SÁBADO, 22-03-2022 por Paulo Lona, Secretário-Geral do SMMP

É cada vez mais importante “diagnosticar” com antecedência as violações do Estado de Direito Democrático, em especial no que respeita aos Tribunais e Ministério Público.

Quando atravessamos um período negro da história europeia e do mundo, com uma guerra em plena europa central, consequência de uma insólita e cruel invasão da Federação da Rússia à República da Ucrânia (estado soberano à luz do direito internacional), é da maior importância a Europa ter:

– Cidadãos que se revejam num determinado modo de vida pautado, além do mais, pela liberdade de manifestação, comunicação e expressão;

– Uma Sociedade tolerante, solidária e humanitária; e

– Um Estado que se quer simultaneamente de direito (não uma sociedade sem regras de direito e regulada pela lei do mais forte) e democrático (não autoritário/autocrático).

Vivemos um tempo em que os lideres da Europa precisam de assumir que estão do lado dos defensores de um Estado de Direito Democrático não apenas na sua política externa, mas também internamente. Não seria compreensível uma tal dicotomia entre a visão interna e externa do Estado de Direito.

Quando vemos alguns países cujo território faz fronteira com a Ucrânia, como a Polónia, a Hungria, a Moldávia (alguns já parte da União Europeia e outros ainda não), ou outros como a Turquia, a posicionarem-se ao lado de quem combate em nome do Estado de Direito, Liberdade, Soberania e Democracia, não podemos deixar de recordar alguns episódios de flagrantes violações da independência do poder judicial e de controle do Ministério Público, deverás preocupantes e que esta infeliz e omnipresente guerra não apagou.

Pelo contrário, a guerra e os valores que se encontram em “choque” nesta, vieram demonstrar que existe uma cada vez mais premente necessidade de evitar que sociedades democráticas degenerem em autocracias sem respeito pela independência dos Tribunais e do Ministério Público.

Não podemos esquecer:

– a enorme quantidade de juízes e procuradores que foram afastados das suas funções, perseguidos e que se encontram injustamente a cumprir penas de prisão na Turquia;

– os processos disciplinares a que juízes estão sujeitos na Polónia apenas por aplicarem a lei da União Europeia;

– os desvios e interferência no exercício da função judicial na Hungria;

– as tentativas em curso em Itália que visam um ataque frontal aos magistrados judiciais e do Ministério Público, procurando estabelecer mecanismos de responsabilização contrários a todas as boas práticas da União Europeia;

– os vários países que não seguem as recomendações da União Europeia em matéria de autonomia/independência do Ministério Público (que se manifestam em relações de dependência perante o poder político; dependência que assume distinta natureza e graus diferentes).

Como muitos já disseram, a democracia e o Estado de Direito Democrático não são perfeitos, mas não são conhecidas alternativas melhores ao nível das garantias dadas aos cidadãos.

A MEDEL (Associação de Magistrados Europeus para a Democracia e Liberdades) ainda recentemente, após reunião que decorreu este sábado passado em Cluj, Roménia, para além de debater a questão da invasão da Ucrânia e formas de auxiliar os juízes e procuradores que aí exercem funções em situações de grande precaridade, aprovou um comunicado relacionado com uma outra situação que atenta contra o Estado de Direito, agora na Tunísia.

Neste país interrompeu-se um ciclo de transição para um Estado de Direito democrático (que incluía a independência do sistema de justiça) e o seu Presidente emitiu um decreto de dissolução do Conselho Superior da Magistratura e criação de um conselho provisório para, sem limite de tempo, o substituir (comprometendo a independência do poder judicial e a separação de poderes). No comunicado emitido a MEDEL afirma que “temos apenas um mundo, no qual a justiça é um valor precioso nas democracias e onde independência da justiça e os princípios do estado de direito e da separação de poderes devem prevalecer“.

É cada vez mais importante “diagnosticar” com antecedência as violações do Estado de Direito Democrático, em especial no que respeita aos Tribunais e Ministério Público.

É notório o que acontece em países em que os poderes executivo e legislativo não são controlados por um terceiro poder que lhes seja alheio, independente e cujo funcionamento não possa ser efetivo.

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