SÁBADO, 18-01-2022 por Paulo Lona, Secretário-Geral do SMMP

Não é necessário que sejamos todos especialistas em assuntos da justiça, mas quem se quer apresentar como tal deverá dominar, pelo menos, o que são as bases de funcionamento do sistema de justiça e não propalar factos falsos e enganadores.

Não é necessário que sejamos todos especialistas em assuntos da justiça, mas quem se quer apresentar como tal deverá dominar, pelo menos, o que são as bases de funcionamento do sistema de justiça e não propalar factos falsos e enganadores.

A (des)propósito da composição do conselho superior do Ministério Público, tive a oportunidade de ouvir, esta semana, na SIC Notícias, em programa de comentário político, algo extraordinário pelo desconhecimento que revela ou que quer transmitir sobre a magistratura do Ministério Público.

Um dos mais “afamados” comentadores sobre “tudo e mais alguma coisa”, nomeadamente sobre a Justiça e o Ministério Público, transmitiu, com a sua habitual eloquência e com a convicção de quem está a dizer uma verdade profunda, algo indubitavelmente falso.

E que afirmação foi essa?

Que o Ministério Público não é uma magistratura hierarquizada.

Diria que então todos os magistrados do Ministério Público andam enganados (no meu caso desde o longínquo ano em que entrei no Centro de Estudos Judiciários para iniciar a minha formação como auditor de justiça para depois ser magistrado do Ministério Público).

Os advogados quando recorrem no âmbito do inquérito criminal à figura processual da intervenção hierárquica, prevista no Código de Processo Penal, estarão também profundamente enganados.

Toda a estrutura de graus hierárquicos em que assenta o Ministério Público terá que ser revista uma vez que afinal parece que não existe.

Teremos que rever o artigo 219.º, n.4, da Constituição da República Portuguesa, onde a nossa lei suprema estabelece que os magistrados do Ministério Público são responsáveis e “hierarquicamente subordinados”.

O artigo 3.º do Estatuto do Ministério Público, diz claramente que “a autonomia do Ministério Público caracteriza-se pela sua vinculação a critérios de legalidade e objetividade e pela exclusiva sujeição dos magistrados do Ministério Público às diretivas, ordens e instruções previstas na presente lei”.

Porventura, a dificuldade deste comentador será a de perceber que não estamos perante uma hierarquia no sentido militar e que no topo dessa hierarquia não se encontra o poder executivo uma vez que a magistratura do Ministério Público é autónoma em relação ao poder executivo e componente funcional do poder judicial.

Nas palavras sábias do Professor Luís Sousa da Fábrica, na sua obra “A Autonomia do Ministério Público no Novo Estatuto”, as atribuições do Ministério Público previstas no n.1, do artigo 219.º da CRP, “não podem deixar de ser prosseguidas num quadro institucional e normativo que preserve o Ministério Público de comandos, intervenções e condicionamentos externos, incluindo, muito em especial, os que têm origem nos órgãos governativos. Tais atribuições implicam um compromisso rigoroso com a legalidade e a imparcialidade – a «objetividade» de que fala o legislador ordinário – e a garantia destes princípios repousa, em primeira linha, na autonomia do Ministério Público”.

É importante que quem procura influenciar/fazer opinião pública não contribua para desinformar ou criar impressões erradas.

Não é necessário que sejamos todos especialistas em assuntos da justiça, mas quem se quer apresentar como tal deverá dominar, pelo menos, o que são as bases de funcionamento do sistema de justiça e não propalar factos falsos e enganadores.

No entanto, apesar da desinformação de alguns políticos, comentadores e tudólogos e da dificuldade que revelam em aceitar e compreender a natureza do Ministério Público:

Em primeiro lugar, o Ministério Público é autónomo quer em relação ao executivo quer à magistratura judicial.

Em segundo, é uma magistratura hierarquizada.

E, em terceiro, os seus magistrados estão vinculados à legalidade, objetividade e defesa do interesse público.

Estas são três verdades inquestionáveis no nosso sistema de justiça e traves mestras em que este assenta.

Share This