SÁBADO, 16-01-2024 por Paulo Lona, Secretário-Geral do SMMP

Constam do relatório dados preocupantes sobre a percepção da corrupção: “A corrupção no governo é considerada disseminada.”

Foi recentemente publicado o relatório da GRECO (Grupo de Estados contra a Corrupção do qual Portugal é membro desde 2002), órgão do Conselho da Europa, resultante do quinto ciclo de avaliação, subordinado ao tema “prevenir a corrupção e promover a integridade em governos centrais e forças e serviços de segurança”.

O relatório visa avaliar a eficácia das medidas adotadas pelas autoridades portuguesas para prevenir a corrupção e promover a integridade no âmbito do Governo central (funções executivas de topo) e nas forças e serviços de segurança e dele constam alguns dados relevantes e que nos devem fazer refletir.

Portugal já passou por quatro ciclos de avaliação centrados em diferentes tópicos relacionados com a prevenção e a luta contra a corrupção.
Este último relatório avalia, além do mais, a percentagem de implementação das anteriores recomendações: 92% no primeiro ciclo de avaliação, 81% no segundo, 77% no terceiro e no quarto (prevenção da corrupção em relação a parlamentares, juízes e procuradores) apenas 20% das recomendações foram totalmente implementadas (47% estão parcialmente implementadas e 33% não estão implementadas até à data).

De acordo com o índice de perceção da corrupção (IPC) da Transparência Internacional, Portugal ocupava a 33.ª posição de 180 países em 2022 e tinha uma pontuação de 62 de um total de 100 possíveis.

Constam do relatório dados preocupantes sobre a percepção da corrupção: “A corrupção no governo é considerada disseminada. Segundo o Barómetro de Corrupção Global na União Europeia 2021 da Transparência Internacional, 88% das pessoas em Portugal pensam que a corrupção no governo é um grande problema. Esta percentagem é muito mais elevada do que a média na UE (62%). Em geral, 41% das pessoas pensam que a corrupção aumentou nos últimos doze meses e 41% pensam que o nível de corrupção se manteve inalterado”.

O relatório aponta diversas situações que prejudicam a credibilidade dos esforços de Portugal nesta área do combate à corrupção:
– Nem o Mecanismo Nacional Anticorrupção nem a Entidade para a Transparência estão ainda totalmente operacionais;
– A Estratégia Nacional Anticorrupção carece de um plano de ação e de disposições de monitorização adequadas;
– O “Código de Conduta do Governo tem de ser complementado por orientações adequadas, especialmente no que diz respeito a conflitos de interesses e a ofertas, bem como por ações de sensibilização e por um mecanismo de supervisão e de sanções”;
– Embora tenha sido, recentemente, estabelecido um sistema de verificação da integridade dos candidatos antes da sua nomeação para o Governo, não há regras sobre a verificação da integridade antes da nomeação de membros dos gabinetes governamentais;
– “As regras sobre restrições pós-emprego para membros do Governo não parecem estar a ser aplicadas na prática de forma consistente”;
– “O sistema de declaração de rendimentos, património, interesses, incompatibilidades e impedimentos dos PTEFs tem várias falhas, desde a plataforma para o arquivo eletrónico de declarações que ainda não está operacional até à não publicação integral das declarações e à
não realização de verificações substantivas regulares” (PTEFs devem ser considerados todos os membros do Governo
– Primeiro Ministro, Ministros, Secretários de Estado, Subsecretários de Estado, Chefes de gabinete, assessores, adjuntos e técnicos especialistas).

