Fazer omeletes sem ovos

22/05/2024

Revista Sábado
Paulo Lona
Presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público

Com os atuais meios não é possível exigir ao Ministério Público o cumprimento de prazos nos inquéritos.

Todos queremos uma justiça eficaz, célere, rigorosa e justa.

Mas, o que alguns pretendem do sistema de justiça e da investigação criminal é que seja feita justiça célere e eficaz sem meios para tal.

Ainda recentemente o chamado “manifesto dos 50” referia a morosidade da investigação criminal e dizia, entre outras coisas, que existem avultados recursos públicos afetos ao sistema de justiça e à investigação criminal.

Falar em avultados recursos públicos quando é manifesto que faltam recursos humanos (magistrados e oficiais de justiça), materiais e tecnológicos manifesta ignorância ou má fé.

Se alguns subscritores desse manifesto fossem aos tribunais e aos serviços do Ministério Público e vissem o muito que magistrados e oficiais de justiça trabalham e o muito que se consegue com tão poucos recursos talvez se evitassem sobressaltos.

Os dados estatísticos refletem o que se passa com a falta de oficiais de justiça de forma transversal em todo o país, paralisando muitos serviços do Ministério Público.

Olhemos para a realidade (a real):

A 1 de março de 2024, encontravam-se em exercício de funções nos serviços do Ministério Público 1620 oficiais de justiça quando deveriam ser 2027 (quadro legal), existindo um défice de mais de 400.

Encontravam-se, por causa dessa escassez, 27.200 processos por registar e autuar e o impressionante número de 117.400 despachos em inquéritos por cumprir, mais de 137.000 papéis por juntar aos processos e mais de 625.000 outros atos por praticar.

A título de exemplo, na comarca de Leiria encontravam-se 4.891 despachos por cumprir, na comarca de Faro 15.354, na comarca de Lisboa 19.684 e na comarca do Porto 12.948. As participações por registar eram 402 em Viseu, 1608 em Beja, 8.376 em Lisboa e 1.422 em Braga. Os papéis por juntar eram 3.185 em Coimbra, 10.965 em Santarém, 12.017 na Madeira e 9.158 em Braga.

A situação é dramática e afeta mesmo os processos urgentes, como os de violência doméstica, nas secções especializadas e integradas de violência doméstica. Existem processos em que as notificações dos despachos de acusação demoram perto de um ano (com os riscos inerentes até para a vida das vítimas).

De acordo com a informação prestada pelo Sindicatos dos Funcionários Judiciais, no seu último congresso, prevê-se a reforma de mais de 400 oficiais de justiça no próximo ano.

Com os atuais meios não é possível exigir ao Ministério Público o cumprimento de prazos nos inquéritos. Aliás, muitas vezes já decorreu o prazo legal do inquérito (que é meramente ordenador) e ainda se aguarda a realização de um conjunto de perícias, contabilísticas, informáticas, médicas etc…

Estes são os verdadeiros estrangulamentos e disfunções que importa combater, que afetam os cidadãos, minam o sistema de justiça e que deveriam provocar sobressaltos.

Exigir resultados sem investimento é como querer fazer omeletes sem ter ovos.

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