BOLSA DE ESPECIALISTAS
VISÃO, 28-07-2020 por Adão Carvalho, Secretário-Geral do SMMP
Atente-se nas duas carreiras destintas de pessoal oficial de justiça: na carreira judicial integram-se as categorias de escrivão auxiliar, escrivão-adjunto e escrivão de direito; na carreira dos serviços do Ministério Público integram-se as categorias de técnico de justiça auxiliar, técnico de justiça-adjunto e técnico de justiça principal; é possível transitar entre ambas as carreiras.
O pessoal oficial de justiça que exerce funções de apoio ao Ministério Público na investigação criminal não tem uma formação específica para tais funções, podendo mesmo transitar da carreira judicial para a carreira do Ministério Público mesmo nunca tendo antes exercido funções na investigação criminal.
Embora o discurso político exteriorizado seja sempre no sentido de um reforço de meios na investigação criminal e no combate à corrupção e à criminalidade económico-financeira, certo é que nunca se avançou com a criação de uma carreira específica de oficiais de justiça para a investigação criminal.
E ainda que seja um assunto sempre arredado da discussão pública, entendemos que uma das grandes lacunas na organização dos serviços do Ministério Público enquanto titular da ação penal e a quem incumbe dirigir a investigação criminal reside na falta de um corpo próprio e especializado de oficiais de justiça, que em muito contribuiria para a melhoria da qualidade e celeridade da fase do inquérito.
Por outro lado, isso também aliviaria os próprios Magistrados do MP e as forças policiais que o coadjuvam da realização de várias diligências de investigação, como inquirições de testemunhas, permitindo a concentração de esforços na condução efetiva do inquérito e elaboração dos competentes despachos finais por parte daqueles e a estas centrarem-se no núcleo essencial das suas funções e onde a sua intervenção é insubstituível.
Não faz sentido que atribuindo o próprio estatuto profissional dos funcionários de justiça o desempenho, no âmbito do inquérito, das funções que competem aos órgãos de polícia criminal, isto é, realizar todo o tipo de diligências de investigação no âmbito do inquérito, com exceção das que sejam reservadas a autoridade judiciária e, portanto, receber depoimentos de testemunhas, ouvir arguidos, fazer acareações ou diligências de reconhecimento pessoal, o façam sem que tenham tido uma formação especializada nessa área ou que possam transitar para o exercício de tais funções após vários anos na carreira judicial e sem qualquer experiência prévia na realização de diligências de inquérito.
O que tem salvado a investigação criminal nessa matéria tem sido em muitos casos a disponibilidade dos funcionários judiciais e empenho próprio no sentido de adquirirem competências nessa área e o esforço dos Magistrados do MP no sentido de formarem e auxiliarem os funcionários no exercício das suas funções.
Além disso, no quadro da atual organização judiciária decorrente da reforma ocorrida em 2014, a gestão do corpo de pessoal dos oficiais de justiça está na dependência do Administrador Judiciário da comarca, que é nomeado pelo Juiz Presidente da comarca, que igualmente decide sobre a renovação da comissão, o que tem determinado que a prioridade no preenchimento dos quadros seja dada aos tribunais em detrimento do MP, assistindo-se a um enorme défice de oficiais de justiça nos serviços do Ministério Público.
A aposta na investigação criminal e num Ministério Público eficiente impõe que se crie um corpo próprio e especializado de oficiais de justiça especialmente formado e preparado para desempenho de funções nos departamentos de investigação e ação penal.