Por fim, o relatório termina com um conjunto de recomendações, que é importante conhecer, a serem adotadas pelo Estado Português:
– As regras sobre verificação de integridade devem ser aplicadas a todas as pessoas com funções executivas de topo, antes da sua nomeação, a fim de identificar e gerir conflitos de interesse existentes e potenciais;
– As informações facultadas devem ser verificadas e os resultados publicados aquando da sua entrada em funções;
– A área de competência e as funções específicas de todos os membros dos gabinetes ministeriais, incluindo o do Primeiro-Ministro, devem ser publicadas na Internet e mantidas atualizadas;
– A Estratégia Nacional Anticorrupção deve ser acompanhada de um plano de ação específico para a sua implementação na prática;
– O Mecanismo Nacional Anticorrupção deve ser, prioritariamente, tornado plenamente operacional, na prática, providenciando-lhe medidas adequadas e recursos apropriados (financeiros, humanos, administrativos, legais, etc.);
– Deve ser “estabelecido e publicado na Internet um plano de prevenção dos riscos de corrupção específico para as pessoas com funções executivas de topo, que inclua a identificação dos riscos relacionados com a integridade e as medidas corretivas adequadas”, plano que deve ser sujeito a monitorização regular pelo Mecanismo Nacional Anticorrupção;
– O Código de Conduta para pessoas “com funções executivas de topo deve ser revisto e complementado com disposições adicionais contendo orientações claras sobre conflitos de interesses e outras questões relacionadas com a integridade (tais como ofertas, contactos com terceiros, atividades externas, contratos com autoridades estatais, processamento de informações confidenciais e restrições pós-emprego)”, e associado a um mecanismo credível e eficaz de supervisão e de sanções;
– Deve ser dada “formação de natureza formal sobre normas de integridade a todas as pessoas com funções executivas de topo no momento da sua tomada de posse e a intervalos regulares”, e disponibilizado aconselhamento confidencial sobre questões éticas;
– O procedimento de consulta pública relativo aos Decretos-Leis deve ser revisto de modo a garantir que estes sejam, em regra, submetidos a consulta pública, incluindo através do estabelecer de prazos adequados, da documentação das contribuições recebidas e das
partes envolvidas, bem como da publicação dos resultados dos procedimentos de participação pública de forma atempada e facilmente acessível;
– Devem ser introduzidas regras pormenorizadas sobre a forma como as pessoas com funções executivas de topo estabelecem contactos com lobistas e outras partes que procuram influenciar o trabalho legislativo e outros trabalhos governamentais (sendo divulgada
informação suficiente sobre o objetivo destes contactos, a identidade das pessoas e o assunto específico da discussão);
– As informações sobre a “receção de presentes, ofertas, hospitalidades, convites e outros benefícios por pessoas com funções executivas de topo” devem ser registadas num registo central e disponibilizadas atempadamente ao público;
– As restrições pós-emprego aplicáveis aos membros do Governo devem ser alargadas a todas as pessoas com funções executivas de topo, sendo criado um mecanismo de supervisão eficaz;
– As exigências de divulgação de rendimentos, património, interesses, incompatibilidades e impedimentos aplicáveis aos membros do Governo devem ser alargadas a todas as pessoas com funções executivas de topo;
– A plataforma eletrónica para a entrega de declarações únicas deve criada e tornada operacional o mais rapidamente possível;
– As “declarações de rendimentos, património, interesses, incompatibilidades e impedimentos das pessoas com funções executivas de topo” devem estar “sistemática e facilmente acessíveis na internet” (devendo ser “considerada a inclusão de informações financeiras adicionais sobre os cônjuges, pessoas com quem vivam em união de facto e familiares dependentes”;
– Deve, de forma prioritária, ser plenamente assegurado o funcionamento eficaz da Entidade para a Transparência, através da adoção das medidas regulatórias, institucionais e operacionais adequadas e da afetação dos recursos necessários a este organismo;
– As “declarações únicas das pessoas com funções executivas de topo” devem ser “sujeitas a verificações substantivas regulares, estabelecendo uma cooperação/interação sólida e eficaz com todos os organismos de fiscalização/bases de dados pertinentes e impondo
sanções proporcionadas em caso de violação”.

Existe um longo caminho a percorrer pelo Estado Português para prevenir a corrupção e promover a integridade em governos centrais, resta saber se existe vontade para tal.

 

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