15-12-2018 | Expresso | Autor: Filipe Santos Costa e Miguel Santos Carrapatoso
Reforma da Justiça sonhada por Rio fica na gaveta. Não é tempo para ‘pactos’, diz ministra
Foi por indicação direta de António Costa que a ministra da Justiça convocou os partidos para os ouvir sobre… as propostas do PSD para um pacto de reforma da Justiça. As audiências, no Ministério da Justiça, decorreram nas últimas semanas, e apanharam de surpresa todos os partidos, pois o Governo não costuma funcionar como embaixador de propostas da oposição. Todos, menos PS e PSD. Por uma razão: as reuniões foram promovidas por António Costa em resposta a uma sugestão de Rui Rio. O presidente do PSD não gostou de ver o seu documento – que o próprio Rio entregou em mão aos líderes dos outros partidos, pedindo-lhes sigilo sobre o seu conteúdo cairem saco roto. Nenhum dos restantes partidos lhe deu importância, e a ronda de audições promovida pelo primeiro-ministro, por sugestão de Rio, foi uma última tentativa para ressuscitar a iniciativa do PSD. Questionado pelo Expresso sobre o contacto de Rio e a iniciativa do Governo, Costa recusou comentar esse contacto ou “reuniões de trabalho que todos os ministros vão mantendo”.
“Fazia todo o sentido que o Governo se envolvesse, até porque havia um apelo do Presidente da República para um pacto da Justiça”, diz o deputado do PSD Carlos Peixoto. Feitas as audiências, o PSD espera resultados. “Esperamos que o Governo nos dê feedback das reuniões para vermos em que áreas podemos avançar”, diz Peixoto.
Mas não tem muito a esperar.
Nos contactos com os partidos, a própria Francisca Van Dunem terá demonstrado, no mínimo, pouca vontade de avançar com o pacto proposto pelo PSD. Foi essa a impressão com que ficaram alguns dos intervenientes nessas reuniões. Em resposta ao Expresso, a ministra inverte o ónus e diz que foram os partidos que demonstraram pouca abertura. Mas as duas partes estão de acordo no essencial: não é este o tempo para mexer na Justiça. “Com exceção do PSD, os partidos políticos ouvidos formularam fortes reservas”, sublinha o gabinete da ministra. Ora acenavam com a necessidade de “uma revisão da Constituição como condição prévia” ora argumentavam que o aproximar das eleições representa um “clima adverso” para reformas.
Em resumo: o pacto vai ficar na gaveta. E Van Dunem afasta- -se: se o PSD quer, é o PSD que tem de levar as suas propostas ao Parlamento – não o Executivo. “As linhas de orientação [desenhadas pelo PSD] carecem de ser formalizadas enquanto propostas legislativas para poderem avançar. É essa a sede própria”, esclarece.
Mal se falou em reforma da Justiça, as agulhas do bloco central afinaram-se em torno de um ponto muito concreto: alterar a composição do Conselho Superior do Ministério Público (CSMP), órgão com poderes de gestão e disciplina sobre os magistrados do Ministério Público (MP). PS e PSD admitiram no Parlamento a hipótese de alterar o novo Estatuto do MP proposto por Van Dunem para dar maioria aos representantes políticos naquele órgão (atualmente formado por 12 magistrados e sete elementos externos à magistratura). A intenção de PS e PSD motivou duras críticas dos restantes. Mas não só. “O Bloco Central já se pôs de acordo para dominar o Ministério Público. E é assim que responde aos processos judiciais instaurados aos políticos”, denunciou António Ventinhas, presidente do Sindicato de Magistrados do MP.
Marcelo Rebelo de Sousa pôs- -se em jogo. Na quinta-feira, defendeu que só uma “revisão da Constituição” podia alterar a composição do CSMP. Mais: sentiu necessidade de lembrar que a “autonomia do Ministério Público é intocável na Constituição”. O recado servia como uma luva a PS e PSD. Van Dunem também fez saber do seu desagrado e convocou a autoridade de António Costa. Primeiro ao Expresso, e depois publicamente, a ministra garantiu que a proposta do Governo “não sugere qualquer alteração à composição do CSMP” e tal traduz a vontade da “ministra da Justiça, do Executivo e tem o apoio do primeiro-ministro”.
E essa é a proposta “que o Governo vai manter”.
O grupo parlamentar do PS tentou não perder a face. Numa nota à comunicação social, na sexta-feira, os socialistas juram que a vontade da bancada nunca foi a de alterar “a maioria de magistrados do MP” no CSMP.
É uma não-questão, insistem, empolada por “alguma comunicação social” – isto, apesar de Jorge Lacão ter reconhecido, no Parlamento, que a proposta do Governo “não tocava nos critérios de representação no CSMP”, algo que era importante “equacionar” para “garantir que o Ministério Público atua com legalidade, eficácia e rigor”. Os deputados liderados por César ainda fizeram questão de lembrar, “a quem precisar de ser lembrado”, que “o Estatuto do MP é diploma legal da esfera de competência exclusiva da Assembleia da República” e que não carece de revisão constitucional. Numa ideia: Ventinhas, Van Dunem e Marcelo não têm razão (nem competência) para decidir.