JUSTIÇA IMPERFEITA
SÁBADO, 23-09-2020 por António Ventinhas
Num Estado de Direito, a sujeição ao primado da Lei por todos os cidadãos é condição essencial para uma democracia saudável.
Dura Lex, sed Lex, é a expressão latina que significa a Lei é dura, mas é a Lei. Já os romanos salientavam a importância do cumprimento da Lei e que a mesma tinha de ser cumprida em todas as circunstâncias. Num Estado de Direito, a sujeição ao primado da Lei por todos os cidadãos é condição essencial para uma democracia saudável. Face às funções que desempenham, os magistrados judiciais e do Ministério Público têm uma especial responsabilidade no cumprimento das normas vigentes. Os juízes e procuradores são guardiões da legalidade, pelo que se os mesmos falham aplica-se aqui igualmente outro brocardo latino bem expressivo, quem guarda o guarda. A generalidade dos magistrados é honesta, trabalhadora, procura agir dentro da legalidade e vive do seu salário, uma vez que a profissão os impede de exercer qualquer outra actividade remunerada. No entanto, há quem prevarique e viole os deveres mais basilares que devem nortear uma profissão deste género. Com estes qual a atitude certa a tomar? As suas acções devem ser encobertas para não mancharem a reputação de toda a classe? A resposta é necessariamente negativa. A magistratura só poderá ser saudável e reconhecida se expurgar quem não se enquadra com os seus valores e princípios deontológicos. Ninguém quer ter como colega alguém que enriquece ilicitamente, vendendo ao desbarato os poderes que lhe foram atribuídos pelo Estado para exercer justiça em nome do Povo. Quem vende decisões judiciais tem de ser punido criminal e disciplinarmente. Há que apurar tudo até às últimas consequências!
Em momento recente foi proferida acusação pelo Ministério Público contra vários Juízes Desembargadores que exerceram funções no Tribunal da Relação de Lisboa. A investigação foi conduzida pela Procuradora-Geral -Adjunta jubilada Maria José Morgado, um dos símbolos ao combate à corrupção em Portugal. É de salientar que esta magistrada exerceu funções durante muitos anos no edifício do Tribunal da Relação de Lisboa e provavelmente até conhece alguns dos arguidos. Esse facto não a impediu de agir de forma isenta e objectiva, o que se pede a um procurador. Dura Lex, sed Lex.
A comunidade reconhece a importância do processo Lex. Um processo deste género, caso se provem os factos constantes da acusação, poderá colocar em causa a credibilidade do sistema judicial, mas também demonstra que há sistemas de controlo que permitem perseguir quem prevarica. Para além de políticos, o Ministério Público também já deduziu acusações contra magistrados, ou seja, ninguém se encontra acima da Lei. Cada vez é mais claro que a luta contra a corrupção não é uma cabala ou cruzada contra o poder politico como alguns afirmam, mas sim contra quem comete crimes que ofendem a sociedade. Por último, quem consultar o processo Lex deverá atentar nas dificuldades práticas que existem em investigar este tipo de criminalidade em Portugal, designadamente a falta de meios técnicos e periciais. Não é por acaso que Maria José Morgado já afirmou anteriormente que o Ministério Público é uma magistratura de mão estendida que mendiga constantemente recursos para investigar.