Excluir mulheres do Ministério Público é discriminação, não gestão

20/06/2025

Jornal Público
Alexandra Chícharo Neves
Procuradora-Geral Adjunta e Vogal da Direcção do SMMP

O CSMP, ao exigir que os candidatos assumam um compromisso escrito de que, durante o espaço de um ano, não estarão ausentes mais de 60 dias, está a exigir que se recusem a dar assistência à família.

No passado dia 4 de junho, o Conselho Superior do Ministério Público (CSMP) iniciou o concurso (https://www.publico.pt/2025/06/17/sociedade/noticia/mulheres-juristas- acusam-pgr-concurso-discriminatorio-inverter-especializacao-2136939) em que, anualmente, os magistrados concorrem, a nível nacional, aos vários tribunais do país, com efeito prático a partir de setembro, depois das férias judiciais.

Ora, o CSMP consagrou a regra (que, aliás, já tinha introduzido em 2024 e agora voltou a repetir) de que não são admitidas colocações em lugares a preencher – nos termos do artigo 107.o do ROFTJ e no quadro complementar – a magistrados “que previsivelmente se encontrarão em situação de ausência prolongada superior a 60 dias, durante o período compreendido entre 01 de setembro de 2025 e 31 de agosto de 2026”.
Desde logo, estes dois segmentos da deliberação dirigem-se às magistradas e magistrados a quem tenha sido diagnosticada uma doença.

Porém, não se vislumbra quais os casos em que um médico – e, muito menos um magistrado – possa assegurar se será ou não necessária uma ausência ao serviço superior a 60 dias, entre setembro de 2025 e agosto de 2026.

O corpo humano não é uma máquina, cada organismo reage de forma diferente aos tratamentos e medicamentos e a própria condição física do magistrado, antes do diagnóstico, irá condicionar, alterar, baralhar e tornar incerta aquela previsibilidade.

Em suma, há aqui uma discriminação do CSMP aos magistrados com doença diagnosticada – suscetível de violar o art.o 13.o, n.o1, da CRP – e uma exigência de que o magistrado ou o seu médico façam futurologia.

Mas estes segmentos da deliberação do CSMP são também um ataque direto a todas as mulheres em idade fértil que pretendam engravidar e constituir família. Com efeito, a mulher que estiver grávida no momento em que concorre terá de optar entre concorrer ou gozar a licença de maternidade – a mesma opção também terá de ser realizada por todos os magistrados homens que sejam previsivelmente pais naquele período de tempo.

Por outro lado, também estarão aqui incluídas as mulheres que estejam a fazer tratamentos de fertilidade, uma vez que as mesmas terão a esperança de engravidarem – pelo que “previsivelmente”, o gozo da licença de maternidade pode ocorrer naquele período de tempo delimitado pelo CSMP.

Ora, o art.o 13.o, o art.o 59.o, n.o1, e n.o2, al. c), e o art.o 68.o, n.o 3, todos da Constituição da República Portuguesa (CRP), proíbem a discriminação em razão do género e impõem uma especial proteção do trabalho das mulheres durante a gravidez – sendo uma tarefa fundamental do Estado a promoção da igualdade entre homens e mulheres (art.o 9.o, al. h, também a CRP).

Aliás, a Associação Portuguesa de Mulheres Juristas (APMJ), em comunicado enviado à Procuradoria-geral da República no dia 16 de junho, já repudiou esta deliberação do CSMP, não só porque há “um enorme retrocesso na especialização”, mas também porque “viola, de forma notória, clara e ostensiva, as normas relativas à proteção na maternidade, doença, assistência a terceiros, igualdade no acesso a cargos e conciliação da vida profissional com a pessoal e familiar”.

Como refere a APMJ “ao invés de a feminização da profissão ser acompanhada de reformas estruturais ao nível da conciliação do trabalho com a vida pessoal e de resposta a ausências ao serviço por força da maternidade e doença dos filhos, tarefas que ainda recaem sobre as Mulheres), o CSMP decidiu optar por restringir o acesso das Magistradas a determinados lugares, excluindo-as e penalizando-as pelo facto de serem Mulheres!!!”.

É que o CSMP ao exigir que os candidatos assumam um compromisso escrito de que, durante o espaço de um ano, não estarão ausentes mais de 60 dias, está a exigir-lhes, isso sim, que se recusem a dar assistência à família.

E, não se tenha a menor dúvida, o principal alvo destes segmentos da deliberação do CSMP são as mulheres!

A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico

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