propõem alterações legislativas, enquanto estudiosos do direito produzem trabalhos académicos sobre o tema. Sociólogos analisam o fenómeno e as estatísticas revelam a perceção dos cidadãos. A sociedade civil organiza conferências, analistas discutem a relação entre a perceção pública e a realidade dos números, comentadores refletem sobre o assunto em programas televisivos, jornalistas questionam especialistas e profissionais do setor judiciário apresentam propostas baseadas na sua experiência.

No entanto, surge a questão: será que tudo já foi dito e feito na luta contra a corrupção? Se algo ainda falta, o que seria? Poderíamos investir mais na formação cívica, na prevenção e na mudança de mentalidade? Deveríamos aprovar novas alterações legislativas ou estratégias de prevenção e repressão? Talvez criar novas autoridades independentes ou fortalecer as existentes com os recursos necessários? Poderíamos também considerar alterar os tipos legais de crimes ou criar novos tipos legais para preencher lacunas penais relevantes. Outra opção seria agravar as penas para os crimes já existentes.

O combate efetivo à corrupção depende, primeiramente, de uma vontade política genuína para dotar o Ministério Público e as forças policiais com os recursos humanos, materiais e tecnológicos necessários. Além disso, pequenas alterações legislativas poderiam agilizar processos e eliminar barreiras existentes.

O atual Governo estabeleceu como prioridade o combate à corrupção, uma tarefa que requer um Ministério Público institucionalmente independente e magistrados funcionalmente autónomos, além de recursos materiais, humanos e tecnológicos adequados. Para que esse combate seja eficaz, é essencial contar com polícias, técnicos, peritos e magistrados especializados que possam trabalhar em equipas multidisciplinares, muitas vezes dedicando-se exclusivamente a essas funções.

No entanto, se o Ministério Público, responsável pela ação penal, não tiver um número suficiente de magistrados especializados, o combate à corrupção fica comprometido. A situação é agravada pela insuficiência de magistrados para atender a todas as solicitações do Ministério Público. A magistratura enfrenta desafios como o envelhecimento dos profissionais (com uma idade média superior a 50 anos), um aumento no número de magistrados em acumulação de funções e um crescente número de baixas por doença, incluindo casos de burnout. Esses fatores dificultam a especialização necessária para investigar crimes económico-financeiros.

As equipas especiais são cruciais para grandes processos e investigações complexas. Elas adotam uma abordagem multidisciplinar que reúne magistrados, polícias e técnicos especializados em áreas como branqueamento de capitais, recuperação de ativos, análise de provas em ambiente digital, análise de fluxos financeiros e analise contabilística. No entanto, estas equipas exigem muitos recursos humanos e materiais num momento em que há escassez desses recursos.

Ainda no que se refere aos recursos humanos, existe um défice significativo e persistente no preenchimento dos quadros de funcionários de justiça nos serviços do Ministério Público, com uma falta superior a 500 profissionais. Além disso, há uma carência de formação especializada para o exercício de funções em processos de corrupção e outros crimes económico-financeiros, em áreas como a digitalização, organização de apensos e gestão documental.

É crucial tornar a carreira dos Oficiais de Justiça mais atra tiva, proporcionando-lhes um estatuto profissional e remuneratório adequado à função e ao custo de vida. No âmbito do futuro estatuto dos oficiais de justiça, é necessário criar um corpo de funcionários especializados em investigação criminal, com remuneração apropriada.

As deficiências de recursos humanos para combater este tipo de criminalidade têm sido apontadas tanto interna como externamente. Organismos como a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) e a Comissão Europeia destacam a necessidade de aumentar a capacidade do Ministério Público para combater o crime económico-financeiro, incluindo corrupção e branqueamento de capitais. O relatório de 2023 da OCDE, no capítulo dedicado às políticas anticorrupção, enfatiza essa necessidade.

Na Europa, o relatório anual da Comissão Europeia sobre o Estado de Direito ganha cada vez mais relevância. Este relatório oferece avaliações detalhadas sobre o sistema de justiça e o quadro anticorrupção.

Em relação a Portugal, tem sido apontado um défice de cerca de 200 magistrados do Ministério Público nos tribunais e serviços do Ministério Público. Foram apresentadas recomendações ao Estado Português para continuar os esforços no sentido de assegurar recursos humanos adequados ao sistema de justiça e melhorar a sua eficiência; garantir recursos suficientes para prevenir, investigar e perseguir criminalmente a corrupção; e prosseguir reformas para melhorar a transparência do processo legislativo.

O último relatório destaca expressamente a contínua falta de procuradores, uma situação agravada pelo elevado número de aposentações e pela idade média elevada dos novos procuradores que entram no sistema. Também alerta para o risco de esgotamento profissional entre os magistrados do Ministério Público devido ao elevado volume de trabalho.

