Especialização: um caminho sem retorno

Revista Sábado
Paulo Lona
Presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público
A especialização é praticamente obrigatória. O profissional especializado é aquele capaz de oferecer soluções mais eficazes, acompanhar as constantes alterações legislativas e responder com maior segurança aos problemas que a sociedade lhe coloca.
No universo jurídico, a necessidade de especialização é ainda mais evidente. O Direito é uma área vasta, composta por múltiplos ramos com princípios, normas e práticas próprias. A especialização é praticamente obrigatória. O profissional especializado é aquele capaz de oferecer soluções mais eficazes, acompanhar as constantes alterações legislativas e responder com maior segurança aos problemas que a sociedade lhe coloca.
A atualização contínua é igualmente indispensável, dado o dinamismo do ordenamento jurídico e a necessidade de reciclagem constante dos conhecimentos.
No caso dos magistrados do Ministério Público, a especialização assume um papel central na valorização e eficácia da sua atuação. A formação contínua e complementar tem como objetivo o desenvolvimento de capacidades, aquisição de competências e valorização profissional, nomeadamente através da atualização de conhecimentos técnico-jurídicos e do aprofundamento e especialização em matérias de relevância profissional. Os magistrados têm não só o direito, mas também o dever de participar em ações de formação, sendo-lhes proporcionadas diversas modalidades de cursos, incluindo cursos de especialização, workshops e formação online.
Os magistrados do Ministério Público hoje em dia encontram-se, na sua grande maioria, especializados. Com a entrada em vigor da lei de organização do sistema judiciário e do novo estatuto do Ministério Público, podemos afirmar que dispomos hoje de uma magistratura verdadeiramente especializada, capaz de proporcionar aos cidadãos uma resposta diferenciada em áreas como família e menores, direito do trabalho (tribunais do trabalho), comércio (tribunais de comércio), cível (com especial enfoque na proteção dos idosos e das populações mais vulneráveis), administrativo, tributário, execuções e penal (com especialização em inquéritos, instrução e julgamentos).
A implementação desta especialização representou um progresso significativo na qualidade dos serviços prestados pelo Ministério Público, sobretudo quando comparada com a realidade anterior.
Não pretendemos uma magistratura generalista, mas sim uma magistratura especializada, apta a oferecer aos cidadãos um serviço de excelência e ajustado às especificidades de cada área. A sociedade atual e a crescente complexidade do direito exigem, cada vez mais, uma resposta especializada por parte do Ministério Público.
Aliás, é de notar que no recente programa do XXV Governo Constitucional, a especialização dos magistrados é assumida como prioridade.
A especialização dos magistrados do Ministério Público é amplamente reconhecida como fundamental em diversos instrumentos internacionais, que sublinham a necessidade de uma formação sólida, contínua e adaptada aos desafios contemporâneos.
As Diretrizes das Nações Unidas sobre o Papel do Ministério Público, aprovadas no âmbito do 8.º Congresso da ONU para a Prevenção do Crime e o Tratamento dos Delinquentes, destacam a importância de uma formação jurídica adequada e de uma atualização permanente para garantir a eficácia, imparcialidade e equidade do Ministério Público. Também os Princípios da Associação Internacional de Procuradores (IAP) reforçam o dever de desenvolvimento profissional contínuo e a aquisição de competências especializadas, essenciais para uma atuação responsável e eficiente dos procuradores.
No contexto europeu, o relatório da Comissão de Veneza do Conselho da Europa sobre as normas relativas à independência do poder judicial recomenda a existência de formação inicial e contínua para magistrados, incluindo procuradores, com componentes multidisciplinares e interdisciplinares, ajustadas à crescente complexidade das sociedades modernas.
Por seu lado, a Comissão Europeia, na comunicação “Prosseguir o reforço do Estado de direito na União” [COM(2019)], destaca o Estado de Direito como valor fundamental da União Europeia, essencial para a proteção efetiva dos direitos fundamentais, a aplicação uniforme da lei e o funcionamento do mercado interno. Sublinha-se que os Estados-Membros devem assegurar uma tutela jurisdicional efetiva através de tribunais independentes e qualificados, sendo a formação especializada dos profissionais do direito, em particular dos magistrados do Ministério Público, condição imprescindível para decisões judiciais de qualidade e para a adaptação às novas exigências legislativas e sociais.
Neste quadro, a União Europeia promove mecanismos e plataformas dedicadas à formação especializada, como a Rede Europeia de Formação Judiciária (REFJ), que identifica necessidades formativas, desenvolve currículos e fomenta o intercâmbio de conhecimento entre profissionais da justiça europeus. Estas iniciativas visam preparar os magistrados para lidar com matérias complexas e transversais, como direitos humanos, direito digital e cooperação internacional.
O fortalecimento do Estado de Direito na União Europeia está, assim, intrinsecamente ligado à promoção da formação especializada, reconhecendo-se que só profissionais altamente qualificados podem garantir uma proteção judicial efetiva, a independência dos tribunais e a confiança dos cidadãos nas instituições democráticas.
Todos estes documentos convergem na ideia de que a especialização e a formação contínua são indispensáveis, não apenas para assegurar a qualidade e eficiência do serviço público de justiça, mas também para reforçar a confiança dos cidadãos nas instituições judiciais.
Num mundo cada vez mais complexo e exigente, a especialização deixou de ser um luxo para se tornar uma necessidade absoluta, condição essencial para uma atuação eficaz, ética e alinhada com os mais elevados padrões internacionais.
Investir na especialização é, por isso, investir na qualidade da justiça e na confiança da sociedade no Estado de Direito. O reforço do Estado de Direito na União Europeia evidencia, de múltiplas formas, a importância da formação especializada, reconhecendo que sistemas judiciais eficazes e a confiança nas instituições dependem de profissionais do direito altamente qualificados e permanentemente atualizados.
Atualmente, a especialização dos magistrados assume um papel crucial, não apenas para o próprio Ministério Público, mas também para a qualidade do serviço que esta magistratura presta aos cidadãos, que é, afinal, o objetivo central da sua atuação.