VISÃO, 30-05-2023
por Adão Carvalho, Presidente do SMMP
O busílis da questão é que a lei em causa não contribui, por qualquer forma, para aumentar a fiabilidade do sistema de distribuição eletrónica dos processos judiciais
O problema de algumas leis é serem feitas por quem não conhece a realidade sobre a qual legisla e, pior que isso, sem previamente ouvirem quem trabalha todos os dias nessa realidade.
Legisla-se por ímpeto, por impulso, para a “espuma dos dias”, apenas para dar a aparência de que se quer mudar alguma coisa, quando efetivamente não se quer mudar nada.
Para além disso, não se avalia previamente o impacto da sua aplicação de forma a evitar as suas consequências negativas.
É este o caso da Lei 55/2001, de 13 de agosto, que pretensamente visava aumentar a fiabilidade do sistema de distribuição eletrónica dos processos judiciais, mas que na prática só veio introduzir mais burocracia e desperdício de recursos humanos.
Desde a sua implementação que nos têm chegado vários relatos da sua absurdez.
Veja-se, por exemplo, a comarca da Madeira, onde existe um único juiz de instrução criminal.
A lei obriga a que estejam um juiz, um procurador e um funcionário judicial, todos os dias, a assistir ao ato de distribuição eletrónica dos processos judiciais, em tempo nunca inferior a 40/50 minutos, no horário estabelecido para a distribuição ordinária e depois, sempre que ao longo do dia aparece um detido para distribuição, o que pode acontecer várias vezes ao longo do dia, volta-se a reunir o mesmo quórum, para proceder à distribuição extraordinária desses processos.
Se só existe um juiz de instrução para toda a comarca e, portanto, todos os detidos têm que lhe ser distribuídos, qual a necessidade desta mobilização de recursos? Será que num quadro de reconhecida falta de funcionários e magistrados nos podemos dar ao luxo de desperdiçar recursos em atos inúteis?
No Porto Santo e na maioria das ilhas dos Açores há apenas um magistrado do MP e um juiz, que, contudo, têm de fazer distribuição formal todos os dias – a ordinária e as extraordinárias que eventualmente sejam necessárias. Isto quer dizer que os substitutos destes magistrados são de outras ilhas e se seguirmos à risca a lei, em caso de algum destes magistrados faltar, devemos mandar para lá, de avião, o substituto?
E se o avião já tiver saído quando entra um processo para distribuição extraordinária? Freta-se um à Força Aérea?
O ridículo da situação replica-se pelas outras comarcas do País.
Nos tribunais administrativos e fiscais a situação não é melhor.
Para além do elevado número destes tribunais onde não foi possível fazer a distribuição eletrónica dos processos judiciais logo no primeiro dia, a partir daí os constrangimentos são diários: desde o sistema dar constantemente erro e se ter que repetir a ordem, até o programa ficar mais de uma hora para distribuir apenas quatro ou cinco processos.
São inúmeros os relatos de interrupção de julgamentos e diligências, por duas, três ou quatro vezes, para que os magistrados do Ministério Público assistam a atos de distribuição extraordinária.
Quererá quem aprova leis como esta contribuir para a celeridade e eficiência do sistema judicial ou, pelo contrário, pretende criar mais burocracia, entorpecimento e lentidão no sistema?
O busílis da questão é que a lei em causa não contribui, por qualquer forma, para aumentar a fiabilidade do sistema de distribuição eletrónica dos processos judiciais.
Por isso, não pode o legislador esperar seis meses para avaliar o impacto de uma lei totalmente inútil para o fim visado e que, enquanto estiver em vigor, apenas contribuirá para desperdiçar recursos humanos já de si escassos, para gerar despesa desnecessária e para contribuir para a burocratização e lentidão do sistema judiciário.
Apela-se, por isso, ao bom senso de todos os Grupos Parlamentares, para que avancem, o quanto antes, com as alterações necessárias à Lei 55/2001.