Justiça restaurativa!

12/11/2024

Revista Visão
Miguel Figueiredo Rodrigues
Vogal da Direcção Nacional do SMMP

A falta de oportunidades de emprego associada à exclusão social pode levar ao perpetuar da violência e da criminalidade. Por outro lado, a sensação de desesperança e a falta de perspetivas podem levar a problemas de saúde mental como depressão e ansiedade

O cheiro de um caixote a arder é uma mistura desagradável de plástico queimado, papel, restos de comida e outros materiais em decomposição. Tudo associado a labaredas de fogo e o calor que emana, é a evidência simbólica de atos de destruição e revolta que colocam em causa a própria sociedade e a democracia em que vivemos.

Quem já entrou fisicamente nalguns dos bairros sociais percebe o conceito de selva urbana, com recantos, túneis e becos que desafiam uma visão urbanística moderna e colocam desafios a autoridade.

Quando alguns cidadãos deliberadamente violam as leis para demonstrar a sua insatisfação, como expressão de raiva e desespero, necessariamente terá de ocorrer uma resposta, visando evitar a escalada da violência.

Face à intervenção da polícia, quando existirem autos de notícia e detenções, os tribunais necessariamente terão de pronunciar, face (em abstrato) à multiplicidade de crimes.

Uma resposta clássica ao nível de condenação do infrator em penas de multa ou prisão (nos casos mais graves) evidencia a necessidade de colocar a seguinte questão: será este sistema tradicional o adequado face aos desafios que estas comunidades representam?

A falta de oportunidades de emprego associada à exclusão social pode levar ao perpetuar da violência e da criminalidade. Por outro lado, a sensação de desesperança e a falta de perspetivas podem levar a problemas de saúde mental como depressão e ansiedade.

A integração de todos os cidadãos e a erradicação da pobreza reclamam uma abordagem multifacetada, abrangendo uma educação de qualidade, proteção social, igualdade de oportunidades e políticas inclusivas.

A justiça restaurativa é uma abordagem alternativa ao sistema de justiça penal tradicional. Com origem nos tribunais americanos e implantação em países europeus como a Chéquia ou o Reino Unido, está focada na reparação dos danos causados pelo crime, envolvendo a participação ativa das partes envolvidas, incluindo a vítima, o infrator e, quando apropriado, a comunidade.

É uma abordagem multidisciplinar – o centro de gravidade está na forma como o caso é discutido e destinada ao fortalecimento das competências sociais do arguido, envolvendo a comunidade em que se insere. E que, nomeadamente em questões de produtos estupefacientes e respetivo tráfico, tem tido sucesso comprovado, ajudando condenados a alterar a estrutura de funcionamento do seu cérebro no sentido da sua existência não ter como único foco o consumo e questões associadas. E assim evitar o aumento das (altas) taxas de reincidência nestes casos.

Quando os problemas são complexos, as respostas não podem ser únicas. Haverá que quebrar a transmissão transgeracional de padrões negativos.

Cada caso é um caso: o comportamento de dois cidadãos até pode ser exatamente a mesma, mas num caso a decisão adequada ser uma privação de liberdade do arguido, noutro caso, uma solução ao nível da justiça restaurativa que represente um ponto de viragem na vida de quem violou a lei, com suporte judicial e social.

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