19-05-2018 | 21:08 | Expresso | Autor: Rui Gustavo
O representante dos magistrados do MP considera que há um plano em curso para o Governo controlar a magistratura e defende que o procurador-geral não precisa de ter mais poderes ou mais do que um mandato. “Dois mandatos são 12 anos. Se calhar um mau PGR pode apagar uma geração inteira de corrupção”.
P Porque é que o sindicato não quer que Joana Marques Vidal tenha um segundo mandato como procuradora-geral?
R A nossa posição já foi tomada e não está relacionada com a atual PGR. Não somos, por princípio, a favor da renovação do mandato do procurador-geral. Mas defendemos que o próximo devia continuar a linha da atual.
P Não seria mais fácil continuar com a mesma do que tentar arranjar uma igual?
R Seria o mais fácil, de facto. Mas temos uma posição de princípio que não vamos alterar. A não-renovação serve, por exemplo, para evitar que exista a tentação de agradar ao poder para conseguir mais um mandato. Não é bom que as pessoas se eternizem no poder. Dois mandatos são 12 anos. Se for escolhido um mau PGR, é uma geração inteira de corrupção que pode ser apagada. E é precisamente por isso que também não pode ter poderes absolutos.
P O novo estatuto do Ministério Público prevê um aumento de poderes do PGR. E o sindicato é contra. Porquê?
R Os poderes devem continuar como estão. Não se pode alterar as normas em função das pessoas porque elas saem e as normas continuam. Com os poderes que estão atualmente atribuídos ao Conselho Superior do Ministério Público existe uma maior garantia de autonomia dos magistrados. É importante que existam freios e contrabalanços para o poder do PGR.
P Essa não é uma forma de defender o poder do próprio sindicato uma vez que tem representantes no conselho?
R Não, não. Há mais pluralidade no conselho que tem de facto magistrados membros do sindicato e elementos eleitos pela Assembleia da República. Mas nós até defendemos que o sistema de nomeações devia ser alterado.
P Como?
R Criando incompatibilidades. Há pessoas que são advogados de arguidos e apresentam propostas que estão relacionadas com os processos em que estão a trabalhar.
P Está a falar de Castanheira Neves (advogado de Joaquim Barroca na ‘Operação Marquês’ e membro do CSMP)?
R Pois claro. Ainda há pouco tempo apresentou uma proposta de processo disciplinar contra os magistrados da ‘Operação Marquês’ a propósito da divulgação do vídeo dos interrogatórios na SIC. E é advogado no processo. O sistema não pode permitir que uma pessoa possa estar no conselho e tome decisões conexas com os processos em que estão a trabalhar.
P Esse processo disciplinar vai avançar?
RNão, foi chumbado pela maioria do conselho.
P A autora da proposta de estatutos é a ministra da Justiça e sua colega procuradora Francisca Van Dunem.
Acha que é cúmplice do Governo na alegada tentativa de controlo do MP denunciada pelo sindicato?
R As medidas previstas pelo estatuto facilitam que o Governo controle o Ministério Público.
O Governo nomeia o PGR e se o controlar controla o MP. Por isso é que é importante o contrapeso do CSMP. Nós defendemos que seja o Parlamento a indicar os nomes e o presidente a escolher.
Haveria mais garantias de imparcialidade.
P Mas está a partir do princípio que o PGR é pressionável e controlável.
R O que estou a dizer é que tem de ser escrutinado.
P Mas não é um facto que o PGR tem poucos poderes? Que nem pode nomear os vices? Que tem os poderes da rainha de Inglaterra como disse Pinto Monteiro?
R A Joana Marques Vidal tem os mesmos poderes e ninguém acha que seja uma rainha de Inglaterra.
Pinto Monteiro nunca soube exercer os poderes que tinha. A questão não é essa. A realidade demonstra que o CSMP serve para equilibrar as forças e impede que o PGR possa controlar o MP.
P As coisas mudaram de facto com o mandato de Joana Marques Vidal?
R Acho que os cidadãos já perceberam que não há ninguém acima da lei, a sensação de impunidade acabou. Todos os dias há novos processos e as pessoas percebem que o MP está a funcionar de forma diferente. Isso não se deve só à PGR, mas também ao próprio funcionamento do MP.
P O julgamento de José Sócrates será também o julgamento do MP?
R Não. O MP não pode ser julgado por um caso quando investiga mais de 500 mil processos.
P Mas só um envolve um ex-primeiro-ministro.
R Resumir o trabalho do MP a um processo é demasiado parcial.
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