No que diz respeito aos recursos humanos, é importante destacar que, sem polícias especializados que realizem, de forma eficiente e em tempo útil, as diligências necessárias para a recolha de provas, o sucesso de qualquer investigação pode ser facilmente comprometido. É essencial reforçar os diversos departamentos da Polícia Judiciária, assim como o seu Laboratório de Polícia Científica, com inspetores, peritos, técnicos e especialistas. Além disso, é necessário aumentar os quadros da Inspeção Geral de Finanças (IGF) para garantir uma capacidade efetiva de inspeção e investigação adequada e atempada das atividades das entidades públicas.

Também é fundamental aumentar o número de magistrados nos Tribunais Administrativos e Fiscais para assegurar a celeridade nas decisões com impacto económico-financeiro. A contratação de peritos, assessores e consultores para o Ministério Público (e para os juízes), especialmente para o DCIAP, DIAP Regionais e Secções Especializadas de Criminalidade Económico-Financeira nos DIAP de comarca, é crucial. Estes profissionais devem ter competências em áreas como informática, análise de sistemas e indexação de dados, urbanismo, contratação pública, contabilidade e análise financeira, economia e fiscalidade.

No mesmo contexto, é necessário reforçar os Gabinetes de Apoio aos Magistrados do Ministério Público (GAMMP) nas Procuradorias Gerais Regionais com um número adequado de especialistas nas áreas mencionadas anteriormente. É igualmente importante fortalecer o Núcleo de Assessoria Técnica junto da Procuradoria-Geral da República com recursos humanos e técnicos para melhorar a capacidade de resposta do Ministério Público.

O investimento na formação contínua de magistrados, investigadores e funcionários em temas relacionados com a criminalidade económico-financeira ainda não foi concretizado. Além disso, há uma carência de verdadeira especialização nestas matérias por parte dos magistrados judiciais. A criação de um Tribunal Central de Julgamento, semelhante à Audiência Nacional em Espanha, poderia ajudar a colmatar esta falta de especialização nos processos mais complexos de criminalidade económico-financeira.

No que diz respeito aos recursos materiais e tecnológicos, é fundamental que o Estado português, em conformidade com as normas europeias, disponibilize recursos, instalações e equipamentos adequados aos tribunais e serviços do Ministério Público para garantir um funcionamento eficiente. O relatório sobre o estado de direito da Comissão Europeia destaca preocupações relativas às condições das instalações dos tribunais e do Ministério Público.

É necessário equipar o Laboratório da Polícia Judiciária com meios técnicos e científicos que permitam a realização de perícias no menor tempo possível. Os DIAP Regionais devem ser dotados de instalações adequadas, mobiliário, meios informáticos e tecnológicos, veículos, e um quadro próprio de oficiais de justiça, geridos pela Procuradoria-Geral Regional ou pelo Diretor do DIAP Regional, com as necessárias iniciativas legislativas para esse efeito. Além disso, é essencial reforçar o Gabinete de Administração de Bens (GAB) com recursos humanos e materiais para uma gestão mais eficaz dos bens apreendidos ou arrestados.

No que se refere a redes e sistemas informáticos, a eficácia do Ministério Público depende da existência de redes estáveis, seguras e rápidas, além de um sistema informático adequado para a tramitação dos inquéritos. Este sistema deve ser gerido pelo Ministério Público e garantir uma organização eficaz das provas, sendo seguro, robusto, ágil e intuitivo. A interoperabilidade com os sistemas usados pelas polícias e institutos responsáveis por perícias é crucial para economizar tempo na obtenção de denúncias, relatórios finais e meios de prova.

É igualmente imperativo dar aos DIAP Regionais e Secções Especializadas de Criminalidade Económico-Financeira acesso a plataformas de pesquisa e cruzamento de dados. Também é necessário reforçar os meios tecnológicos no DCIAP.

A autonomia financeira do Ministério Público é uma recomendação europeia defendida pelo Conselho Consultivo dos Procuradores Europeus (CCPE). Este órgão sublinha que a disponibilização de recursos organizacionais, financeiros, materiais e humanos adequados é essencial para garantir a independência do Ministério Público. O CCPE recomenda que os procuradores disponham dos meios necessários para exercerem as suas funções, possam estimar as suas necessidades, negociar os seus orçamentos e decidir como utilizar os fundos de forma transparente.

No entanto, Portugal ainda não cumpre plenamente esta recomendação. O Estado Português continua a subordinar os recursos necessários ao Ministério Público às decisões políticas do Ministério da Justiça, comprometendo assim a sua autonomia financeira e, consequentemente, a sua independência. Além disso, Portugal é um dos países da União Europeia que menos investe no Ministério Público, apesar deste ter amplas competências a nível europeu.

Em conclusão, continua a faltar o essencial, isto é o real, sério e efetivo investimento nos meios humanos, materiais e tecnológicos necessários, sem o qual tudo o resto é escasso e insuficiente.

Nunca é demais recordar que a melhoria da celeridade e eficácia da resposta à corrupção é essencial para a credibilidade do próprio sistema de Justiça e, por essa via, para a afirmação de um verdadeiro Estado de Direito.

 
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