BOLSA DE ESPECIALISTAS
VISÃO, 11-01-2021 por Adão Carvalho, Secretário-Geral do SMMP
Temos assistido ao longo da última semana a sucessivas contradições quanto à nota interna remetida pelo Governo Português para o Secretário-Geral do Conselho da UE através do Representante Permanente de Portugal.
A vontade expressa pelos Estados Membros que aderiram ao mecanismo de cooperação reforçada que instituiu a Procuradoria Europeia, no respetivo Regulamento, foi no sentido de dotar a mesma de garantias institucionais para assegurar a sua independência, devendo atuar no interesse da União no seu conjunto e não deverá pedir nem receber instruções de qualquer pessoa estranha à Procuradoria Europeia.
De forma a garantir esse pressuposto fundamental e como resulta inequívoco dos considerandos do Regulamento o procedimento de nomeação do Procurador-Geral Europeu e dos Procuradores Europeus deverá garantir a sua independência.
Nessa medida foi confiado a um comité de seleção composto por 12 personalidades escolhidas de entre antigos membros do Tribunal de Justiça e do Tribunal de Contas, antigos membros da Eurojust, membros dos Supremos Tribunais nacionais, procuradores de alto nível e juristas de reconhecida competência, a tarefa de analisar os currículos dos três candidatos indicados por cada Estado e proceder à respetiva graduação de forma independente da interferência política dos governos dos EM.
Não fora essa necessidade de garantir a independência no processo de seleção e não teria sido previsto pelo regulamento comunitário a constituição de um comité de seleção, bastando-se o Conselho da UE com as instâncias prévias, ou seja, os comités permanentes que preparam os dossiês do Conselho.
O comportamento do Governo de Portugal viola claramente o espírito subjacente ao regulamento comunitário e designadamente a necessária exigência de independência do processo de seleção, ao tentar influenciar de forma inequívoca a decisão do Conselho da UE.
Ao Ministério da Justiça apenas competia indicar três candidatos que foram selecionados no âmbito de um procedimento de seleção baseado numa proposta de lei da autoria do próprio Governo e que veio a ser aprovada pelo parlamento e onde os três candidatos foram considerados como cumprindo os requisitos necessários.
Assim sendo, após a indicação, não deveria o Governo ter tentado influenciar a decisão do Conselho da UE, como o fez e da forma que o fez.
Não está em causa a lisura do comportamento dos candidatos no processo de seleção.
O que está em causa é a ingerência política no processo de escolha, ainda para mais, sustentando a sua posição em factos reconhecidamente falsos.
O documento em causa não contém apenas lapsos, trata-se de um documento que no seu conjunto constitui uma forma de o Governo Português contrariar a graduação efetuada pelo comité de seleção, através da apresentação de factos falsos de forma a que um dos candidatos encaixe de forma preferencial nos critérios de seleção.
As falsidades utilizadas eram o plus que colocava um dos candidatos em melhor lugar que os demais nos critérios preferenciais de seleção, quer no que tange à categoria profissional (possuam as habilitações necessárias para serem nomeados para o exercício das mais altas funções judiciais ou de ministério público nos seus Estados-Membros); quer no que tange à experiência (tenham experiência prática relevante dos sistemas jurídicos nacionais, de investigações financeiras e de cooperação judiciária internacional em matéria penal).
Tal atuação corresponde a uma tentativa de manipulação por parte de um dos Estados do processo de seleção, transformando uma verdadeira seleção europeia independente pela preferência dos governos nacionais.
Para além do mais, o princípio de confiança recíproca, essencial ao correto funcionamento da Procuradoria Europeia e à credibilização da mesma junto dos Estados participantes, pode ficar fragilizado com este tipo de procedimentos por parte de um Estado.
A independência do processo de seleção é essencial à própria independência da Procuradoria Europeia.