Liberdade de expressão e direitos de personalidade: um equilíbrio difícil de alcançar

Revista Visão
Pedro Nunes
Procurador da República, Presidente da Regional de Coimbra do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público
Na verdade, ambos os direitos possuem um status constitucional elevado.
O grande desvio entre estes dois direitos fundamentais emerge do embate do direito de se expressar livremente e o direito de se proteger a dignidade e a privacidade individual da pessoa humana. Isto é, quando uma expressão lesa a honra, a reputação ou a privacidade de alguém, surge a necessidade de balancear estas duas áreas de direitos.
Embora a liberdade de expressão seja um direito fundamental protegido pela Constituição da República Portuguesa (CRP), na verdade não se trata de um direito absoluto. Em certos contextos, a liberdade de expressão pode ser limitada em detrimento da proteção da honra, imagem e vida privada de uma pessoa. Nessas circunstâncias, o legislador e os tribunais devem ponderar esses direitos e fazer um equilíbrio entre eles, sempre respeitando a dignidade da pessoa humana, o direito de expressão e o dever de informar.
Contudo, a violação dos direitos de personalidade pode, em determinadas circunstâncias, consubstanciar a prática de crimes contra a honra.
Os crimes contra a honra são aqueles que ofendem a honra ou a reputação de uma pessoa, prejudicando a sua imagem pública ou a sua autoestima. Esses crimes são punidos no Código Penal português, com especial ênfase pelos artigos referentes à difamação e à injúria.
A legislação portuguesa assegura a proteção desses direitos, garantindo que qualquer ofensa à honra ou à dignidade de uma pessoa possa ser reparada, seja por meio de sanções criminais ou de indemnização civil. Ao mesmo tempo, o ordenamento jurídico português procura equilibrar esses direitos com a liberdade de expressão, de modo a garantir que a dignidade humana seja respeitada, sem restringir indevidamente a livre troca de ideias.
Mas não podemos olvidar da importância do direito fundamental à liberdade de expressão e a sua íntima relação com o direito fundamental à liberdade de imprensa.
Todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de informar, de se informar e de ser informados, sem impedimentos nem discriminações. – art.º 37.º, n.º 1, da CRP.
O exercício destes direitos não pode ser impedido ou limitado por qualquer tipo ou forma de censura. – art.º 37.º, n.º 2, da CRP.
É garantida a liberdade de imprensa. – art.º 38.º, n.º 1, da CRP.
A liberdade de expressão e a liberdade de imprensa garantem aos jornalistas e aos meios de comunicação o direito/dever de informar e criticar sem censura ou interferências do Estado, especialmente em questões de interesse público.
Todavia, o direito/dever de informar colide frequentemente com direitos de personalidade, nomeadamente com direitos de personalidade de figuras públicas.
As figuras públicas (especialmente políticos, celebridades e pessoas em posições de poder) estão sujeitas a um maior grau de escrutínio público devido à sua função social e ao impacto de suas ações. No entanto, a sua posição não as torna imunes a danos contra a honra e reputação, que também são protegidos pela Constituição Portuguesa e pelo Código Penal.
A liberdade de imprensa para figuras públicas e políticas pode ser mais ampla em alguns aspetos, mas isso não significa que a imprensa tenha liberdade irrestrita para prejudicar a honra e a reputação dessas pessoas. A liberdade de expressão e a liberdade de imprensa são protegidas, mas em situações envolvendo figuras públicas, os tribunais europeus, incluindo o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH), têm defendido um equilíbrio com a proteção da honra e da reputação.
O Tribunal Europeu dos Direitos Humanos tem abordado casos envolvendo figuras públicas e a proteção da honra, geralmente com base no artigo 10.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos (liberdade de expressão) e no artigo 8.º (direito à privacidade e honra). O tribunal tem vindo a estabelecer um equilíbrio entre a liberdade de expressão e a proteção dos direitos de personalidade de figuras públicas, levando em consideração o interesse público e o dano causado à reputação do indivíduo.
Por outra via, é indiscutível o papel central que os meios de comunicação social desempenham na afirmação da democracia, tratando-se de instrumentos essenciais para garantir a transparência, a informação, a fiscalização e controlo social das ações dos governantes e das instituições.
Os meios de comunicação social garantem a liberdade de expressão, promovem o debate público, fiscalizam o poder e informam os cidadãos, permitindo que participem ativamente na vida pública e política. Embora enfrente desafios como a desinformação e a concentração de poder em grandes empresas digitais, o papel dos mídia na proteção e fortalecimento da democracia é inegável.
Uma imprensa livre, responsável e diversificada é um dos maiores alicerces de qualquer sociedade democrática.
Por cada publicação que encerra, por cada jornalista que se cala, apaga-se uma luz que ilumina e alimenta a Nossa Liberdade.
Aos jornalistas e colaboradores da Revista Visão, e das outras publicações da Trust in News, a minha solidariedade e gratidão por tudo aquilo que fizeram, mas acima de tudo por tudo aquilo que ainda irão fazer.