BOLSA DE ESPECIALISTAS
VISÃO, 21-11-2022
por Adão Carvalho, Presidente do SMMP

Parece que a onda populista de “bater” no Ministério Público para conquistar votos entre os advogados tem ganho novos adeptos, mesmo entre aqueles que não víamos a encetar esse caminho tão básico e vazio de conteúdo


No inicio da semana que findou fui confrontado com um artigo de opinião, escrito por um ilustre penalista e também advogado, que estimo e respeito, mas que só encontro justificação para o tipo de discurso nele vertido, o contexto de plena campanha eleitoral para os órgãos da Ordem dos Advogados e o facto de o mesmo integrar uma das listas.

Parece que a onda populista de “bater” no Ministério Público para conquistar votos entre os advogados tem ganho novos adeptos, mesmo entre aqueles que não víamos a encetar esse caminho tão básico e vazio de conteúdo.

Os processos em que se investiga a eventual prática de crimes de violência doméstica, é certo, são urgentes, o que significa, de entre o mais, que os prazos para a prática de atos não se suspendem em férias e têm prioridade sobre a tramitação de processos por outros crimes.

O que faltou dizer é que a SEIVD do Porto só tem processos dessa natureza, isto é, urgentes. São todos urgentes.

E quando uma SEIVD tem pendentes 5131 processos urgentes, a urgência de cada um desses processos é relativa, é preciso definir prioridades.

E as prioridades não podem ser, seguramente, um requerimento apresentado por um arguido, em plena estação de Verão, a solicitar autorização para se deslocar à casa onde vive a vítima e de onde foi afastado por estar indiciado pela prática de crime de violência doméstica, para recolher as roupas de um inverno que ainda demora!!!

Sobretudo quando cada um dos 6 magistrados que aí exerce funções tem 855 inquéritos pendentes, a seu cargo, e apenas estão ao serviço 5 funcionários.

Tal estado do referido departamento não é imputável ao Ministério Público, nem aos funcionários que nele exercem funções, mas aos sucessivos Governos que não têm investido na justiça ou, melhor dizendo, não têm investido no que é efetivamente relevante, levando os serviços a uma situação de total rutura e desgaste para todos os que neles trabalham.

Perante tal situação, de insuficiência gritante de meios e recursos, fácil é perceber que as prioridades do serviço não podem ser a tal autorização, mas sim garantir uma atuação rápida naqueles inquéritos de violência doméstica, sinalizados com a menção de risco elevado ou médio, em que as vítimas estão em perigo e que o Ministério Público tem de acautelar rapidamente essa situação de perigo e evitar que continuem a ser vítimas ou que a situação resvale em homicídio.

E, como é facilmente compreensível, numa quantidade tão elevada de processos pendentes, as situações urgentíssimas e a exigir uma pronta atuação dos magistrados são diárias.

Talvez o autor do artigo de opinião preferisse que a magistrada que tem o processo a seu cargo tivesse dado prioridade à entrega das roupas de inverno ao seu cliente, em plena estação do Verão, em vez de despachar os processos com sinalização de elevado risco e abandonasse as vítimas de violência doméstica à sua sorte.

Sem recursos não se fazem milagres, nem a justiça consegue dar uma resposta tão célere quanto cada utente do sistema gostaria.

Mas a única coisa que se pode pedir a magistrados e funcionários que exerçam funções nas condições em que o fazem os que ainda resistem na SEIVD do Porto, é que saibam sempre ter o discernimento de definir corretamente as prioridades de forma a que não tenhamos mais vítimas de homicídio em contexto de violência doméstica.

Quanto às roupas parece que o despacho ainda foi cumprido a tempo do inverno!

Share This